15.9.09

uma carta (ou história de ninar)

Oi Fer, onde está você? Estou morando num arco-íris, que fica pra lá do azul! É incrível como todas as cores se completam e todos os meus amigos me trespassam nos lilases. Tem dias que eu durmo no vermelho, outros no verde, e quando vejo, estou acordando no amarelo. Você precisa conhecer o meu pote de outro! Ele também é seu, como todos os meus tesouros. Os duendes o vigiam quando não estou. Quando estou, brincam comigo. Pulamos corda nas cores, cada um em uma, ao mesmo tempo. Também nadamos, cada qual na sua raia. E apostamos corrida até o pote de outro, que fica na linha de chegada. Eu sempre ganho, porque tenho passadas mais largas. Mas às vezes, fico pra trás de propósito, só pra ver a alegria de ganhar estampada em seus rostos. Como eles sempre moraram aqui, conhecem muitas histórias que cruzam os ares. Me contaram de um menino que eu gostei muito, porque me lembra a gente, as nossas viagens. O menino não conseguia dormir à noite, quando sua mãe dizia que era a hora. Então, pra passar o tempo, adivinha o que ele fez? Resolveu construir uma cápsula espacial! Todas as noites, antes de sua mãe o botar na cama, ia até a cozinha e pegava garfos, facas, conchas, escumadeiras, panelas, abridor de lata, uma hélice de liquidificador e etc. Ia pegando as poucos... Também uns pregos e parafusos, alicates, e outras ferramentas. E a cada noite, ia montando as peças, umas nas outras, até o dia raiar e o sono bater. Uma noite, ele percebeu que não precisava fazer mais nada, estava pronta a sua cápsula espacial. Então ele resolveu viajar pelo Universo. Cada noite um passeio diferente. Visitava estrelas, astros, planetas, os anéis de Saturno, cometas, conhecia extraterrestres de todas as esferas, e brincava com eles. Viajou tanto, tanto, tanto, que já conhecia cada ponto do Sistema Solar, já havia passado por toda a Via Láctea. Então resolveu partir para outras galáxias. E uma noite, decidiu dar uma volta espacial completa. Subiu, subiu, subiu, subiu, subiu... passou muito tempo viajando pelo espaço. E nada de se completar a tal da volta. Começou a pensar que talvez o Espaço Sideral não fosse redondo como a Terra. Resolveu voltar, mas, de repente, se viu perdido. Perdido no meio do espaço, no vago, sem nenhum ET ou uma estrela conhecida. Não tinha a quem pedir ajuda, uma informação, guarida. Pensou na sua mãe, na sua casa, no seu quarto, em seus brinquedos, em tudo o que havia ficado para trás. Sentiu uma angústia jamais sentida, um aperto no peito, um misto de saudade e desespero. E pôs-se a chorar. Chorou, chorou, chorou, chorou, chorou... chorou tanto, que a cápsula começou a inundar. Ele nem se deu conta que estava boiando na água, já que no espaço se bóia no ar. Chorou, chorou, chorou... e a cápsula cheia d’água começou a pesar, e com o peso das lágrimas, começou a descer... E desceu, desceu, desceu... e com a vista turva das lágrimas, o menino nem via passar as estrelas e os planetas e tudo o que conhecia, nem os ETs que lhe acenavam pelo caminho. Quando deu por si, estava a ponto de se afogar nas próprias lágrimas, que inundavam toda a cápsula. E quando abriu a porta, estava dentro de seu quarto. A água que escorreu varou pela casa e foi dar na sala, onde outro grande lago de lágrimas se encontrava. Eram as lágrimas de sua mãe, desesperada, que já havia ligado para a polícia, os bombeiros, todos os hospitais e lugares mais sombrios. O barulho do encontro das águas a despertou, e ela correu para o quarto do filho. Se abraçaram tanto, e tanto comemoraram, que a mãe nem deu pela presença de uma cápsula espacial formada por seus utensílios de cozinha no meio do quarto. Apenas disse ao filho, pode brincar onde quiser, meu menino, mas não saia mais sem um aviso. Achei que você tinha sido abduzido por ETs! Que bom que essas coisas não existem, suspirou aliviada. O menino reprimiu uma risada. Recebeu da mãe um beijo de boa noite. E naquela noite, dormiu como um bebê embalado no colo. Sonhou com uma menina que morava num arco-íris, e brincava com duendes de pular corda nas cores. E ele se divertiu tanto apostando corrida até o pote de ouro, que percebeu que o sono também pode ser uma viagem extraordinária! Não passou mais uma noite em claro. E você, meu Pequeno Príncipe, meu Menino Maluquinho, o que anda aprontando nas suas viagens?
Beijos,
Bia


ps. este texto integra o livro em processo "Oscar manda lembranças"...

5.9.09

iminência (primeira versão)

a possibilidade é mais que o fato
é o olfato, o tato,
o toque que arrepia
o gosto de quero mais
é o que fica no ar
que você quer apanhar...
o que está nas mãos está nas mãos.
não é desejo de pegar
desejo é impulso, é vontade,
sonho de ser realidade
o que move, motiva, o que pulsa
desejar e ter é muito bom - essa urgência...
mas melhor é morder o sanduíche pelos lados
e deixar por último o meio cheio de recheio!
ou comer primeiro a parte seca do biscoito recheado
ou guardar aquele último gole de coca-cola pra manhã do dia seguinte de ressaca - hummm...
a coisa deixa de ser a coisa em si e vira um objeto de desejo
como um beijo negado
[estamos sempre na iminência de algo]