20.4.12

aquelas lágrimas...
elas têm corrido muito e já faz tempo
já estão com os pés inchados, dores musculares...
aquelas lágrimas cansadas
vão tirar uma soneca
é essa canção de ninar lágrimas
que você canta em meus ouvidos
é esse toque de acordar sorrisos
e agora esse sorriso se espreguiçando na minha cara...
um certo suspiro me suspendendo um degrauzinho acima do chão,
um certo sim fazendo fim do não.
você vai cantar mais uma vez pra mim?
não vou mais interromper o som...
já estou cansada daquela bossa fossa,
nem mais topo bate-estaca na pista.
mas esse nosso rock, baby!
esse rock dá samba.

17.4.12

não dá pra contabilizar
perdas e ganhos
nunca se fecha um coração pra balanço – é inútil.
mas às vezes ele manda todo mundo embora
fecha as portas, as janelas,
fecha mesmo as cortinas pra ninguém olhar
liga o som no volume máximo
e se põe a dançar...
e dança de um modo louco
sem coordenar os passos
e dança como nunca
e dança para sempre
não importa o tempo que isso durar
e ele canta, e ele grita a música
e ele solta em um refrão
todos os nós da garganta
não se preocupe com o meu coração
- essa criança agitada bagunçando o meu peito -,
ele nunca vai parar:
meu coração está fechado
para
balançar...

10.4.12

NÃO AO AMOR – POEMA PARA O VENTILADOR

finalmente parei de falar de amor
- de tornar as coisas ridículas.
agora só falo do que realmente importa,
das coisas como elas são,
concretamente,
assim, sem emoção.
e de repente me pego olhando ternamente para um cinzeiro...
e de repente me vejo abraçando afetuosamente um copo d’água bem gelada...
meu deus, como eu amo as coisas!
não posso fugir disso.
sou capaz de escrever um poema de amor todo dedicado ao ventilador!
o modo como ele gira me dizendo não, não e não!
e delicadamente me assopra o ar no rosto, como uma carícia...
o modo como faz festa em meus cabelos...
o modo como me refresca, mesmo em sua obstinação pelo não.
ele não sabe o que diz – o ventilador.
essa coisa,
em sua dureza,
em toda a sua falta de sentimentos,
em sua aparente negação,
essa coisa me tem amor.
e não se engane, falo mesmo do ventilador;
não há metáforas nisso.
sei que pode parecer estranho,
mas na verdade é bem simples
como se constrói essa relação de amor
entre uma mulher e um ventilador:
toda coisa me tem o amor que eu lhe dou.
como
falar das coisas
sem falar de
amor?

zig-zag

o ziguezaguear de um bêbado
pode ser um desvio;
embaçar a visão,
um pequeno alívio.
nada vai mudar
- no fundo e na superfície -
com algumas doses
daquele bom e velho uísque.
as coisas ainda estão lá -
intocáveis.
é a gente que vai ficando meio mexido...

5.4.12

CONVERSA COM MAIAKÓVSKI

"Nos demais – eu sei,
qualquer um o sabe –
o coração tem domicílio
no peito.
Comigo
a anatomia ficou louca.
Sou todo coração –
em todas as partes palpita.”
Maiakóvski

Ninguém aguenta tanto coração!
Não o aguento eu -
me palpitar no corpo inteiro.
Nenhum olhar suporta
por muito tempo
tanto vermelho.
E há ainda os que crêem
que de tão grande,
por ocupar todo o espaço,
não deverá me fazer falta
me arrancarem uns pedaços.

Desejo sempre
intensamente
e palpitante ainda:
menos cuore
e mais cores.

4.4.12

DÚVIDAS FREQÜENTES

Quantas lembranças há no gesto do esquecimento?
Cegar os olhos de certas visões apaga as cores?
Ainda há luzes quando se apaga a luz?
E para onde fogem os sonhos quando a gente acorda?
E o que ocorre às coisas do cofre ao se jogar a chave fora?
Para onde vai o riso do palhaço quando ele tira a maquiagem?
E o meu riso, para onde vai quando vai embora?
As covinhas são abismos onde ele mergulha e se esconde,
e quando elas abrem as portas é que ele salta pra fora?
E por que não há um poço no rosto pro esconderijo das lágrimas?
Por que não escorrem pra cima e mergulham nos olhos?
Eu matei um deus quando deixei de crer,
ou já era um morto sem eu o saber?
Pode morrer o que nunca viveu?
E se viveu e não disse, como eu o saberia?
Qual é a cor da morte, luz ou noite?
O silêncio é a morte do som?
O que alguém chama quando chama meu nome?
E se eu não responder ao que se chamou, foi um “eu” que não escutou?
ou um outro que não estava aqui?
E se eu não soubesse o que responder, o silêncio mataria meu nome?
Perguntar serve pra que, viver ou não dizer?

3.4.12

o que não se pode dizer com palavras
a gente dança....
e eu sinto um vermelho de cócegas
porque o que é a poesia senão uma dança de palavras?
sim, as palavras dançam quando não dizem nada!
a gente é que teima em dizer.
como teima em tornar o corpo útil – pra quê?
palavra e corpo são pra dançar...
pássaros não dançam
pássaros batem asas
é a gente que reinventa o pássaro e põe nele garras,
e põe nele dentes e põe nele jaulas
e faz ele destroçar o espaço
e assim se dança um pássaro!
água de chutar, cadeira de passar por baixo, essas coisas...
criança é que sabe dançar antes que lhe digam:
- “não pode”, “pára com isso”, “sossega, menino, cadeira é pra sentar!”
criança cresce desaprendendo a dançar
o corpo, pouco a pouco, sossega e pára, sossega e senta.
e aí vêm essas asinhas de beija-flor me fazer cócegas no estômago
cócegas em todas as partes, de todas as cores,
nesse desespero de risos com dores
aí vêm esses desassossegos
aí meu adulto não dorme
e a minha criança não pára e não senta
aí brinco de me vestir de palavras
aí danço um poema.