31.7.06

Um frio

Um frio de gelar os ossos
de ranger os dentes
de moer a carne
estirar os músculos
triturar a alma
de encolher o corpo
recolher os cacos
se esconder sob a coberta
sob a casca
um frio de se trancar
de se quebrar
de se acuar
um frio que nada aquece
lã, fogo ou furor
um frio que não se esquece
de mim

Basta um sol se pôr
para sentir um frio assim

30.7.06

Curiosidade

Sexta resolvo passar o fim de semana em São Pedro da Serra. Ligo pra pousada em que fiquei da última vez - lotada. O dono me informa que está quase tudo lotado, por causa de um encontro internacional de "sufis". Heim?!?! É um modo de vida, diz vago. No caminho ia especulando que diabos era isso. Minha (des)memória auditiva me soprava "silfos". Bom, deve ter alguma coisa a ver com duendes e fadas, essas coisas. É bem a cara de São Pedro, isso. Ou então, quem sabe, aquelas pessoas que se reúnem para ver OVNI's em um determinado lugar, que crêem na existência de extra-terrestres, pensava ao ver o céu tão estrelado na estrada. Ainda inventei umas outras teorias idiotas pra passar o tempo. Lá chegando, pergunto pra dona de um bar. Ah, é tipo uma religião, mas eles não gostam de chamar de religião, se reúnem num sítio isolado e ficam lá num ambiente subterrâneo o dia inteiro. Umas 1.300 pessoas na cidade e a cidade vazia. E ninguém sabia dizer ao certo o que era. Comecei a imaginar um seita bizarra, com sacrifício de animais e quem sabe até de criancinhas... Enfim, não encontrei nenhum sufi por lá e voltei pra casa curiosa. É claro que eu procurei no google! E que decepção! Não é nada tão bizarro quanto eu imaginava... Parece até interessante: "Conhecido por muitos como o misticismo do Islã, o sufismo é uma filosofia de autoconhecimento e contato com o divino através de práticas meditativas, reclusão, danças, poesia e música. Os sufis acreditam que Deus é amoroso e o contato com ele pode ser alcançado pelos homens através de uma união mística, independente da religião praticada." Achei até um poema sufi, que é claro que eu resolvi reproduzir aqui:

Poema de Rumi:
"O que fazer se não me reconheço?
Não sou cristão, judeu ou muçulmano.
Se já não sou do Ocidente ou do Oriente,
Não sou das minas, da terra ou do céu.
Não sou feito de terra, água, ar ou fogo;
Não sou do Empíreo, do Ser ou da Essência.
Nem da China, da Índia ou Saxônia,
Da Bulgária, do Iraque ou Khorasan.
Não sou do paraíso ou deste mundo,
Não sou de Adão e Eva, nem do Hades.
O meu lugar é sempre o não-lugar,
Não sou do corpo, da alma, sou do Amado.
O mundo é apenas Um, venci o Dois.
Sigo a cantar e a buscar sempre o Um.
Primeiro e último, de dentro e fora,
Eu canto e reconheço aquele que É.
Ébrio de amor, não sei de céu e terra.
Não passo do mais puro libertino.
Se houver passado um dia em minha vida
Sem ti, eu desse dia me arrependo.
Se pudesse passar um só instante
Contigo, eu dançaria nos dois mundos
Shams de Tabriz, vou ébrio pelo mundo
E beijo com meus lábios da loucura".


Se existisse um deus, onisciente e onipresente, estou certa de que se chamaria Google.

28.7.06

Estou encantada com um novo projeto. Um novo trabalho. Uma produção sobre Arte e Loucura, em parceria com o Instituto Municipal Nise da Silveira. Fui lá hoje. Digo, ontem. Fui conhecer o espaço, o trabalho, buscar parceria. O evento será em novembro, numa galeria da UFF. Uma exposição de obras de arte do Museu de Imagens do Inconsciente. Mais debates. Mais atividades artísticas. Música, performances etc. Conheci pessoas fantásticas, estou lendo um excelente livro da Dra. Nise. Acho que o trabalho vai render. É outra coisa trabalhar quando se tem paixão pelo que faz. Nem parece que me pagam pra isso... Um trabalho pro qual hora extra é prazer. É assim que quero trabalhar todos os fins de semana e feriados da minha vida. Feliz. Empolgada. Instigada. Curiosa. A-PAI-XO-NA-DA. Louca pelo que faço. "Mais louco é quem me diz e não é feliz".

24.7.06

Arrumação parte 3 – A circulação energética

Caraca, eu era feliz e não sabia! Este ano é o ano da circulação energética. Explico. Quando você guarda muita coisa velha e inútil dentro de casa, a energia não circula, fica estagnada e te puxa pra trás. Aí, quando você faz uma mega arrumação, se desfaz de um monte de coisas, rearruma outras, muda tudo de lugar, você faz com que a energia circule e se renove. Energia pra mim não tem nada de sobrenatural ou metafísico, é material mesmo, a energia tá nas coisas, faz parte da matéria. Bom, depois dessa breve explicação sobre a circulação energética, vamos ao que me motivou a escrever. Este ano eu me formei na faculdade e resolvi arrumar minha papelada. Fiz duas grandes arrumações em que joguei pilhas enormes de papel no lixo e outras menores que venho fazendo no dia-a-dia pra manter o pique. Pois bem, nesse clima de arrumação que se instaurou aqui em casa, consegui contagiar a minha mãe. Minha casa até que é grande, mas é tão entulhada de coisas que não tem espaço pra guardar nada. Aí, consegui convencê-la de que precisávamos liberar um armário que estava abarrotado de coisas velhas pra guardar roupas. Digo que eu era feliz e não sabia porque a minha arrumação é pinto perto da dela. Afinal, eu guardava coisas de no máximo 15 anos atrás. Ela anda acumulando coisas dentro desta casa há no mínimo 25, quando veio morar aqui, sendo que trouxe com ela outras tantas de sei lá quando. Creiam, ela guardava roupinhas de quando eu e minha irmã éramos bebês!!! E ainda dizia que guardava para os netos, sendo que eu, particularmente, nunca pretendi dar-lhe netos, e mesmo que desse, compraria um enxoval novo ou receberia doações de roupas de filhos de amigos, coisas mais recentes, sem amarelado e cheiro de mofo, sem contar a energia estagnada, deus me livre! O fato é que, 25 anos depois, finalmente consegui fazer com que ela se desfizesse daquelas roupas de bebê! Nem acredito. No meio da papelada achamos coisas do arco da velha. Tinha até um recibo da compra do caixão da minha avó, que morreu quando eu tinha 3 anos. Coisa fúnebre! Vai fazer o que com isso?! Exumar o corpo pra ver se o caixão tá com defeito, reclamar a troca?!?! Ela guardava um monte de documentos da minha avó. Pra que, meu deus?! A velha já morreu há tanto tempo, deixa ela descansar em paz! Ela guardava Atlas geográfico de 1900 e antigamente. O mundo mudou. O mundo gira! Deixa a energia circular!!! O pior é que eu ainda tenho que ficar negociando com ela, pra convencê-la a jogar mais coisa fora. Se deixar, ela ainda guarda um monte de lixo. Queria guardar um certificado da minha primeira comunhão – “Ah, porque se você quiser casar na igreja, vai precisar”. Será que ela ainda não percebeu?! Só mesmo nessas horas eu clamo por Deus! Senhoooooorrrrr! Eu jamais casaria na igreja! Nem tenho religião. Só fiz primeira comunhão porque o colégio era católico e foi uma das raras vezes em que pisei na igreja. Se achar a minha certidão de batismo, jogo fora também. Se existisse, tenho certeza de que Deus me apoiaria nesse meu desapego às coisas materiais. Já até sinto minha alma se elevar... Acho que é a circulação energética.

Obs.: Com este texto, encerro a trilogia.

20.7.06

Próximas atrações

Nesta sexta tem Filé de Peixe:


E terça que vem é dia de CEP 20.000:


ESPAÇO CULTURAL SÉRGIO PORTO

TERÇA , 25 DE JULHO, 19:30
3 reais até 19:30 (depois 10 / 5 meia)


19:30 – palco aberto / é só chegar
20:00 – nil / mário mamede / marilene v / poesia
20:15 – léo poeta / voz e violão
20:25 – ratos di versos / poesia
20:40 – paulo martins / teatro do som
21:00 – fuzzcas / rock
21:20 – filhos da judith / rock
21:50 – pattystrela / conto
22:00 – biolchini / experiência
22:15 – chacal / poesia

19.7.06

todos os celulares
dão caixa postal
minhas conexões de rede
todas caíram
apelo pro telefone
je t’appelle
et tu n’es pas lá
tupi que sou
dou sinal de fumaça
tu tá ou num tá, tatu?!
você nem tchuco

por fim, já a ponto de desistir
lanço um pergaminho ao mar
após secar uma garrafa de pinga
só pra guardar um recado seco pra você

por um fio

um simples fio puxado
numa leve distração
e tzzzzzzzzzzzzzzzzzz
um rasgo rápido
percorre
a meia-calça inteira

o fio puxado me corre por dentro.

17.7.06

Publico abaixo a transcrição da fala do Silvio Tendler no debate sobre o filme "Memória e História em Utopia e Barbárie", dia 29/06 na UFF:


(Silvio Tendler à esquerda + equipe da UFF e da Caliban;
não sei por que eu tô meio torta - ???)

Silvio Tendler - "É sempre bom discutir esse tipo de filme com mais jovens que não viveram essa época, que não tiveram essa vivência, até pra perceber até que ponto esse filme comunicou, que interesses ele gera para uma outra geração que não viveu esses problemas, que tem conhecimento, mas não viveu intimamente. Começando a falar da importância dele pra mim, eu fico imprensado nesse filme entre duas paixões, que é o cinema e que é a história. Eu sempre que quis fazer cinema. Eu comecei, como todo garoto de 15, 16 anos, nos anos 60, 65, 66, impressionado pelo cinema que o Godard fazia, que o Glauber fazia. E o sonho de todo mundo era fazer ficção. Éramos muito influenciados pela Nouvelle Vague, pelo Cinema Novo. Um dia, pegando um panfleto da Cinemateca do MAM, eu descobri um texto sobre o cineasta holandês Joris Ivens que contava a história dele. Ele fazia sempre um cinema político, ele fazia um cinema documentário fazendo duas coisas muito loucas pra mim naquele momento que era documentário e era político. E eu percebi naquele panfleto que era exatamente aquilo o que eu queria fazer. Nós já estávamos no ano de 1968, que foi aquele ano muito louco que mudou a história completamente da minha geração. E eu peguei aquele panfleto e disse: - “mas esse cara faz o cinema que eu queria fazer”. Eu queria fazer cinema e queria de alguma maneira interferir na vida, interferir na política, - por que não modestamente dizer? - interferir no destino da humanidade. E era o que o Joris Ivens fazia. Ele filmou, durante os anos 30, a Guerra Civil Espanhola. E ele fazia esse filme com um sentido militante. Ele foi pra Espanha com o Orson Welles filmar a Guerra Civil Espanhola. Passou esse filme nos Estados Unidos, pra ajudar a formar uma consciência da importância da luta democrática na Espanha. Com o dinheiro do filme, eles conseguiram comprar ambulâncias e mandaram pra Espanha republicana. Esse filme animou as brigadas internacionais, os Estados Unidos mandaram... os jovens americanos foram combater na Espanha pela Espanha republicana, nas brigadas Abraão Lincoln. Esse filme passou na Casa Branca e o Roosevelt falou: - “pô, mas é todo um povo que se bate e nós precisamos apoiar”. Então, eu percebi que havia um tipo de cinema político que era importante ser produzido para ajudar a interferir no curso da política. E era um cinema que tinha uma importância muito grande, porque não era um cinema produzido pelo Estado, pelos Governos. A gente já conhecia também algum tipo de cinema militante, mas produzido seja pelo regime socialista da União Soviética - que produziu os filmes do Eisenstein, que fazia aqueles filmes maravilhosos, mas eram filmes de produção estatal -, ou os filmes dos outros regimes totalitários - o cinema nazista, o cinema fascista -, que sempre utilizaram o cinema como uma arma de propaganda. O Joris Ivens é um cara que sempre fez um cinema militante no ocidente. Então, eu percebi que aquilo ali seria importante como um exemplo a seguir. E eu botei na minha cabeça, com dezoito anos de idade, que era aquele tipo de cinema que eu queria fazer. Em 1969, eu tive um problema político aqui no Brasil. Em 1970, eu fui morar no Chile. Morei até 72. E já na cabeça querendo fazer cinema documentário e cinema político. Quando eu cheguei na França - eu fui morar na França em 72 -, a primeira coisa que eu quis foi conhecer o Joris Ivens e consegui. Eu era um garoto de 22 anos e ele já era um senhor de 74. Ele era nascido em 1898, dois anos antes do século. E ele, com 74 anos, teve toda a paciência de receber um garoto de 22 anos, que chegava cheio de sonhos, idéias e também pretensões (a gente sabia tudo naquela época, a gente ia mudar o mundo mesmo). E o Joris Ivens me recebeu com o maior carinho, praticamente me adotou. Eu fiz a minha licença de história – porque eu não sou formado em cinema, eu sou formado em história -, fiz minha licença de história, depois eu fiz uma pós-graduação de cinema e história, e como tese de dissertação eu peguei a relação entre cinema e história vista através da obra do Joris Ivens. E ele me abriu todo o arquivo dele, acervo, fotografias, cartas. Então, eu tive um vasto material pra pesquisar e pra me municiar pro cinema que eu queria fazer. E eu voltei pro Brasil com essa perspectiva. Então, eu vim fazendo, ao longo desses anos, filmes políticos, filmes históricos, eu não consigo diferenciar muito. Ao trabalhar com a história contemporânea, eu não consigo tentar ter uma isenção científica. Pra mim, cinema é paixão, vida é paixão. Então, os filmes que eu faço são filmes apaixonados por coisas que eu acredito. Aí eu fiz o “JK”, fiz o “Jango”, vim fazendo filmes políticos esses anos todos. Depois fiz o “Castro Alves”, fiz o “Marighela”, estou terminando um filme agora sobre o geógrafo Milton Santos. E um grande nó na minha vida era essa questão de eu não me expor muito nos meus filmes, não colocar as minhas paixões pra fora, quer dizer, eu fazia o cinema como se o cinema pudesse ser uma coisa objetiva, e cada dia eu descubro mais que ele é subjetivo. E esse filme que vocês assistiram hoje na verdade é um rascunho de um grande filme que eu comecei a fazer em 91, 92, quer dizer, já se vão aí quatorze anos, que é um filme chamado “Utopia e Barbárie”, que na verdade é a história da minha geração, que é ter dezoito anos em 1968. O nó desse filme é isso, é pegar a história da minha geração. É um filme que vai do final da Segunda Guerra Mundial até a queda das torres gêmeas em Manhattan, em 2001. Pra mim, o século muda ali, acaba o século, acaba com a queda das torres gêmeas. Então, eu estou trabalhando esse filme já há quatorze anos, e esse filme aí, “Memória e História em Utopia e Barbárie”, é um rascunho dessa trajetória. Eu coloquei nessa versão pública de 50 minutos todas as minhas angústias, todas as minhas preocupações, todos os temas que eu quero abordar mais profundamente no longa-metragem. Mas eu queria de alguma maneira digerir esses temas e colocar eles na tela pra começar a discutir essas questões. Então, na verdade, ele revela essas grandes paixões que me motivam. Eu abro discutindo a questão da memória, a questão da história, e vou colocando, desenvolvendo ao longo do filme os fragmentos dessa memória que me motivaram, as lutas políticas, a ação cultural. Eu também me coloquei muito como... na minha vida, nessa vida de militância, essa coisa ambivalente que tinha o jovem em 68, quer dizer, as opções que a gente tinha era ou a luta armada ou nada. Quer dizer, a minha geração não acreditava muito na ação política, a minha geração acreditava que o único caminho possível de resistência à ditadura militar era a luta armada, e a luta armada, pra mim, significava, de uma certa maneira, ou a prisão ou a morte. Eu também não via muito a possibilidade da gente ganhar aquela parada aqui no Brasil. E eu me colocava muito essa questão: viver ou narrar? Quer dizer, eu me dizia que o intelectual não existe sem a ação revolucionária, agora a ação revolucionária também não existirá sem a memória. Então, que um necessita do outro. E eu, pela minha própria - de repente, até, a palavra é forte, mas, talvez, verdadeira - covardia, de ter a coragem de assumir o caminho da luta armada, eu me coloquei sempre com a vontade de fazer um cinema político que narrasse essa história, e é o que eu tento vir fazendo esse tempo todo. E esse filme, então, coloca esses dilemas. Eu coloquei justamente nesse filme todas essas questões. Eu coloco o velho e querido Apolônio de Carvalho, que é um exemplo, foi um exemplo pra nós todos e é um exemplo até hoje. Coloco o Ferreira Gullar, que é um enorme poeta que naquela época teve a lucidez de dizer: - “não é por aí; a luta armada não vai levar a nada; vamos fazer outro tipo de resistência; de arma na mão eles são mais fortes que nós”. E ele não falou isso no filme, ele falou isso na história, quer dizer, o filme apenas relata o sentimento do Ferreira Gullar. Coloquei o Apolônio. Coloquei o Faial, que era um jovem da minha geração, que era um ou dois anos mais jovem que eu, e que foi pra luta armada, foi companheiro do Marighella, foi banido do país. E fui cruzando isso com todos os outros tipos de ação que nasceram nesse momento, quer dizer, movimento Black Panthers, nos Estados Unidos, movimento feminista, cultura no Brasil, Boal, Zé Celso, e fui trabalhando todas as questões, todos os movimentos de vanguarda naquela época. E esse filme, pra concluir, é um grande rascunho desse filme maior que vai ser o “Utopia e Barbárie”, por isso esse aí se chama “Memória e História em Utopia e Barbárie”, porque eu relaciono os dois filmes lentamente."
Segue abaixo um texto do Chacal publicado em www.cep.zip.net sobre o filme "Memória e História em Utopia e Barbárie", do Silvio Tendler, exibido na mostra "Utopia - Trilogia Silvio Tendler", que estou produzindo na UFF. Nesta quinta tem exibição de "Os anos JK" e dia 26/07 "Jango" completa a trilogia, no Auditório Macumaíma (Campus do Gragoatá, Bloco B, Sala 405), às 16h30 e às 18h30, com debate após a segunda sessão.

Esses dias atravessei a baía de guanabara na velha barca da cantareira. me lembro de ainda fazer a travessia, vendo golfinhos pulando na esteira da barca, lá pelos idos dos anos 50. as barcas pouco mudaram. Mas a baía, bem... virou cloaca, miasma. os golfinhos ficaram só na brasão do estado do rio de janeiro. azar dos humanos.
Fui assistir ao primeiro filme da Mostra Sílvio Tendler, organizado pelo Proac na UFF, a convite da minha querida Beatriz Tavares. O filme, ainda inédito, chama-se “Utopia e Barbárie” e apresenta vários movimentos que a partir do Pós Guerra, mudaram a cara do mundo. Das Guerras do Vietnã aos Panteras Negras, da luta armada no Brasil, no Chile e na Argentina (tem um depoimento espetacular de uma mãe da Praça de Maio) ao Movimento Feminista. O filme é muito bem documentado com depoimentos do General Giap, grande guerreiro vietcong a Daniel Cohn-Bendit, de Wladimir Palmeira a Zé Celso Martinez Correia. É um excelente retrato da turbulenta metade final do século passado. Faltou apenas, a meu ver, focar com mais vigor, o Movimento de Contracultura, com o rock, a psicodelia, a revolução sexual. Sem dúvida esse movimento deixou marcas profundas na cara da humanidade e ajudou em muito a terminar com a guerra no Vietnã. Mas essa praia não é a do Sílvio, que estudava na Sorbonne em 1968 e não desenvolveu o que disse Zé Celso sobre a revolução do “aqui agora” que troca a luta pelo poder pelo prazer de estar vivo.
Enfim, valeu a viagem. Era dia 29 de junho, dia de São Pedro.
Na saída, a praça de São Domingos fervilhava. Beatriz me levou até a barca.
Fomos comendo pipoca e exercendo o tal prazer.
A Mostra Sílvio Tendler continua. Quem quiser saber das nossas memórias contemporâneas é só se atirar.

(Chacal comenta o filme no debate com Silvio Tendler e provoca questões; eu percebo a presença do fotógrafo e me encolho em vão)

Há uma veia literária na minha família


Esta semana finalmente recebi exemplares do livro do meu avô. Ele era militar, coisa da qual não me orgulho. Acho que ele também não deve ter se orgulhado de mim ao saber que eu era comunista. Não sei. Nunca fomos próximos. Sei que quando editei o primeiro jornal do Diretório Acadêmico, há uns sete anos, dei um exemplar pros meus tios que eram petistas e soube depois que eles mostraram pro meu avô, que comentou qualquer coisa sobre eu ter idéias "subversivas", mas "deve ser coisa da idade, com o tempo passa". Não passou. Ainda bem que não éramos próximos. Não iríamos nos entender. Não derramei uma única lágrima no seu enterro. Nem sinto sua falta. A única coisa que carrego dele é o sobrenome (e eu ainda preferia o italiano da minha avó: Provasi). Mas aí, depois que ele morreu, meu tio editou um diário dele, da sua participação na 2ª Guerra Mundial. Finalmente, senti orgulho do meu avô, porque, afinal, ele escrevia bem, e mesmo com todo o seu conservadorismo, tinha umas considerações críticas às conseqüências da guerra. Estou lendo ainda, mas já recomendo. Dá pra acessar on line em http://diogotavares.sites.uol.com.br/indice.htm . Segue uma passagem do livro:

Nápoles,
2ª quinzena de julho de 1944

A cidade de Nápoles é uma cidade muito antiga, com ruas estreitas e prédios de no máximo sete andares, muito velhos. As ruas são sujas e a população mesmo é suja e mal vestida. Tudo isso deve ser conseqüência da guerra.
Por todo lugar se nota os vestígios da guerra, com casas completamente destruídas por bombas. Pelas ruas, as crianças andam pedindo cigarros e liras. As mulheres se vendem com grande facilidade. As crianças andam nas ruas oferecendo senhorinas para os soldados. A moral do povo italiano está muito baixa. Os maridos nos levam às suas casas para possuir suas mulheres, os guris para possuir suas irmãs, com o consentimento dos pais. O que há muito aqui é vinho e putas. Os vinhos são muito bons.
Fui à Catedral de San Genaro, que é muito linda, toda de mármore, com muitas obras de arte, inclusive um busto esculpido por Michelangelo.

Em Pompéia há muitas obras de arte. As ruínas são uma maravilha. Fui aos lugares onde há quadros muito interessantes de várias posições de trepar. Lá há os célebres voadores que se acham desenhados por toda parte.

Italo Diogo Tavares

15.7.06

E o contorno do céu

Da janela do meu apartamento, eu vejo prédios claros e o contorno do céu.
Sei que detrás deles, se ergue o pão de açúcar lá do outro lado da baía.
Sei que dentro deles, vive gente.
Sei que em algum canto de algum quarto de algum apartamento de algum prédio, uma mulher se espreme e chora, e chora espremida no canto porque não vê lugar que a caiba no mundo.
Noutro canto, uma senhora se acomoda, pensa em Deus e na família, dá graças pelo pão de cada dia e vai preparar o almoço para o senhor seu marido.
Em outro apê, uma jovem faz sexo com um cara que jamais verá e não se incomoda, e goza.
Numa sala qualquer, uma criança cresce com os olhos vidrados na TV.
Em algum lugar, alguém lê.
Em algum último andar, o prédio vem abaixo numa briga irreversível.
Noutro piso, alguém comenta sobre a violência, que “tá demais”.
Alguém também se violenta num emprego que não lhe satisfaz.
Alguém diz que é feliz com olhos de mágoa.
Alguém pensa em revolução jogado no sofá da sala.
Alguém dá de comer aos pombos.
Alguém se serve aos urubus.
Alguém morre de um ataque fulminante.
Alguém morre um pouquinho a cada dia.
Alguém simplesmente escreve sobre o que vê.

E tudo o que vejo claro são prédios e o contorno do céu.

11.7.06

Meu superlativo

Para Ricardo de Carvalho Duarte

Meu anjo caído, meu anjo, anjinho,
asa quebrada, vôo torto,
você me entorta, transtorna,
me torna tua, toda tua,
presa apanhada em vôo rasante,
que anseia ser devorada,
presa rasgada em tua garra afiada,
desbaratada,
você me rodeia, me enleia, me enlaça,
você me entontece
tecendo tua teia pra me segurar,
me pesca na rede do fundo do teu olhar,
eu peixe perdido no mar dos teus olhos,
eu peixe pulando num barco em teus braços,
eu embarco na tua onda sem saber surfar,
caixote, você me atordoa,
você me espreita, prepara o bote,
você me ronda, meu gato a ronronar,
você, meu gato, me atiça,
você se espreguiça dentro de mim,
se afia em meu corpo, tuas garras de louco,
gato, gatinho,
você me agarra
quando troca as garras pelos dentes,
eu ando por aí, felina infeliz, a trocar as pernas,
tonta, tonta, embriagada de tua boca,
logo eu, gatinha escaldada,
basta um sorriso teu
e você tem minhas sete vidas
e todas as minhas encarnações a teu lado,
meu anjo fera,
meu gato alado.
RICARDO

9.7.06

Luz, câmera, ação e reação

Vou até o fim. Mas tenho a leve sensação de que cinema não é a minha praia. Adoro cinema, mas putaqueopariu!, como realizar um filme é cansativo e estressante!!! E enquanto vc faz, vc não vê o resultado. Essa descontinuidade da produção cinematográfica não me é tão instigante quanto, por exemplo, uma peça de teatro, que transcorre ininterruptamente com o público já ali, a realização e o resultado são simultâneos, vc faz e já tem a reação do público, no final os aplausos, o êxtase! Não quero entrar no mérito da arte melhor ou pior, pra mim não é o meio artístico que faz a qualidade e eu adoro todas as artes, inclusive música e artes plásticas, coisas para as quais eu não levo o menor jeito e nem me arrisco a praticar. A questão aqui é subjetiva, é o que me instiga mais a fazer. Adorei escrever o roteiro e acho que agora, entrando no processo de montagem, eu também vou curtir mais o meu filme, porque vou ver ele se reconstruindo a partir dos fragmentos filmados, mas as filmagens me são mais desgastantes do que instigantes. Chega uma hora que eu mando as minhas opções estéticas pras cucuias e digo que tá tudo ótimo porque já estou louca para terminar! Ontem eu tava tão cansada, que quase esqueci de filmar um plano. Quem me lembrou foi o ator. Foi um dia inteiro de filmagem pra uma cena que no filme deve durar, sei lá, coisa de um minuto. E é uma cena simples, locação única, sem som direto, dois atores e três crianças. Ai, meu deus, porque inventei aquela foto com as crianças?!! Sempre ouvi dizer o quanto era difícil trabalhar com crianças e animais, mas achei que só uma foto, sem diálogos nem ação, fosse mais fácil. Doce ilusão! Tivemos que pagar cachê: dois bombons para cada! Os únicos trabalhadores da equipe que ganharam cachê! Fico imaginando um longa de ficção, com som direto, tomadas externas, muitos atores e figurantes, crianças e animais, acho que eu ia surtar!!! Mas agora falta pouco, só duas fotos com os atores, gravação do material de arquivo e enfim, montagem! Vou me reanimar. E quando o filme estiver pronto, vou acompanhar todas as exibições pra sentir o público. E se o público vibrar, vou vibrar ainda mais! Aí, ano que vem, eu puxo da gaveta um roteiro meu de ficção que eu adoro e filmo! Ele tem várias locações, figurantes, umas tomadas externas, uma de perseguição de carros; mas esse, pelo menos, não tem crianças!...

Obs.: O filme que estou realizando é um documentário sobre o CEP 20.000, cujo roteiro conta com uma cena de ficção, que é a cena a qual estou me referindo. Filmar documentário acho mais fácil que ficção.

5.7.06

Arrumação - a saga continua

Já escrevi sobre isso, mas é que parece que não termina! Sabe quando vc puxa um fiozinho e o negócio vai desfiando, desfiando, desfiando e não tem fim...?! Quando vc vê, já tá todo enrolado naquela fiarada e não consegue mais se livrar, o negócio dá uns nós impossíveis de desatar e vc fica lá, perdido, sem saber o que fazer. Pois é, eu tô assim. À minha volta, só tem papel. Uns devidamente ensacados com destino para o lixo. Outros espalhados sobre a mesa esperando uma definição. Uns já separados dentro de suas respectivas pastas aguardando um lugar no armário da estante. Aí, o que já tava entulhado lá dentro eu vou botando pra fora, pra avaliar se vai pro inferno, céu ou purgatório e me arruma um espacinho a mais pra botar pra dentro o que já foi destinado a descansar em paz no fundo do armário. Quando eu vejo, tá tudo espalhado pela casa e eu não sei mais o que fazer com tanto papel!... Dá vontade de tacar fogo logo em tudo e acabar de vez com essa agonia! Mas não posso. Tem muito documento. Tem muito texto acadêmico. Muita comprovação curricular. E muito papel de valor afetivo, como aquele primeiro fanzine que eu lancei na faculdade, o cartaz da primeira peça de teatro que encenei, o texto da peça que apresentei no festival de teatro do colégio, e um monte de outras coisas. Eu me apego muito a coisas sem utilidade. E me apego muito a papel. Eu devia ter nascido traça, pra viver feliz no meio de tanto papel! Mas nasci gente e preciso me organizar no meio da papelada, em vez de comê-la pelas beiradas. Mas nasci gente, e no meio do caos, respiro fundo, acendo um cigarro e escrevo tranqüilamente. E agradeço de coração ao ser que inventou o computador, caso contrário estaria eu, no meio de tantos papéis, fazendo o papelão de produzir mais um para dificultar ainda mais a minha arrumação. Isto posto, volto meu posto de arrumadeira, deixando aos jovens leitores algumas dicas para uma vida mais saudável ao completar um quarto de século: não anotem todas as matérias das aulas, todas as receitas de bolos e outras guloseimas, todas as falas de reuniões e debates, todas as citações interessantes, não escrevam rascunhos de cartas, trabalhos, poemas, não escrevam bilhetinhos e os recebidos, rasguem logo em seguida, não façam de papeizinhos as agendas de cada dia, deixem as listas de compras no caixa do supermercado, não façam listas, não façam listas de coisas a fazer, de coisas a comprar, de pessoas a convidar, de dietas a serem seguidas, de promessas a serem cumpridas, de livros a serem lidos, de filmes a serem vistos, ... , não façam isso!, não guardem nada, absolutamente nada dessas coisas na estante, porque elas vão se acumulando e se multiplicando e se confundindo com coisas mais relevantes e na hora de arrumar, meu filho, você vai envelhecer dez anos em duas horas e vai deixar pra terminar amanhã... meses depois você retoma e as coisas se complicam. Vc nunca joga tudo fora e o que vc não jogou hoje vc vai jogar amanhã mas aí já veio outro em seu lugar, que nem aquela história da mosca na sopa, saca?! E tudo isso só porque eu queria arrumar um lugarzinho na estante pra umas três pastas gordas, esses três tigres tristes vagando pela mesa... Quer saber, cansei! Vou deixar pra terminar amanhã.

3.7.06

Palavril

Numa noite qualquer, abro o e-mail e tem lá uma mensagem de um cara, um tal de Alex Topini, com quem havia trocado fanzines no Circo Voador em outubro do ano passado, durante a Mostra Livre de Artes. O cara falava de uma revista virtual que estava querendo fazer, juntar os trabalhos de jovens poetas, prosadores, fotógrafos etc. que andavam circulando pelo Rio de Janeiro. Agregar. Agregar era a palavra que soava forte. Pouco tempo antes eu já vinha conversando sobre isso com os meninos do verbologue, Daniel e Dudu, e até chegamos a publicar na seção de cultura do site Fazendo Media, já pensando na criação de uma seção de poesia lá. Aí vem o Alex e me fisga com a proposta da Palavril. Aí vem o Alex com seu jeito empolgado e empolga uma galera. Aí vem o Alex e vai ao ar o primeiro número da Palavril em março. Uma variedade enorme de textos, de autores, de estilos. A Palavril vai ao ar e consegue se manter mensal, cada vez mais ampliando a sua rede de autores e leitores. Agora saiu a quarta edição. Tá lá em www.palavril.blogspot.com . E eu tenho muito orgulho de estar lá desde a primeira e de nesse meio tempo ter me aproximado do Alex, que é uma pessoa da maior qualidade, poeta, editor da Palavril, produtor do Filé de Peixe e de tantas outras coisas que quiser inventar!... Ele sabe que pode contar comigo pra Palavril, pro Filé e pro que der e vier!...