25.12.08

Meu amigo lindo e gostoso e excelente músico Makely Ka tá vindo de BH se apresentar no Rio e eu vou e recomendo, dia 29 no Centro Cultural Carioca, e dia 30 na Cinemathèque, às 21h. Partiu?!

23.12.08


O Projeto MaPa fecha o ano com muita música e poesia. A próxima edição será no dia 26 de dezembro, logo depois da passagem de Papai Noel, a partir das 21h, no Cinematheque, em Botafogo. Nesta próxima edição, o projeto conta com as interferências das poetas do Madame Kaos, do humorista e diretor Fernando Ceylão e da banda Vulgue Tostoi, que apresenta músicas de seu segundo CD. A edição comemora ainda o primeiro ano do MaPa!
No blog do projeto (www.projetomapa.blogspot.com), fotos e o depoimento de quem pisou no palco do Cinematheque na temporada 2008.
Feliz Natal e um ótimo 2009!
MaPa!

16.12.08

A LAGARTA

As horas longe de você se arrastam como lagartas verdes e peludas deslizando vagarosamente pelo tronco áspero de uma árvore solitária plantada no topo de uma montanha, onde o vento uiva sussurrando seu nome no meu ouvido. Não me alegro quando os pássaros vêm cantar na minha janela. Nem me entristeço ouvindo um negro cantando blues. Não tenho vontade de me embriagar e cantar desafinada e exageradamente um Cazuza no bar. Não tenho sono de dormir em cama que não seja a tua. Não tenho fome que não seja do teu nome. Não tenho sede que não seja do teu cheiro. Sinto falta do teu travesseiro entre as minhas pernas. Dos teus cabelos entre os meus dedos. Dos nossos segredos contados no olhar. Gosto de acordar no meio da noite e velar teu sono. Ouvir tua respiração com o interesse de uma criança pra quem a mãe vem contar histórias ou uma canção de ninar. E depois tornar a dormir, pra logo acordar. Mas as horas passam e eu não tenho sono e eu me pergunto se você dorme por aí. Se você se embriaga e canta Cazuza no bar. Se você se alegra ou se entristece com um pássaro ou um blues. Ou se a lagarta verde também te ronda, peluda, áspera e vagarosa. Se ela te assombra com o passar das horas. Se ela te visitasse eu teria certeza que eu poderia te amar. Que eu poderia deslizar vagarosamente pelo teu corpo, chegar ao topo, soprar o vento, sussurrar gemidos, uivar teu nome no teu ouvido. Você pode até deixar a lagarta na cama dormindo enquanto sai pra tomar uma vodka entre sorrisos de desesperada euforia. E se embriagar, e cantar um blues, imitar um pássaro, e voar... Mas se quando você voltar, a lagarta ainda estiver lá, bota ela pra fora, e me põe na tua cama, que é o meu lugar.

9.12.08

NOSSA MELHOR INFÂNCIA

para Fernando Blauth Klipel


Em maternidades distantes num longínquo 81,
nascemos irmãos numa só alma.
Destinos traçados nas palmas de mãos vazias,
que aprendemos a ocupar de copos e cigarros por não ter o que segurar.
Mãos das quais tudo insiste em escapar...
Mãos em que as linhas das vidas divididas se assemelham a cicatrizes antigas,
já rasas e quase apagadas, mas ainda lá, marcadas.
Temos esse sinal de nascença.
Essa mania de entrar no mundo sem pedir licença
e nunca sentir-se em casa em nenhum lugar.
Encontrar sua mão na minha é como regressar ao lar que nunca me foi abrigo,
e as memórias da infância que não tivemos são minha única realidade possível.
Nossa casa na árvore, para onde fugíamos quando tínhamos medo de algum perigo.
Passávamos dias e dias escondidos debaixo da cama pra jogar Resta Um,
e quando restava uma peça no tabuleiro, saíamos pra comemorar.
Corríamos por horas a fio só pra sentir o vento no rosto.
E nos dias de temporal, a gente corria pra fora de casa e se deixava inundar.
Nos dias de sol, era pedrinha no riacho e picolé na carrocinha do seu Chico.
Um dia a gente mascou tanto bubaloo, mas tanto, que ficou com dor nas mandíbulas,
e a gente queria rir e doía, e a gente ria, e ria, e ria...
A gente comia banda e bala juquinha, e uma vez você se engasgou numa bala soft que foi um deus nos acuda!
Foi a primeira vez que tive medo.
Eu queria dissolver a bala na tua garganta.
Dissolver do mundo tudo o que podia te engasgar, te fazer sofrer,
tudo o que podia me afastar de você.
Quando eu fraturei o braço você foi o primeiro a assinar o meu gesso.
Eu guardei o gesso na minha caixa de cartas.
Você lembra quando a gente dizia que ia viajar?
Eu ia pro meu quarto e você pro seu, de portas fechadas, e a gente se escrevia cartas, mandava por debaixo da porta.
Às vezes as viagens duravam muito e aí batia uma saudade danada e a gente marcava de se encontrar em um ponto do universo, que era a cozinha, porque a gente adorava experimentar novas gastronomias.
Tinha um país que fazia pão com manteiga e açúcar, e era o que a gente mais gostava!
A gente nunca comeu gafanhoto, mas a gente caçava formigas, assim, com o dedão, esmagava uma a uma no chão.
E eu adorava quando você me salvava das terríveis baratas!
Você sempre foi o meu herói, o mais forte, o mais bonito, o príncipe de todo conto de fadas.
E eu gostava de ser salva, e às vezes fingia medos só pra te ver enfrentar meus perigos.
Sem querer nós matamos os peixes do aquário e o pintinho da feira de filhotes.
Enterramos no jardim com uma cerimônia muito solene, choramos como duas carpideiras incontidas, e depois esquecemos os mortos pra jogar Atari.
A gente sempre quebrava o joystick fazendo força na curva do enduro, em que entrávamos com o corpo inteiro!
Eu gostava de comer jujubas com você vendo o dia amanhecer depois de tomar coca-cola escondido a noite inteira!
E andar de bicicleta, e soltar pipa, e jogar bola, e pular pogobol e pular corda!...
No nosso mundo não havia incesto e o meu primeiro beijo foi seu,
e eu fui sua namorada e você o meu,
e o nosso casamento era cada dia em um lugar.
O primeiro escolhido foi a Lua, e eu queria entrar de vermelho que é pro povo da Terra poder me avistar.
Mas o ônibus espacial demorava a chegar...
Aí a gente resolveu casar no jardim, que já era cemitério, então podia ser igreja.
A festa seria na casa da árvore, que é onde a gente ia morar.
Mas não ia caber todo mundo lá!
Que tal então se a gente casasse no Maracanã?! Descesse de helicóptero como o Papai Noel no Natal da Xuxa?! A gente antecipava os fogos do Ano Novo, e ia ser o grande acontecimento do ano! Ia passar na Retrospectiva 94 e ninguém nem ia lembrar da morte do Senna.
Droga, não queria lembrar do Senna, mortes me deprimem!
Prefiro planejar o nosso filho, a cor dos meus olhos com o seu brilho, um nome de anjo, com cara de diabinho, que vai herdar nossa casa na árvore, nosso Atari e todos os outros brinquedos!
Nosso primeiro filho veio no Jogo da Vida, nossa primeira casa e mais toda a rede de hotéis a gente comprou no Banco Imobiliário, mas bom mesmo era ganhar o mundo inteiro no War, que entrava madrugada adentro e a gente nunca se cansava...
A nossa vida inteira a gente foi ganhando como um jogo, montando as peças como um quebra-cabeças que faz surgir uma tela que a gente pintou, nosso jogo da memória inventada.
São as melhores lembranças que eu tenho da nossa infância.
Não você, meu pequeno anjo amoral perdido num céu de estrelas fluorescentes coladas no teto de um quarto vazio.
Não eu, sua pequena infernal, trancada no banheiro pra chorar escondida a solidão inevitável de uma estrela caída.
Nós dois, crianças de um mundo onde não há infância,
escondidos na dor do riso com o mesmo olhar de espanto.
E de repente, depois de tanto pranto, de tanta coisa, de tanta gente,
de toda essa infância perdida,
nossos olhares se cruzam numa esquina da vida.
E mergulhar nos seus olhos é como recordar tudo isso!
Lembrar tudo o que foi (que é tudo o que podia ter sido).
Voltar ao lar que nunca me foi abrigo e finalmente me sentir em casa,
que toda a dor da nossa vida foi uma bala soft agarrada na garganta e um braço quebrado, com um cafuné pelo susto e um gesso assinado de lembrança.
Talvez seja tarde para um pedido, talvez você já tenha desistido,
mas eu não mudei nossos planos.
(eu até guardei meu vestido vermelho)
Vamos pegar carona no próximo foguete
e você casa na Lua comigo?
(quero a cor dos meus olhos com o seu brilho,
quero amar nosso filho)

AMOR PORCO-ESPINHO

para Fernando Blauth Klipel

não sei amar
nunca aprendi a amar
não sei...
acho que descobri o amor ainda pequeno
amei um porco-espinho
precisava cuidado pra amar
o amor demais, apertado,
te entra no corpo como uma farpa, uma flecha
um espinho que não se desencrava
daí percebi que amar doía
desaprendi a acariciar
sempre acho que a mão que desprende carinho
pode afundar-se em espinhos
tenho medo de amar.
Do útero não lembro nada.
Tenho uma fantasia
Um ponto luminoso que quica de parede em parede
e de repente
te cai no mar.
Da minha casa tenho as referências
Do bonito do inteligente
Do como devo ser e não sou.
Escolho ser educado, um gentleman!
Agradável, doce no falar
E carente no olhar.
Tenho um desejo escondido.
Voar nas costas de uma borboleta.
Sentir o vento no rosto
E nunca ter um objetivo certo,
Um porto-destino.
Queria mesmo era recolher a âncora,
rasgar o peito
Ver todo meu pranto vermelho derramado,
e nele sim,
levantar as velas.
E me ser eu, eu pra ti
sem pensar, sem ponderar
gestos nem navalhas.
Mostrar meu corte ainda aberto
E não deixar secar minha lágrima.
Queria ser carregado pela mão,
não pr’um campo verde.
Mas, pro meio de um turbilhão
E lá no centro te pegar pela mão
e rodopiar.
Brincar de ser eu o teu dono.
De ser eu a borboleta.

Eu disse não ser mas talvez seja
talvez eu não me perceba
que no sonho a voar nas asas de uma borboleta
seja eu o pássaro a voar mais alto
o que não se sabe
que caiu do ninho
ainda pequenino, e agora sempre sozinho
asas quebradas, ferida aberta
sem saber que ainda é canto
o que meu chorar
que é sempre canto
o meu lamento
que eu canto e vôo, passarinho
mas penso que passo, no meu canto, sozinho,
sem que ninguém me perceba passar

Fernando Klipel e Beatriz Provasi

6.12.08

Dar arte de dar nós; Da arte de nos dar

(poema coletivo escrito em mesa de bar)

O desejo latente, latejante
de amar em um momento constante
Amar em todos os momentos,
como se ama no sacrifício, na luta.
Até o momento em que amar
não seja mais sacrifício.
Até o momento que sentir
seja uma simples golada de prazer
à presença do amor.
Assim sinto bater como um coração
nossos pés no chão
e cada corpo que se atrai
que se entrelaça
na nossa pequena íntima multidão.
Me sinto distante...
ora perto, ora longe
do prazer que me satisfaz
Da força que não sabemos de onde vem
mas que nos pega e nos arrasta
Nos leva pra longe, distante
imenso, cativante
De onde nada tem
de onde tudo nasceu
Descubro você. A sorte de amar.
Assim mato a saudade, sedenta de você, numa mesa de bar.
E entre as garrafas de nossos antigos carnavais
descubro teus olhos, que me fitam nessa vida afora
Dentro fora, Dentro fora, Dentro fora, Deeeeeentro...
Tempo afora como agora
E o amanhã que nunca acaba.
E acaba, propõe o recomeço, a ré – a marcha ré, do inconsciente passo que me pedes pra dar. E sem falar, e sem ouvir, eu sigo, errante entre um gole e um abraço. Te tenho em meus braços, vos tenho em meus braços.
Braços já cansados de não segurar, tiram forças do desejo de seguir em frente com vocês, da exaustão. Não suporto, desta vez, ter que soltar, desta vez seguir errante.
Não temo cara feia, mas peço, esta cara tem que me abraçar, amanhã ou depois.
Respirar com todos, este é meu
Devir.
Meu dever de tornar possível cada momento ao seu lado. Como se fosse único, como se fosse inexplicável, como se fôssemos um só, e que nada mais existisse, apenas nós, como o ser mais perfeito do mundo.
Nós todos apertados
Nós. Todos sem querer apartar.
Sempre nós, laços
das fitas mais coloridas
que enchem nossos olhos
que inflam nossos peitos
que são a nossa voz
cantando juntos
uma só voz
de uma só vez, toda vez,
várias vezes
sempre
AMO VOCÊS
NÓS
(nunca mais sós)
E agora, passo.
Posso repetir em voz alta,
sussurrada pra ninguém que não sejamos.
Sempre Nós!


Turma do 2º semestre de 2008 – Artes Cênicas/UNIRIO, vulgo “O Fruto Proibido”
Escrito por Aline Vargas, Beatriz Provasi, Bel Flaksman, Daniel Galvão, Diogo Diniz, Fernando Klipel, Gunnar Borges, Gustavo Almeida, Marília Nunes, Nilson Nunes, Rany Carneiro, Renato De Sena, Rodrigo Abreu, Tatiane Santoro, Vanessa Reis e Wesley May. Participação especial de Rafael Medeiros e Vitória Hadba, amigos d’A Boemia.

23.11.08

A incrível saga de São Luiz Gonzaga

Numa noite qualquer, depois de assistir “Que as saídas sejam múltiplas”, espetáculo de dança do nosso amigo Fernando, fomos eu, ele, Bel e Taianã rumo à casa de Daniel, onde também nos aguardavam Gunnar e Marília, nossos parceiros de boemia. Sem nada conhecer de São Cristóvão, procurávamos desesperadamente a Rua São Luiz Gonzaga. Após darmos várias voltas em torno da Quinta da Boa Vista, paramos, enfim, num bar na esquina da Barão de Mesquita com a São Francisco Xavier pra tomar uma cerveja e relaxar do estresse de estarmos perdidos. Aí saiu esse poema coletivo:

A incrível saga de São Luiz Gonzaga


para Marília Nunes, Gunnar Borges e Daniel Galvão

A inviável noite se anuncia
Sutilmente mentirosa com medo da triste apatia entediada
E Luiz Gonzaga
que não era santo nem nada
se escondia atrás do parque
Ai que Boa Vista esta
que não paro de perceber
sempre em círculos.
E quanto mais quadrados e retas procuro,
sempre me indicam:
Contorna! A vista é bela.
Sim, as saídas foram múltiplas.
Mas Luiz Gonzaga não compreendia
em sua busca existencial
qual era afinal,
afinal, qual era, meu deus?!
A ENTRADA!
Escondido atrás do parque, agachado, mãos na testa, como estava, meditava...
Meditava, outros dizem:
- Mendigava o Gonzaga... sempre em busca de migalhas do pão.
Na eterna fuga de sua imensa tristeza. Um sorriso, um consolo, uma desculpa. Um olhar.
Mas não, a Baronesa só tinha lágrimas, do outro lado o cão só ladra.
E Francisco Xavier, esse sim santo
enviou num cavalo branco
um fidalgo salvador
que trazia na cabeça a espada da concórdia
e nas mãos uma taça cheia de presentes dourados .
Assistência móvel para panes elétricas 24 horas.
Este era o cartão que Luiz, o Gonzaga, carregava no pescoço para o caso de um enfarto ou enfisema pulmonar.
Nunca se sabe quando as encruzilhadas viram rotatórias, os mendigos ricos, ou os escarros vêm do gozo.
Aí veio o Barão, um velho nobre podre de pobre que escarrava no chão e vivia a dizer indecências.
Chegou sem pedir licença, puxou uma cadeira e sentou perguntando (sem nem dizer bom dia): Rio?!
E riu...
Mas o sorriso é singelo, carismático, alegre. O Barão tem sua mesquita com um símbolo da suástica, uma virgem de burca transparente, um olhar translúcido em um dos olhos. Só num.
No outro... ninguém sabe como definir.
O outro é tão, tão...
Lacrimoso, eu diria. Mas era uma lágrima que nunca caía. Estava sempre lá, parada, na iminência de despencar. Mas não podia.
Ela sabia que caindo solitária levaria o corpo todo do Barão a desabar, e com ele o céu, o mar, toda a vida, tudo que no mundo há. Uma tristeza quase doce era o anúncio desse olho.
Então ele andava, andava, andava, por aí, a procurar rir pra não chorar.
Passo. Eu não vou conseguir.
É só emoção.
Eu não tenho o dom da palavra.
Não quero mais procurar. Não quero mais chorar...
Não quero sequer rir!
Quero sim é encontrar a concórdia, de mim... Desculpem, do Barão.
Do meu – entendam sempre dele, por favor. Do meu sim e do meu não. Do meu Santo ou nada. Do meu bi, tri, quadri... Multi qualquer coisa que seja farsa ou não.
Em um ano da minha vida, tenho tudo daquele ano, e nem consigo entender.
Como jogo fora, pra ninguém ver.
Nunca queimei, joguei fora mesmo.
Pra ninguém que eu perceba alguém ler.
Mas que besteira a minha!
Que ingenuidade besta meu deus?!
Se já me lêem nos olhos a alma, se já me lêem no corpo inteiro, nos dedos rasgando das toalhas das mesas de bar o molhado do suor dos copos...
Não, não, não são todos que sabem ler.
Há os analfabetos fundamentais, que nunca vêem uma letra de emoção. Um “a” de abelhinha zunindo no ouvido de uma criança que descobre o mundo.
Paro por aqui, porque quanto mais profundo se chega no Japão,
mas no Luiz Gonzaga a gente não chega não!

Beatriz Provasi, Bel Flaksman, Fernando Klipel e Taianã Mello (que após algumas garrafas seguiram um táxi e conseguiram enfim chegar na Rua São Luiz Gonzaga!!!)

21.11.08

O MENINO E A CORUJA FALANTE

para João Luiz de Souza

uma fala amaciada
desliza pela madrugada...
e eu vejo um menino brincando
um sorriso de criança encantada
sabe aquela criança que inventa a brincadeira
personagens, histórias, mundos incríveis,
paisagens, perigos, heróis, grandes conquistas
coisas que os outros dizem: não é verdade, isso não existe.
mas ela insiste na fantasia
pois no fundo ela sabe
(e se fortalece nesse saber profundo)
que tudo existe quando a gente cria!
eu acredito na sua história,
entro no jogo, participo da brincadeira,
e comigo vejo outros,
e vejo uma cidade inteira!
e eu vejo o olhar deslumbrado da criança
quando percebe que os outros acreditam no que ela já sabia
mas lhe diziam os incrédulos: isso é pura fantasia!
qual o quê!
criança sempre vê além
por isso vê o que ninguém vê
esse menino viu além
e foi além do que podia imaginar
outros vieram lhe somar histórias
e era tanta imaginação, tanta imagem, tanta ação,
tantos mundos se somando, tanta criação, tão divertido!
que o menino nunca mais se viu perdido
e mesmo na madrugada mais sozinha, mais fria, mais vazia,
ele conversa com uma coruja de estimação
um coruja que fala!
não como um papagaio besta que vive repetindo frase feita
ele tem uma coruja que no pé do seu ouvido
pousa palavras com asas
uma coruja que fala poesia!...
o menino nunca pára de brincar
a brincadeira, tão somada, tão sadia,
que pela cidade inteira se irradia,
nunca, nunca, nunca vai terminar!
mas tem hora que o menino precisa
- porque toda a mãe dizia e nela a gente sempre acredita -
deixar o jogo só um pouquinho,
escovar os dentes, fazer xixi, e ir pra cama dormir.
e nessas horas a coruja se empoleira na sua cabeceira,
e faz dos versos uma linda canção de ninar.
no dia seguinte o menino acorda homem feito
com tantos feitos no caminho
mas ainda vejo no seu olhar, no seu sorriso, de mansinho,
o despertar daquele menino,
que inventou as brincadeiras
com as quais continua a brincar.
ele acredita, e se encanta, e se deslumbra,
e ainda conversa poesia com a coruja,
que leva no ombro pra todo lugar!
mas sabe, não é todo mundo que vê
a coruja no seu ombro e o menino em seu olhar
são só as crianças e os poetas
- o que dá na mesma.
só mesmo que sabe brincar!

14.11.08

FLIPORTO 2008

Ainda não tive tempo nem de desfazer a mala direito... Queria muito escrever e escrever e escrever sobre o que foi a FLIPORTO, mas agora não dá. Seguem então umas fotos e um poema coletivo, pra quem quiser degustar...






Galos, galinhas, pavões
pintos, preás, patos
peixes comendo ração
cavalos-marinhos expostos em vidrinhos
Sol nascendo ao sono do povo
Poesia no porto sonhando acordada
A arte convida...
Antes os grilhões pesados dos escravos no porto,
hoje a poesia que liberta os pulsos
e pulsa na garganta

Beatriz Provasi, Betina Kopp (psicografada), Lucas Castelo Branco, Marcelo Asth e Paulo Beto Meirelles, na última noite em Porto de Galinhas


31.10.08

EPISÓDIOS ONÍRICOS


sonhei que meus olhos sangravam
na verdade era só um deles, acho que o da direita, ou da esquerda, não sei, os lados se invertem no espelho
o sangue parecia sair da retina
era um sangue grosso e lento, não era um jorro
não lembro se tinha dor, mas sei que eu sentia um horror de perceber um olho que sangra

certa vez sonhei que meus dedos caíam, um a um
eles simplesmente se desprendiam da mão
e eu observava com a maior placidez
sem me dar conta de que, nossa, meus dedos estavam caindo!
depois de caírem uns três é que me caiu a ficha: eu não podia deixar meus dedos caírem assim
aí tentei segurar com a outra mão
e foi só aí que eu senti dor
foi só quando percebi e tentei impedir

eu tinha sangue saindo por um dos olhos e não tinha dor
e o sangue não atrapalhava a minha visão
lembro que em algum momento eu também tinha sangue na boca
como se algo tivesse arrebentado dentro de mim
e o sangue buscasse por onde sair...

talvez deva apenas estar preparada pra me deixar sangrar com calma
pra sentir o paladar desse sangue como uma criança que lambe a ferida
muitas coisas já se desprenderam de mim como aqueles dedos
algumas naturalmente, como se não me fizessem falta
outras com muita dor, a tentativa de reter, a certeza de não poder viver sem elas
sim, já senti muita dor, já vi muitas coisas me escaparem entre os dedos, como se me escapassem meus próprios dedos e a possibilidade de segurar
hoje tenho muitas coisas nas mãos e pouca vontade de chorar
mas há um olho que sangra
que eu não posso estancar

dias depois
sonhei que catava morangos no fundo do mar
os morangos estavam de molho
e eu precisava mergulhar fundo, fundo, quase perdendo o ar
depois trazia os morangos à tona
colocava em algum lugar
e voltava a mergulhar
é assim meu mergulho no mundo
eu cato morangos no fundo do mar

depois voltei a sonhar no mar
era... um navio virado
eram... pessoas brigando
e eu não sabia por que
eu estava perdida entre aquelas pessoas
eu não sabia o que eu fazia ali
aí eu mergulhei
revirei umas coisas no fundo do mar
encontrei uma chave
aí eu percebi que as pessoas brigavam pela chave
eu encontrei a chave e escondi comigo
eu tinha a chave pela qual as pessoas brigavam
mas eu não sabia pra que usar
depois eu estava comendo uma torta de morango
não sei como fui do mar aos morangos da torta
nem sei que fim levaram as pessoas que brigavam
mas eu tinha a chave do fundo do mar
e os morangos eram deliciosos

27.10.08

Batuck das Artes na UNIRIO

ESTE SARAU FOI ADIADO. AGUARDEM A NOVA DATA...

Tô organizando este sarau com a minha turma de Teatro da UNIRIO: Batuck das Artes, dia 31/10, sexta, a partir das 18h, no Jardim do CLA. Pra quem não sabe, a UNIRIO fica na Urca, Av. Pasteur, e eu não sei o número, mas tem placa indicando a entrada. Vou fazer uma performance de poesia e gaita com Betina Kopp e Oswaldo Coyote. Trabalho inédito! Vale a pena conferir...

Começou, e agora?

ADVERTÊNCIA: Este texto não é uma crítica, é só uma necessidade de expressão.

Não costumo ler críticas nem me deixo influenciar por elas. Prefiro tirar minhas próprias conclusões. Pois bem, nem faço idéia do que a crítica falou sobre “Ele precisa começar”. Fui assistir à peça porque a proposta me pareceu interessante – e de fato é. O ator com pleno domínio de todas as funções criativas do espetáculo, texto, direção, atuação, luz, som; e partindo do seu próprio processo de criação. Não tem nenhuma grande novidade aí (e onde é que tem?), mas isso me interessa. Mas se por um lado a concepção do espetáculo me despertou interesse, por outro achei o conteúdo um tanto raso. É o próprio ator, Felipe Rocha, num quarto de hotel, escrevendo o texto da sua peça. Isso poderia levar a muitos lugares ou a lugar nenhum. Nesse caso, levou a muitos lugares e a lugar nenhum. É uma necessidade desesperada de expressão - muito compreensível, aliás, na nossa geração - e algumas boas tiradas cômicas. Mas esse “querer falar” é ao mesmo tempo um “não ter nada a dizer”, e é aí que a coisa toda se perde. Porque querer falar sem ter o que dizer acaba soando como uma simples necessidade de aparecer – também muito compreensível na nossa geração “Big Brother”, mas pouco louvável. Esse processo de construção do texto que o ator/autor põe em cena é interessante, mas é diferente querer dizer alguma coisa e não saber como, buscar meios de se expressar, descobrir outras coisas pelo caminho, se desviar, voltar... e querer dizer qualquer coisa só pra ter o que falar! Eu fiquei angustiada com essa tentativa desesperada do ator de falar sem ter o que dizer, crendo na possibilidade de ser surpreendida com uma crítica. Com um comentário final que denunciasse o absurdo daquela situação. Como em “Dinheiro grátis”, de Michel Melamed, em que o ator submete o público a uma série de jogos de compra e venda, em que o público paga por uma declaração de amor, por um trago no cigarro do ator, por uma série de coisas que o ator propõe em cena, e no final queima o dinheiro todo, dando um sentido de crítica àquela brincadeira, a todas aquelas transações comerciais realizadas no espetáculo. A peça não diria tanto sem aquele comentário final. Em “Ele precisa começar”, a peça fala, fala, e não diz nada. Felipe Rocha chega a propor que nós, espectadores, estaríamos nos perguntando qual o interesse daquilo tudo. Acerta. As pessoas riem da piada. Essa autocrítica em tom de piada me lembra tanto Jô Soares quando faz uma piada sem graça... Aí ele dá um jeito de arrancar risada fazendo piada do seu próprio ridículo. Talvez ainda fosse pior, aquela autocrítica de quem quer receber elogio. Não sei. O fato é que não me parece nenhum dilema existencial real, nenhum questionamento sério sobre o sentido daquilo tudo. Apenas um comentário engraçado perdido no meio de tantos outros, amarrados por esse desejo de se expressar sem ter o que dizer. Eu sempre acho que, nesses casos, é melhor ficar calado. Mas admiro a coragem do ator, ele encarou a fera que o perseguia em seus sonhos. Ele precisava começar e começou. Só não sabia pra onde ir, andou em círculos e não chegou a lugar nenhum. Não conheço bem a trajetória do ator, e não tenho nenhuma pretensão de julgá-lo por esse trabalho; aliás, gostei dele como ator, não gostei foi do autor do texto (que por acaso é ele mesmo). Torço pra que no próximo trabalho ele ao menos tenha idéia de onde quer chegar, mesmo que dê em um lugar totalmente diferente. Tenho certeza que seus passos serão mais seguros, e acompanhá-los uma experiência bem mais interessante.

16.10.08

Ismália

Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

14.10.08


tá uma lua incrível da minha janela
redonda, solene, sumblime
rodeada por uma auréola dourada
com umas nuvens rasas ao fundo
de um azul opaco contra o azul escuro
assim não dá!
eu querendo dormir e essa lua me tirando pra dançar...


2.10.08

Cléo de Páris, sem rede de proteção

A atriz Cléo de Páris, da Companhia de Teatro Os Satyros, postou um texto lindo sobre teatro no blogue dela, http://pueril.zip.net/, que eu copiei e colo abaixo:

sem rede de proteção

sempre nas entrevistas tem essa pergunta: qual a diferença entre teatro, cinema e televisão?a resposta pode ter mil explicações, são veículos diferentes, o teatro é onde o ator tem mais domínio, a troca com o público é incrível... eu concordo com tudo isso e discorreria um tempão falando dessas diferenças, dos abismos que separam as linguagens. mas nunca me fizeram essa pergunta. porque, primeiro, não sou famosa, segundo, não faço tanto cinema e fiz pouca televisão. se me perguntassem, eu sei o que diria, eu diria assim: o teatro não tem rede de proteção.é preciso amar o risco pra escolher ser um ator de teatro, um diretor de teatro, um figurinista, um cenógrafo, um contra-regra, um bilheteiro. é preciso abandonar coisas, estar naquele lugar naquela hora que o jornal indica e não importa se 1.000 pessoas vão sair de suas casas pra ficar numa sala escura fechada esperando maravilhas de você ou se serão 5 pessoas. não importa. importa que você vai sair de sua casa nesse dia, durante meses, nessa hora, com vontade ou sem, gripado, triste, preocupado, aflito, desiludido, você vai sair no meio de uma tempestade ou na noite mais linda da primavera, vai desligar a tv, apagar as luzes, pegar um ônibus, vai dizer oi pra seus companheiros, vai sentar na bancada, transformar seu rosto, vestir uma roupa que nunca estará no seu guarda-roupa, mas que fará parte da sua vida pra sempre, e vai fazer de um tudo pra maravilhar 1.000 pessoas ou 5 pessoas.e você só tem aquela chance, nunca mais. o outro dia vai ser outro, serão outras as pessoas, será outra sua energia, pode quebrar o zíper do vestido, pode faltar luz, pode inundar a cidade, pode dar tudo mais certo,pode dar tudo mais errado, nunca se saberá, o momento é só agora, o teatro é só agora.meus amigos próximos não gostam muito de ir em estréias minhas. eu sei como é, fica aquela vontade de que tudodê certo, de que as pessoas gostem, de que o amigo mesmo goste e saiba o que falar.mas tenho um amigo que não vai nunca a meus espetáculos! "por quê?" eu quis saber. "porque eu sinto medo por você", ele disse, "parece que vou te ver com a cabeça na boca do leão, vou ficar tenso demais." entendi, claro, e não cobro sua presença apesar de ser ele um amigo muito especial. ele vê meus filmes, que já estão prontos há tempo, vê coisas que saem na mídia a meu respeito, provavelmente leia esse texto mas na hora da peça, ele sabe que se eu escorregar do trapézio, não terei rede. ele sabe que alguém pode atender o celular, que um bêbado pode invadir o palco, que o salto do meu sapato pode quebrar (como já quebrou!) que a cortina do cenário pode cair (como já caiu!)... ele sabe e eu sei que é um completo absurdo o que eu faço, que é estranho uma pessoa não ter fim de semana, Páscoa, Carnaval, trabalhar doente, ter medo de chorar na hora que não pode, ter medo de não chorar na hora queprecisa, ter medo de branco, de soluço, de gaguejar. mas ele também sabe e eu também sei que não seria feliz sem tantos sonhos e que eles, os sonhos não precisam de rede de proteção.

1.10.08

o que é saudade? (uma história de amizade)

Dei uma editada em dois e-mails que escrevi esta semana pro meu amigo Gean Queiroz, que está em Boa Vista, e embora fora do meu campo de visão, anda sempre saltitando no meu coração! Tirei só o que tinha de mais pessoal, o bate papo. O resto é saudade...

PARA GEAN QUEIROZ

Gean, meu lindo, minha coisa gostosa, meu tudo de bom, tô morrendo de saudade de vc, dos nossos papos, das nossas poesias, das nossas noites, dos nossos dias amanhecendo, das nossas praias, e até das piscinas! rs... Saudade de passar o dia com vc vendo filmes no DVD... Saudade de não fazer nada, e até não falar nada, mas ter do meu lado a sua presença iluminada... Saudade de ouvir seus versos e sua conversa... Saudade dos nossos planos de cinema... Saudade de andar com vc entre os loucos, entre os presos, entre os poetas, e saber-se poeta louco por liberdade... Saudade de toda a loucura e de toda a realidade... De cruzar com porcos atravessando a rua no meio da cidade... De andar perdido pisando pedra em Paraty na madrugada... De fazer piada de tudo... De falar sério de tudo... De querer abraçar o mundo... De rir e de chorar... De ser e de estar... De ter vc por perto.

Ai, Gean, tenho tanta saudade de vc que tenho saudade até do que a gente ainda não fez! Daquele fim de semana que a gente planejou e não foi pra Lumiar, das tardes que a gente não passou cozinhando aquele super almoço pra comer no jantar, dos dias que a gente não acordou cedo pra caminhar pela praia, de cada take do filme que a gente não filmou, e até das nossas trepadas! rs... Vou tentar te escrever com mais freqüência, que é uma forma da gente se manter conectado, apesar da distância, pq a alma não conhece quilometragem nem estrada, e a minha tá sempre bem perto da tua! Enquanto eu te escrevo, ela tá do teu lado, e te faz um cafuné nos cabelos...




ps. as referências são, claro, super pessoais, então, como diz Clarice: "Não se preocupe em 'entender'. Viver ultrapassa todo entendimento".

29.9.08

uma coisa qualquer

tem uma coisa qualquer
um desassossego
tem um mar que se agita na ponta dos dedos
uma onda que quebra nas veias
tem uma pulsação nos cílios
tem um fogo nas bochechas
e nos olhos, mil centelhas
tem um bicho faminto
que passeia
uma fera
que contempla a paisagem
uma sereia
que não se sabe
e caminha passo a passo pela areia...
tem um ator numa orelha
na outra, um personagem
às vezes não se escutam
falta direção
mas eles vão...
o que importa é a viagem!...
a porta aberta dando passagem
seja para o que for
ou pra receber
pro que der e vier
tem formiga no pé
e um elefante no dorso
a asa vai no quadril
contornando sinuoso
qualquer ardil
tem uma coisa qualquer
uma angústia inquieta
uma calma forjada
um sorriso de esfinge
no meio da madrugada
tem uma coisa qualquer
um nariz que finge
e um joelho que entrega a charada
tem uma coisa qualquer
uma contradição na essência
e uma simplicidade imensa
tem uma coisa qualquer
tem algo que pulsa
tem algo que pensa
tem sempre uma coisa qualquer
intensa
tem sempre uma explicação pretensa
uma idéia avulsa
mas nunca se sabe exatamente o que é
essa coisa qualquer
que pensa e pulsa e finge e passeia
que não se sabe centelha, esfinge
essa coisa meio ator meio sereia
que só se vê de passagem
essa fera com fome de primavera
quando menos se espera
não é uma coisa qualquer
invento, alucinação, miragem
esse mar quebrando na veia
sem dizer a que veio
ou o que quer
só deixa visível na areia
um contorno da coisa
mulher



22.9.08

às vezes espero
outras, exaspero
mas sempre ardo

um dia tardo
outro falho

em dias de hoje
o amanhã
se empilha de ontens

ah, o tempo que era quando!
nem um pouco
tampouco tanto
(ando no fio da navalha)
meu tempo é quanto
e a cor do saldo
salta vermelha.

7.9.08

Exposição: PALAVRA DE PINTURA

A artista plástica Maysa Britto, amiga queridíssima, vai participar desta exposição junto com outros artistas no Parque Lage, com abertura na próxima terça, dia 9, às 19h. Imperdível!


4.9.08

Reparei que você tem covinhas quase iguais às minhas. Um pouco mais acentuadas, porque estão sempre lá, marcadas, mesmo quando não há riso. Tenho a impressão de que você está sempre sorrindo. Imagino que é pra mim. Ou finjo. Tenho vontade de cavar as suas covinhas com as pontas dos dedos. Suavemente. E ir descobrindo pouco a pouco de que você é feito. Quero conhecer o que não é sorriso em você. Alguma coisa que ninguém vê. Um buraco, não no rosto, mas no peito. Uma marca profunda na palma da mão. Uma sombra nos olhos. Uma dor escondida entre os dedos dos pés. Quero te conhecer por inteiro, com as pontas dos dedos. Desvendar todos os seus segredos, os seus medos, seus anseios. E depois pousar lentamente tua cabeça entre meus seios, casar teus cabelos com meus dedos, meus cabelos nos teus dedos, pêlos formando alianças. Eu te deixaria ver cada pinta do meu corpo, só pra você perder a conta e dar risada. E eu riria junto, e te contaria umas histórias. Te inventaria um poema na hora, escreveria na tua pele. E me entregaria para a tua escrita nua. E também ouviria tuas histórias, rindo de tudo porque tudo eu acharia lindo. É tudo incrível ao redor dessas covinhas! Uma lágrima em ti teria aura de riso. E seria bonito. Não a lágrima em si. Mas essa fragilidade de mesmo na dor, não poder deixar de sorrir. E eu riria junto com você na tua dor, te fazendo secar as lágrimas e voltar a ser só risada. E riria junto nas alegrias e das coisas engraçadas. Você faria tudo parecer uma piada. A dor escondida entre os dedos dos pés. A marca afundada na palma da mão. Os buracos cavados no peito. E todos os medos. E a tudo a gente enfrentaria às gargalhadas! Unir nossos sorrisos seria a bala na espingarda, nossa arma secreta. Mas... eu ainda tenho o meu próprio medo. E eu ainda não cavei os seus segredos. Ainda sou só olhos. E você, só covinhas. Quase iguais às minhas. Quase...

1.9.08

O que Ela espera é outra coisa. Não é um esperar de espera. É de esperança. Ainda assim é desespero. Como se a esperança esperasse no alto da torre mais alta. E Ela, agarrada às suas tranças, se encontrasse no meio. Muito alto pra cair. Muito alto pra subir. E se agarrasse ferozmente no emaranhado desses cabelos, para permanecer ali, com medo do olhar para baixo, sem forças pra ir além. Ali no meio, à espera de um milagre. De uma esperança-pássaro que a resgatasse. Mas a esperança era a princesa no alto da torre, com seus longos cabelos esvoaçantes para lá e para cá ao sabor do vento. Prender-se a um fio, um fio de esperança, já era um feito e tanto naquele vendaval que sacudia o mundo, e levava seus cabelos para longe em questão de segundos. Mas eram tão lisos e sedosos os cabelos da princesa, que ao subir se deslizava, tornando sempre ao mesmo ponto. Como subir uma escada rolante que desce. Ou andar na esteira. Então a esperança é isso. Exercício. E não algo que se alcança, um lugar a que se chega. É somente o que nos fortalece. Com os músculos cansados e a respiração ofegante, Ela deixou-se deslizar até o chão. Soltou o fio fino que retia na mão. E com lágrimas nos olhos, contemplou o aceno de adeus dos cabelos esvoaçantes. Exausta, vencida, humilhada, sentia-se fraca. Ela não sabia, mas estava mais forte.

30.8.08

Ama a arte em você mesmo
e não você mesmo na arte.
(Stanislavski)

29.8.08

eleições 2008 - parte 3: política poética

Então disse o sol:
"Bem, cá estamos, meu velho.
Tu e eu formamos uma dupla.
Voemos, poeta,
à altura das águias.
Cantemos
para espantar as trevas do mundo."
(Maiakóvski)

eleições 2008 - parte 2: poluição sonora

quem é de niterói certamente já ouviu:
- o assovio enjoado do jorge roberto silveira
- a musiquinha brega acompanhada do gritinho agudo insuportável do issa
por isso eu lanço a campanha: vote contra a poluição sonora! não eleja esses candidatos! meus ouvidos agradecem.

26.8.08

porque agora eu sou caloura...


ps. o luau foi adiado pra próxima semana, por causa da previsão de chuva.

eleições 2008 - parte 1: tomate neles!

"Enquanto os homens exercem seus podres poderes,
morrer e matar de fome de raiva e de sede
são tantas vezes gestos naturais"
(Caetano Veloso)



Ia usar uma metáfora de tomates e de repente me lembrei de Ilha das Flores. Ilha das Flores foi um dos primeiros filmes dos mais impactantes que vi na vida. Como a partir de um tomate, Jorge Furtado descreve uma situação social tão absurdamente contrastante!? Um tomate é considerado impróprio para o molho da dona de casa, é considerado impróprio para a alimentação dos porcos e só então é posto à disposição de seres humanos em situação de miséria, que catam comida no lixo. Diante disso, fiquei pensando, como sugerir que as pessoas escolham seus representantes como escolhem tomates para o molho, num país em que muitos catam tomates no lixo para sobreviver?! Como dizer ao faminto que não coma tomates podres? Como sugerir ao miserável que não venda seu voto para políticos podres? É certo que não são só os miseráveis que vendem votos, mas toda a espécie de descrentes que vêem ali a possibilidade de ganhar uma graninha extra e não acreditam que o voto possa mudar a situação do país e consequentemente melhorar a sua. Mas num país que não valoriza a educação, é realmente difícil fazer essa associação. Quando estive em Canudos/BA, ouvi pessoas conversando abertamente sobre para quem venderiam seus votos. É uma coisa tão naturalizada, que não há porque não falar. Também creio que deva ser assim nas periferias das grandes cidades. Algumas negociações mais explícitas, com pagamento em dinheiro, e outras mais veladas, com bens de consumo, materiais, obras ou melhorias pontuais em determinadas comunidades. Tem hora que quase me bate um desânimo. Me parece que participar de um processo eleitoral assim é também legitimá-lo. Mas também não acredito em voto nulo, a não ser na total falta de opção. Já elegi vereadores, deputados e senadores éticos que permanecem na luta ao lado do povo brasileiro mesmo dentro de um sistema corrompido em que isolados pouco podem fazer. Já elegi até um presidente que, apesar dos pesares, trouxe alguma melhoria em comparação ao governo anterior. Por isso não desisto de fazer uso do voto. É uma das armas de que dispomos pra transformar a realidade. Por isso, apesar de saber que muitos vão comprar e muitos vão vender, que muitos vão dar acreditando em promessas falsas, que muitos vão dar sem acreditar em nada, e que muitos filhos da puta ainda vão se eleger, eu voto e prego o voto consciente. Que a gente vote como quem escolhe tomates, pegando os bons e largando os podres de lado. E se por acaso tivermos de catar tomates podres, que seja pra tacar nessa gente que perpetua a miséria e a ignorância do povo! Porque, como disse antes, o voto é uma das armas de que dispomos. Um tomate pode ser outra. E ainda outra uma manifestação. Um poema, uma palavra, uma ação. Também não adianta votar e achar que cidadania se exerce só de quatro em quatro anos. Cidadania é um exercício do dia-a-dia. É cada um fazer a sua parte nos espaços que lhe cabem, e cobrar a ação dos que elegemos para os espaços de representação. Não deixar lixo na praia é uma ação de cidadania, assim com dizer “bom dia”. Lutar contra a corrupção é também não se deixar corromper nos pequenos espaços de poder, que podem estar no ambiente de trabalho ou até na família. A construção de um país melhor não se faz só em dia de eleição, se faz todo dia. Antes de selecionar os tomates, é preciso plantá-los, cultivá-los, colhê-los. É preciso cultura, no sentido original do termo. CULTURA POLÍTICA. Então, mãos à obra! E depois eu escrevo sobre os meus candidatos... (que era o motivo original deste texto)

20.8.08

"Toda poesia é uma viagem ao desconhecido" (Maiakóvski)

Voluntários da Pátria - Maceió/AL


Na campanha Voluntários pela Valorização da Vida - VVV

FOI TUDO LINDO E SEM EXPLICAÇÃO!!!
FOI TUDO LOUCO!
FOI TUDO DE BOM!...

Tavinho Paes conquistou as crianças.


Edu Planchêz vagou pelas madrugadas fotografando placas.


Glad Azevedo fez serenata pra televisão.

Betina e Tico foram coroados.



Eu subi mais um degrau no imenso bule borbulhante dos Voluntários.

E o futuro, a quem pertence? Eles são nosso presente!


VOLUNTÁRIOS EM AÇÃO!

Mais fotos em http://picasaweb.google.com.br/beatrizprovasi

15.8.08

tô num computador muito louco bloqueado pra blogues! o curioso é que acessando do meu e-mail eu consigo entrar pra moderar comentários, consigo criar postagens, mas não posso escrever comentários, nem editar postagens antigas, vai entender a lógica dessa coisa... aí só de sacanagem resolvi criar postagem pra mostrar pra essa máquina idiota que eu consigo entrar pelas suas frestas...! é só deixar um espacinho aberto que eu pulo pra dentro que nem gato safado e vou afiar as unhas no seu sofá!...
mudando de assunto.
tenho recebido convites pra diagramar material de campanha. cheguei à conclusão de que mais que os governos, as eleições geram empregos! quem sabe com essa graninha extra que vai entrar consigo pagar minhas multas de trânsito... (quer dizer, o mesmo sistema que dá, toma de volta, é a lei cíclica do trabalho, vc trabalha pra se manter trabalhando - se alimentar, morar, vestir, se locomover... e aí não tem tempo pra mais nada, só pra trabalhar! um dia ainda largo tudo e vou plantar alfaces em mauá!... - mentiraaaaaa)
cansei disso aqui. não tenho mais nada pra falar. nem gosto de usar essa coisa pra falar da vida. mas sabe como é, falta do que fazer no horário de trabalho dá nisso... horário de trabalho me parece um termo tão idiota! quando se faz o que se gosta, se trabalha o tempo inteiro (eu, por exemplo, decoro poemas debaixo do chuveiro!...)
bom, beijos pra quem fica. au revoir...

14.8.08

flash



apesar das noites em claro e das olheiras, das lágrimas, dos olhares de medo, dos beijos não dados, amores negados, dos sonhos roubados, apesar da vida e da morte, e de toda a angústia do inexplicável, apesar da falta de respostas, e das perguntas caladas formando nódulos na garganta, apesar de. ainda encontro delicadeza em mim. como sorrir de olhos fechados. e quando me sinto assim, sei que posso ser feliz pra sempre (mesmo que seja só no tempo de um flash).



fotos: Maysa Britto

13.8.08

Amor, então,
também acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.

Paulo Leminski

12.8.08

INSISTA

Fabrício Carpinejar

Sempre insista. Fale mais do que seja possível pensar. Insista. Toda primeira conversa enfrentará uma série de inconvenientes. Mas insista. Não recue com a gafe, com o estardalhaço, com a vergonha. Siga adiante. Comece a rir sozinha. "o que você está rindo?" Rir é ser perguntado. Não há motivo para rir, rir é se abraçar. Minha risada é meu gemido público. Acordar me deixa excitado.

Talvez aquela amiga não queira namorá-lo para não estragar a amizade. Portanto, diga: quero hoje estragar nossa amizade. Estragar de jeito. Arruinar nossa amizade. Corromper nossa amizade.

Estrague fundo, o amor pode estar recolhido nela. Mas não aceite tão rápido o que ela não acredita. É disfarce, vivemos disfarçados de normalzinho, de ponderado, de retraído, porque a verdade quando surge faz atitudes impensadas, como comer algodão-doce nesta terça-feira diante de uma escola de normalistas. Que saudades de acenar para uma freira dirigindo um fusca. Deus é uma freira dirigindo um fusca. Tenho saudades de me exibir cortando laranjas. As tiras simétricas, os cabelos loiros da laranjeira. Tenho saudade de passear com a minha laranjeira.

Não se explique, insista. Eu não vou ficar esperando alguém me salvar. Eu mesmo me salvo. Eu mesmo me arrumo para a loucura.

Insista. O apaixonado cria sua boca. Cria sua boca para cada boca. Caso tenha prometido ir atrás dele, vá. Telefone, ainda que atrasada dois anos da promessa. Volte atrás, não queria pensar com os olhos, a boca são olhos mais atentos.

Não se intimide ao encontrar seu homem no momento errado. É sempre o momento errado. Seja o momento errado da vida dele. Mas seja parte da vida dele.

Seja o erro mais contundente da vida dele. Seja a vida do seu erro, para ele errar mais seguido.

Talvez aquele amigo não converse para manter a aparência de misterioso. Talvez ele nem saiba conversar, seja incompetente. Insista. Uma hora ele vai tomar um porre do seu silêncio, sentar no meio-fio e falar aramaico. Todo homem guardado uma hora fala aramaico. Insista, esteja perto para o sermão dos pássaros no viaduto.

A vida mete medo quando ela não é formalidade, não temos como nos defender do que parte dos dentes. Tenha um medo assombroso da vida, que é mais justo, deixe a morte com ciúme e inveja, deixe a morte sem dançar.

Não fique articulando frases inteligentes, comoventes, certas. Insista. Sei o valor de uma fantasia, mas insista. Tropeçar ainda é andar, pedir desculpa ainda é avançar, concentre-se na dispersão.

Ninguém quer falar com ninguém. Mas insista. Na sala do dentista, no trem, no ônibus, no elevador. Insista. O que mais precisamos é estranheza para reencontrar a intimidade. Não há nada íntimo que não tenha sido estranho um dia. Seja estranho com o ascensorista, com o porteiro do prédio, com a colega. Declare-se apaixonado antecipadamente. Depois encontre um jeito de pagar. Ame por empréstimo. Ame devendo. Ame falindo.

Mas não crie arrependimentos por aquilo que não foi feito. Sejamos mais reais em nossas dores.

Tudo o que não aconteceu é perfeito. Dê chance para a imperfeição. Insista.

Estou cansado de me defender - sou só ataque. Insisto.

11.8.08

tudo no meu tempo

força estranha que de prédio novo faz ruína
o que nasce já fica velho e nem se cria
furto verde que despenca amolecido
não há tempo de amadurecimento
o rápido engole o lento
eu engulo a seco o tempo
sou passado sem ter tido a opção do futuro
me publico sem passar a limpo o meu rascunho
cheia de erros crassos, toda em desacordo
mas vazo dos limites do quadrado
em meio ao dia quando acordo
porque meu tempo é sempre
e muito
tem milhões de quadros meu segundo
minha linha é curva
e meu olhar, enviesado
atravesso o mundo fora da faixa
no meu passo lento
sinto a dor, ossos quebrados, fratura exposta
e não tenho medo não fujo nem rezo
eu enfrento o atropelamento
(o resto é que é perda de tempo)

Nome próprio.


Nome impróprio. Fui ao cinema sozinha, e como poderia deixar de ser?! Dei graças por terem recusado o meu convite. É um filme impróprio pra ser ver em companhia. Porque eu me via na tela e não queria que ninguém me visse me vendo. Que sentisse os momentos em que a minha respiração esteve em suspenso, ou quando ofegou, ou quando meu corpo se colou à cadeira e meus olhos vidrados na tela quase indagavam alto: como podem me pôr nua assim?!? Eu me via espelhada nos olhos da Leandra Leal, da sua Camila, como jamais havia. E quanto mais eu me espantava, mais eu me dizia: é um filme pra se ver sozinha. Não que a vida da Camila se assemelhe tanto à minha, não é isso. É seu modo de lidar com a escrita. O modo como nela se confundem arte e vida. O quanto que essa coisa de escrever é terapia. Como compulsivamente esfregar um chão que não se limpa. Queria escrever um poema e não consigo. Nome próprio já é pura poesia! E eu agora impregnada de poesia por todos os poros, saltando dos olhos, formando um eco sem fim nos meus ouvidos... Fazer poema, eu não consigo. Aí paro num bar da Lapa, esquina da Mem de Sá com Lavradio. Peço um chopp, dois, talvez ainda peça o terceiro ou quarto, até terminar de rabiscar essas linhas, ou esgotar a tinta da caneta, acabar o guardanapo... Niterói hoje era longe demais pra conter a ânsia da escrita. Precisava desse desgovernamento, parar pra respirar o ar que tinha inundado meus pulmões na sala de cinema. Não queria ter ninguém ao lado agora para debater o tema, não vale a pena. Precisava ver nesse guardanapo os guardanapos de Camila; ver nas lágrimas de Camila as minhas, as mesmas que há pouco mais de um mês eu largava no carro na corrida... (Corria de quem? Dele? De mim?) Na covardia de Daniel as mesmas mentiras, mesmas falsas promessas que eu criava, em que eu cria... Eu já me larguei no mar de Camila... já me larguei no copo de Camila... já me larguei queimada nas cinzas do cinzeiro de Camila, e me marquei por muitas das suas cicatrizes... Há um preço que se paga por querer demais a vida. A cada vez que sobrevivo, alguma coisa morre dentro. E a gente ainda espera quem nos ressuscite. Mas não é o quem. É o quê. O quem é o pretexto. O que nos salva é a escrita. O terceiro chopp já veio. Não era o ponto final ainda. Esse desgovernamento é o que governa a minha vida. Que se foda que é lei seca ou que amanhã acordo cedo! Há muito que eu não sentava no bar sozinha (e hoje nenhum mala veio me incomodar! Por que homem não pode ver mulher sozinha?!). Eu adoro estar em minha exclusiva companhia. ADORO! Eu me sinto muito mais eu porque não tenho em mim a projeção alheia. E cada um projeta no outro o que quer, isso foge ao nosso controle. Mesmo que eu me esforce pra parecer uma, aos olhos dos outros eu serei sempre outra. Sartre, sábio, categorizou: “o inferno são os outros”. Não “os outros” tal como são, mas como nos projetam/deixamos nos projetar em nós. Os outros não me interessam. Eu sou como só eu sei que sou. Só me encontro quando só. Eu queria me escrever em poesia e não consigo. Talvez porque a poesia pressuponha muito mais o leitor que essas linhas. Sei que o que escrevo vou pôr no blogue e alguém vai ler. Mas não me importa quem, nem como, nem quando nem por que. Agora só me interessa escrever. E vamos ao quarto chopp porque estou me sentindo viva. Alguma coisa pulsa na minha mão que treme. E quando escrevo assim esqueço que algum dia tive aulas de caligrafia. Aquelas letras redondinhas dão lugar a essas letras tortas que são só minhas. Tortas como eu, como os meus sentimentos, como a minha vida. Essa coisa que não se ensina. Essa sina. Escrever como quem respira. Não o ar do campo e seus encantos bucólicos. Mas o ar poluído das cidades, seu gás carbônico, sua nicotina, seu cheiro alcoólico. E se vive disso. Porque respirar é um ato involuntário de sobrevivência. (Ninguém consegue se matar por asfixia!) Ninguém escolhe o que respira. Respira porque lhe é imanente. E se lhe enfiarem éter na boca e nas narinas, é o desmaio. Ninguém foge à necessidade do corpo de inspirar. Senão é a morte. E o corpo grita mais forte: AR!... É assim que se escreve e é assim que se vive, como quem respira, como quem inspira, com o que inspira, expirar. Expirar com as mãos é o meio que o escritor encontra pra não morrer de excesso de ar. (Ou pra não pirar...) Eu vivo de loucuras momentâneas pra não morrer de cotidianos... Passem dias, meses, anos, ou segundos, primeiro e antes de tudo, eu aqui me imortalizo. No que escrevo do que vivo. E assino. Com meu nome próprio, impróprio, meus impropérios.
Beatriz Provasi, pedindo o 5º chopp, a saideira.
ps. à minha volta, os que restam no bar, todos assistem às olimpíadas na TV.
ps. 2. o garçom me trouxe a conta sem que eu lhe pedisse, larguei o bar vazio atrás de mim e vim...
ps. 3. enquanto passo a limpo os guardanapos nesta tela, encontro na geladeira minha última saideira!
ps. 4. leiam o filme, assistam ao livro.

brinco

sou do tipo que inflama a orelha
pra usar o brinco de que gosta
se eu me amo ou não?
isso não importa.
sei que o brinco é bonito
e a dor é suportável
sei que eu faço o que quero
e ninguém tem nada com isso
sei que pra minha dor
não tem remédio
mas de tédio eu não morro
sou incurável.

da arte de empinar pipas

ver uma pipa no céu
é tão mais bonito
que ter uma pipa nas mãos!
é por isso que eu atiro ao alto
tudo que tenho nas mãos...
na esperança
de ver alçar vôo.
a maioria pára no chão.
e eu resto assim:
sem a beleza das coisas no céu
sem a concretude
de coisas na mão.

9.8.08

CEP 20.000


CEP "di maior"

Agora o CEP é “di maior”. 18 anos na estrada. O que muda? Nada. O CEP já andava por aí há muito tempo com carteira falsificada. Sempre entrou onde quis, já nasceu abrindo caminho. É o irmão mais velho dos eventos de poesia. Dirigia sem carteira e já andava embriagado. Sabe como é, tem amigos na Blitz. Tem amigos nas melhores bandas, e em qualquer lugar onde sopra poesia, todo bafômetro se manda. Aqui, a caretice não tem vez. O CEP sobrevive ao açaí com guaraná, à onda do politicamente correto e das proibições, não pode beber, não pode fumar, não pode dar um dois, então passa na di um, dixava e vamo lá!... Festejar os 18 anos do CEP 20.000, na próxima terça, dia 12, a partir das 20h, no Espaço Cultural Sérgio Porto.

Na programação:
chelpa ferro / robôs efêmeros / duplex / viviane mosé
raul mourão / flu / paulo scott / simone carvalho / ctrlc+ctrlv
aimberê césar / alex hamburger / sete novos / márcio-andré / madame kaos
dudu + daniel / guga ferraz / ernesto sena / priscila andrade / bárbara araújo
brumário world circus / dado amaral / justo d’ávila / pedro lage
grupo um / grupo py / opavivará! / 13 numa noite / gomo / laranjas
associados / baile à fantasia / mc chacal

CEP 20.000 – Centro de Experimentação Poética
Espaço Cultural Sérgio Porto
(Rua Humaitá, 163 / tel : 2266 0896)
Terça, 12/08, às 20h
Ingresso: R$ 4,00

5.8.08

sobre a palavra, a santa, a puta e a navalha na cara

Outro dia, do nada, fui chamada de puta por uma mulher que eu desconhecia. Talvez porque eu tenha tido um caso com o marido de uma amiga dela. Sobre isso, tenho a consciência muito tranqüila. Eu tenho a minha ética pessoal, que sigo com correção, e nela não há lugar pra culpa ou autoflagelação. Pois bem, não fui eu que dei em cima dele, não o forcei a nada, apenas cedi à tentação, não era amiga da mulher, e nunca me aproximei a tal ponto (homem de amiga eu respeito, elas sabem disso e não têm com o que se preocupar). Depois eu me apaixonei e deixei isso claro, porque a situação me incomodava, e ele manteve a relação, alimentando em mim esperanças que eu, como uma mulher inteligente, nunca devia ter tido, mas a paixão emburrece até os seres mais geniais! Também não poso de santa não, eu sabia que podia magoar alguém (especialmente a mim, que fui a única a sair realmente perdendo dessa relação). Eu o quis, e o quis muito, e ninguém tem nada com isso!
Quando, no meio de um show, aquela mulher veio me chamar de puta, fiquei perplexa e sem reação. A mulher ainda me deu uns tapinhas de leve no rosto, enquanto dizia “você é uma puta, vagabunda”, querendo arrumar confusão. Eu odeio barraco, odeio baixaria. Ignorei a mulher e fiquei lá curtindo o som. Ao fim do show, Tavinho Paes me chama ao palco pra falar um poema. Era show do Arnaldo Brandão e Tavinho falou um texto muito foda no meio, e quando terminou, o público em peso gritava “poeta! poeta!”, para que ele retornasse. Um parêntese: muito foda isso, né?! um público que não é de poesia berrando “poeta!” Em vez de falar outro poema dele, Tavinho me chama, e quando eu subo ao palco, a descontrolada desclassificada começa a gritar “puta, puta!” Então, eu vou falar um poema praquela pessoa que tá gritando ali, e mando:

a santa e a puta me habitam

na casa que sou
ora mosteiro
ora pardieiro
pouco bate a luz do sol
tenho hábitos noturnos
e hábitos de freira
hábitos me vestem de negro
coabitam na vastidão do escuro
ora clausura, convento
ora vento, raio, tufão
ora sussurro de palavras, oração
e o verbo se solta, o sangue ferve, vira verve
elas sentam juntas no meu colo para tomar chá
com pedrinhas de açúcar e tilintar de colheres
há pouco o que se falar
são mulheres
outras vêm brincar no jardim dos meus cabelos
são ainda crianças a me fazer tranças embutidas
uma me faz cócegas nos pés
só para eu dar risada sem motivo
todas moram em mim
as pequenas dormem cedo
a santa reza antes de deitar
a puta se deita acordada
há pouco o que se falar
todas têm medo
do escuro, de deus, do desassossego
todas rezam na hora do aperto
e guardam, sempre, a navalha entre os dedos

Nunca senti as palavras em mim tomarem tanta força! No último verso, eu dei a navalhada na cara da mulher. Eu senti e tenho certeza que ela também sentiu. Enquanto ela gritava, o público pedia que ela se calasse, e ao final fui super aplaudida, de gente vir me cumprimentar depois e tudo mais. Sai de lá vitoriosa, feliz por ser poeta, e ter nas palavras os tapas que eu não dou com as próprias mãos.

Ainda por cima acho de um machismo nojento xingar de puta a mulher que se envolve com homem casado. Primeiro, é um erro crasso, porque ela não cobra, mas dá de graça (às vezes até paga o motel...). Segundo, quem tem o compromisso e a responsabilidade por ser ou não fiel à relação que estabeleceu, nesse caso, é o homem. E por mais que ele queira posar de santinho (não digo que foi o meu caso, não faço nem idéia do que ele disse à esposa), e vá dizer que a mulher praticamente o agarrou ou outras mentiras que os homens inventam (sim, porque em geral inventam), mulher nenhuma consegue estuprar um cara (a não ser com cenoura ou cabo de vassoura), ainda mais repetidas vezes, que é o que se requer para o estabelecimento de um “caso”.

Mas vamos deixar pra lá, que tudo isso é caso encerrado, e quem merecia já recebeu sua navalhada, só queria mesmo comentar como naquela noite senti o poder das bem ditas palavras.

Madame Kaos, Fausto, CEP e Bortolotto

Gente, não vou nem reproduzir porque não vale a pena, mas achei hilária a nota que saiu ontem no JB sobre a nossa apresentação da Madame Kaos com o Fausto Fawcett e a Orquestra Charles Bronson! O cara (ou mulher, sei lá quem escreveu aquilo) só faltou dizer que a gente fez uma suruba no camarim... e não tinha nada a ver! Disse algo assim, que o clima foi esquentando enquanto "as cervejas REBOLAVAM goela abaixo", gente, alguém já viu cerveja rebolar?!?! Muito tosco! Deve ser porque eles acham que se tem Fausto no meio tem que ter louras rebolando... aí na falta das louras, já que nós somos morenas, resolveu inventar outra loura pra rebolar! A Cerveja!!! só rindo mesmo. ( a gente até brincou com a coisa das louras no palco, entrando de perucas na hora da Kátia Flávia, mas em tom de brincadeira com o senso comum, porque é o que todo mundo espera) Aí depois a nota diz que nós, as meninas, "abraçadas", falamos "versos safados" no ouvido do Fausto. Porra, se decide, né, meu irmão, ou somos lésbicas ou oferecidas! O cara (ou mulher) usou várias palavrinhas pra criar um clima de erotismo que, na real, não tinha. Tinha a gente tomando cerveja com o Fausto, batendo papo e se divertindo, enquanto os meninos da banda estavam lá todos tensos com a apresentação, e a produção meio histérica, como todas as produções. E os "versos safados" nem são nossos, são do Mário Bortolotto, porque antes, no bar, quando a gente foi buscar cerveja, eu tinha comentado com o Fausto desse poema, e quando voltávamos ao camarim, lembrei que o livro estava no meu carro e peguei pra mostrar pra ele. Peguei o livro pra ler e Juju se juntou a mim, lemos juntas, nem "abraçadinhas" nem "falando no ouvidinho". Mas o que se esperar de uma coluna social, não é mesmo?! Nego adora apimentar as coisas... Em vez de falar da apresentação, fica inventando buxixo de camarim, e tudo fora de contexto! Mas na real, eu nem fiquei puta, não. Achei foi pra lá de engraçado! Meu dia ontem tava bem desanimado e isso me arrancou umas boas risadas... E pra quem quiser saber o que é Madame Kaos extra fuxico de jornal B, a gente vai se apresentar no próximo CEP 20.000, que comemora 18 anos, na próxima terça, dia 12, a partir das 20h, no Espaço Sérgio Porto, no Humaitá. E agora deixo vocês com os "versos safados" do Mário, que eu adoro!

A MIM ME GUSTA LAS MUCHACHAS PUTANAS*

Dessas que chupam as bolas
que entram de sola
das que não tem meio termo
que abrem as pernas e não pedem arrego
dessas depiladas, peladas, liberadas
eu as quero desarmadas
de boca esporrada
Eu as quero do jeito que for
tocando bongô
com a boca no microfone
chamando meu nome
no meio da chuva
dessas que passam gel no cabelo
que a gente flagra no banco traseiro do carro
dessas que dizem os diabos
que agarram o seu pescoço
que sempre dão o troco
dessas com aros em forma de brinco
que sabem segurar um pinto
essas entendem o que eu sinto
essas sabem que eu não brinco
se entopem de vodka assistindo Mtvê
essas nunca vão chorar por você
não vão mentir pra você
não tem por que
não vão contar histórias
não vão dizer que você foi a melhor foda
não vão querer seu sangue, só o seu dinheiro
não vão querer flores, nem caixas de bombons
não te arrastam pra igreja
só se encharcam de cerveja
e se eu digo: pra mim chega.
elas guardam o batom e vão embora
nunca estão de calcinhas
quando descem as escadas
estão sempre dançando
mordendo
chegando de táxi a uma da manhã
elas não são puras, são putas
não querem o céu
não sabem quem é Nina Simone
não querem o meu número de telefone
paixão elas tiram de letra
encaram qualquer treta
com uma chave de boceta
Adoro essas putas loucas
caindo de boca
que nunca ouviram um blues
fazem chupeta e dão o cu
Eu as quero sujas
num beco escuro, atrás do muro
meu pau abrindo caminho
desprezando carinho
fissura de vinho
na segunda-feira
gozando na primeira
comendo pastel na feira
maquiadas
peladas
desbocadas
a mim me gusta
que se fodam as puras
que gozem as putas

* o poema é do livro "Para os inocentes que ficaram em casa", que é todo muito bom!