7.3.09

A DOR QUE DÓI MAIS, de Martha Medeiros

Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Dóem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.

Oscar manda lembranças

A série "cartas" foi toda apagada do blogue, porque está em fase de revisão para inscrição no Edital da Petrobrás. Quando o livro for publicado, seu conteúdo na íntegra será disponibilizado na internet. Aguardem... E torçam por mim!

6.3.09

Eu Não Existo Sem Você (Vinícius de Moraes)

Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor, não tenha medo de sofrer
Pois todos os caminhos me encaminham pra você
Assim como o oceano só é belo com o luar
Assim como a canção só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem só acontece se chover
Assim como o poeta só é grande se sofrer
Assim como viver sem ter amor não é viver
Não há você sem mim, eu não existo sem você

2.3.09

como burocratizar um poema?

preencha os campos obrigatórios
descreva os objetivos
aponte os resultados concretos a serem obtidos
informe o quê pretende realizar de maneira clara e sucinta
descreva as atividades previstas
informe o público alvo
faça planos de distribuição e divulgação
orçamentos
cronogramas
não deixe nada em branco
preencha cada campo
de maneira clara e direta
com a quantia de caracteres certa
enquadre, burocratize bem o poema!
depois vá dormir se perguntando: 40 mil vale a pena?
ah, se com um poema eu conquistasse 40 mil almas...!
isso, sim, valeria!
por que não nos pagam pra fazer poesia?
essa coisa sem objetivo, sem resultado concreto, sem público alvo, sem alvará...
essa coisa que não se diz o quê de maneira clara e sucinta
essa coisa, deus meu, que não se enquadra!
que espera apenas que alguém a sinta...
e depois se perde de vista.
que escorrega, desliza, rodopia e vaza...
essa coisa poema não dá,
eu aperto aqui ali acolá,
e não cabe.
eu quero enquadrar, algemar, prender.
eu quero dinheiro – e quem não quer?
mas ela dá um jeito de fugir.
essa coisa poesia me escapa
numa palavra que ela esbarra, empaca:
burocracia.
e lá se foi a poesia...