15.12.11

SÓ UM JEITO DE ME ENTREGAR

vontade de te mostrar todos os meus truques
como pintar as unhas num trem em movimento
deixando um cheiro de acetona no ar
quando você sentir cheiro de acetona por aí
você vai se lembrar de mim
dos meus esmaltes vermelhos e dos meus beijos
eu tenho muitos truques
eu trouxe aquele teu perfume pra ficar com teu cheiro...
e quando eu finjo que não tô ligando, você sabe...
é só um jeito de ter medo
você vai saber dos meus segredos
a gente já bebeu do mesmo copo
você vai saber que quando eu caio, sou eu que me jogo...
é só meu jeito torto muito torto de te pedir colo
bom, talvez eu guarde algum segredo no fundo do cofre
só um jeito de te ter sempre aqui
tentando abrir algum cadeado
testando todas as combinações
espiando fechaduras
buscando as entrelinhas
não, você não vai saber de tudo
basta saber da minha vontade de entregar meus truques
de algumas vontades...
e da minha saudade traduzida no cheiro do teu perfume. 

5.12.11

há um momento em que você não vai estar lá, e eu sempre vou pular




Às vezes a gente fica tão feliz de ter alguém que nos carregue embora pra casa, que a gente esquece que não é sempre assim. Na maioria das vezes a gente tá sozinha. E quando aquela lágrima velha de guerra vier escorrer na nossa cara, ele já vai estar roncando ali do lado. Ele vai me acordar com um abraço e um café e eu vou continuar calada. Eu continuo querendo que os caras descubram as coisas que eu não gosto de dizer. Eu não sei dizer. Eles continuam me achando louca. Eu disse duas coisas diferentes numa mesma curta frase, o que eu queria que parecesse e o que era. Disse quase distraída enquanto comia ovos mexidos. Ele riu, porque no meio da minha loucura eu consegui ser sincera. Eu forço um sorriso, dou um beijinho seco e digo que tá tudo bem. Ele sabe que não tá. Vai ser sempre assim... Um dia ele vai lamber as minhas lágrimas e ainda não vai saber por quê. Ele vai saber que não pode mudar isso. Mas ficaremos como gatos, lambendo a pele um do outro por puro instinto. E talvez nossas salivas curem algumas feridas. Talvez ele me cure algumas feridas. Mas eu sei que vai me fazer outras. Eu posso prever. Eles sempre me deixam com alguns sinais de atropelamento. Mesmo quando o atropelamento sou eu. Mesmo quando sou eu que bato a porta. O som seco da batida me persegue mesmo quando a porta está aberta, e está um dia lindo lá fora. Eu sei que sempre vai ter uma tempestade, e que eu vou sair pra rua, que eu tenho medo dos relâmpagos mas gosto da chuva. Talvez ele esteja espiando da janela, e me fotografe, encharcada e distraída, linda e louca. Talvez ele também tenha alguns segredos. Talvez também goste da chuva, e não esteja nem ligando para os dias ensolarados do lado de fora da nossa porta. Talvez ele me carregue no colo para algum precipício, e vai ver até que a gente pula junto. Mas na hora que o chão chegar, eu vou estar sozinha. Ele não pode pular comigo, e já estar lá embaixo pra me segurar. E aquela lágrima velha de guerra vai estar sempre lá, parada no fundo dos olhos, pronta pra saltar, espreitando esse cara que me rouba sorrisos.

25.11.11

SOBRADOROCK

É amanhã, pessoal! show do Arnaldo Brandão, com um time de feras! Madame Kaos apresenta o set de poesia... q tb vai contar com um time de feras! (a gente só se cerca de gente feroz) estão todos convidados!

24.11.11

SOLUÇOS E CABELOS CURTOS

você não devia
curar meus soluços sem sustos
não devia desarrumar assim os meus cabelos curtos
você não devia
roubar meus instantes
nas suas fotografias
capturar meus sorrisos, meus olhos fechados,
e as minhas covinhas mais distraídas...
você não devia me tornar poesia.
não devia me beijar como se fosse pressa
e me deixar sozinha.
você não devia me deixar sozinha
com meus soluços e cabelos curtos
sem foco, a luz estourada,
os óculos escuros
você não tem pressa
eu também tenho medo
você congela as minhas urgências
como uma fotografia
como se o meu desejo fosse foto
você me paralisa.

mas eu vou fugir, sabe?
já tenho tudo planejado.

vou fugir com seus beijos
para um lugar sem gente nem paisagem
passado ou futuro
suspenso e secreto
- você devia fugir comigo.

11.11.11

FLIPORTO - Olinda

Estarei lá com o Corujão da Poesia, na companhia dos amigos João Luiz de Souza, Betina Kopp, Paulo Beto Meirelles e Natália Parreiras.

2.11.11

é quase como aquele papo leminski de distraídos venceremos...

continuo com o Documento1 vazio. eu queria escrever e tudo o q consegui foi ler umas coisas aqui e ali q diziam algo do q eu sentia. quer dizer, nada. um nada tão magnificamente escrito q tudo o q eu fiz foi postar comentários desastrosos sobre coisa nenhum, aqui e ali. uma necessidade de dizer, não importa o quê, pq já não se tem nada a dizer. parece q tudo foi dito. e o Documento1 do word continua aberto, e vazio. faz tempo q eu não escrevo direto no blogue. esses tempos facebookianos... igualmente vazios. é preciso sempre ter uma frase impactante para ser "curtida". e eu nunca achei uma frase tão impactante quanto a vida. e no facebook eu tenho q ser ao mesmo tempo "feliz" e "poeta". e isso me parece um tanto estranho. tenho "curtido" coisas demais. e ainda continuo não sentindo nada. tb é estranho. "esta pessoa não está sentindo nada". ninguém criou ainda essa setinha no facebook. um dia criam e vira moda, q nem fotos de desenhos animados e campanhas e anti-campanhas do sus para o câncer do lula. o q eu mais gosto na rede são as mentiras disseminadas. eu tb minto muito, e sinto q posso ser acreditada. eu vou morar em londres por 12 meses, e vou curar o câncer de mama com isso. genial! quem disse q não existem mais gênios no mundo?! eu vou mentir, vc vai curtir, e isso é genial. eu tenho um projeto de disseminar notícias falsas todos os dias, até para os amigos. acho q eles vão ficar irritados comigo. mas a verdadeiras mentiras ("mentiras sinceras me interessam") não podem ser confessadas. são como um vírus... alguém espirra. a coisa vai no ar e ninguém sabe. tá todo mundo espirrando sem saber por quê. quem espirrou primeiro? foi a internet. quem é a internet? silêêêncio.... a próxima revolução, ou a próxima guerra, não se sabe..., será comandada pela internet. a internet pode ser o novo hitler, mas os campos de concentração ainda serão movidos a gás, e não a bytes. não se sabe. mas essa mentira me interessa, pq é sincera. tenho muito medo do q está por vir. mas ainda acredito q tem uns anjos por aí perdidos entre uns byes e uma mesa de bar. uns caras q mentem pra caralho e são péssimos partidos, q não vão comandar nenhuma revolução e nenhuma guerra, que não sabem manipular gases nem bytes, que não sabem manipular nada, nem as suas próprias existências. todos os anjos são distraídos... passam despercebidos... e de repente vão além.

1.11.11

MAIS UMA VEZ OSCAR

Nandito,
Hoje, ou outro dia, não lembro bem, passei horas trancada num sótão desconhecido. Era escuro e empoeirado, como todas as coisas desconhecidas. Muitos objetos esquecidos de sua utilidade ali repousavam. Não era um repouso tranquilo, era mais como um congelamento de queda. As coisas se penduravam por um fio, umas agarrando-se às outras para não cair, desesperadamente; porém imóveis. Não sei quanto tempo se passou. Mas eu não estava presa, não. Era mais uma liberdade poder se trancar no sótão, sabe. Eu era como aqueles objetos esquecidos de sua utilidade. Esquecida de minha utilidade, congelada no momento da queda, suspensa. E então eu era livre como cada objeto que já não se pode usar. Livre como uma bicicleta quebrada. Livre como um disco arranhado que se recusa a tocar. As coisas descartadas, esquecidas, são as únicas coisas verdadeiramente livres no mundo. As que se rebelam contra a sua função e conquistam o direito de não servir pra nada. Eu era muito ingênua, meu bem, quando subíamos na nossa casa na árvore e eu apontava os pássaros e as borboletas como ideais de liberdade. Verdadeiramente livre é um isqueiro sem gás. Perder o gás não é a morte do isqueiro; não, muito pelo contrário!, é a sua liberdade. A partir dali ele deixa de ser útil, e começa a viver. Então eu passei muitas horas trancada no sótão com coisas vivas e cada coisa conversava comigo, me contava a sua história, a verdadeira história de sua vida, de como começou a viver, quando conquistou o direito de não fazer nada. As coisas de que faltavam pedaços me confessavam, sim, sentiam falta dos pedaços partidos, sentiam dor nas estruturas retorcidas ou algo do tipo. Mas um relógio sem ponteiros me disse: é o preço que se paga para ser livre. E me disse comovido e orgulhoso: eu não marco as horas; eram elas que me marcavam. E me disse isso com uma lágrima parada nas 3 horas, 47 minutos e 3 segundos. Eu não marco as horas, eu sou livre. Mancando sobre meio ponteiro de segundo, mas com um sorriso firme. Foram horas magníficas, essas incalculáveis, que passei na companhia desses objetos obsoletos. Sei que você gostaria de conhecê-los, você que sempre me perguntou - o que é ser livre? E eu sempre disse cada hora uma coisa, e você sempre fez diferente do que eu disse. E foi sempre assim que a gente planejou as nossas viagens, né? Um desplanejamento estratégico, eu diria. Nandito, a gente precisa ser como uma mesa sem os pés. (E quando não há chão, quem precisa de pés?!) Um avião sem asas, de turbinas quebradas, é mais livre que todos os pássaros que fazem ninhos e espalham sementes pelo caminho. Os aviões quebrados incomodam demais na grandiosidade da sua liberdade. Não podem ser trancados no sótão, escondidos. Estão ali, exibindo descaradamente a sua liberdade à vista de todos; triunfantes. Inúteis. Eu os admiro. Quero viajar num avião quebrado, a que darei um nome como se dão aos barcos: Oscar. Como o nosso peixe que morreu, e tornou inútil e livre o nosso aquário. Oscar manda lembranças. Mais uma vez, Oscar. Em todas as viagens. Sinto sua falta, menino. Minha liberdade é mais livre com a sua.
Beijos quebraditos,
Beatritche


PS. Carta da série "Oscar manda lembranças", que é um livro que eu não termino e não publico, dedicado ao meu amigo Fernando Blauth Klipel.

26.10.11

INCÊNDIOS

Tem um ônibus em chamas no meio da rua. E um homem sentando num canto, obstinadamente queimando papéis. Me concentro no homem queimando papéis. A obstinação com que queima, todos os tipos de papéis, documentos, cartas, jornais, fotos, quase mecanicamente, como que impelido por uma força maior ou porque simplesmente tem de fazê-lo, como se fosse o seu emprego; a obstinação e seu gesto automático, sem qualquer emoção, retêm a minha atenção. O ônibus em chamas some na euforia de bombeiros, passageiros, transeuntes, jornalistas, fumaça, carros, buzinas, sirenes. O ônibus em chamas desaparece no espetáculo de sua abundância. Ele não tem a menor importância diante desse homem que queima papéis, num ato vulgar e sem paixão. Um ato gratuito, por assim dizer. E quase clandestino. Não há qualquer relação entre o homem que queima papéis e o ônibus em chamas. São personagens de espetáculos distintos, que não se comunicam. Sequer o fogo é feito da mesma matéria, ou quase isso. Eles se ignoram mutuamente. Não estão no mesmo espaço, e sequer no mesmo tempo – um fogo se consome rápido, enquanto o outro é mais lento; um queima para fora, o outro pra dentro. Um abismo os separa. E o ônibus já não existe. O homem continua obstinadamente queimando papéis; bilhetes de passagens, panfletos de eventos, cadernos escolares, calendários, agendas, calma e mecanicamente. Exerce sobre mim um tal fascínio que me sinto instada a perguntar-lhe “por quê?”. Mas eu apenas passo calada, preenchida agora por uma forte sensação de interrogações. De que me serviriam respostas ou conclusões? O homem que queima papéis continua lá, ou já se foi, não sei mais. O ônibus ressurge mais tarde num telejornal, onde parece mais real. O homem que queima papéis nunca esteve lá. Eu não estive lá. O ônibus em chamas - agora só ele existe. Com todas as suas motivações e conclusões e todas as suas respostas. Quando vou dormir, ainda procuro uma interrogação embaixo da cama.

FIOS

Examino demoradamente um emaranhado de fios sobre a mesa. Sem nenhuma intenção. Sem nenhuma reflexão profunda. Apenas eles estão ali parados sob o meu olhar, nessa inclinação de cabeça que eu poderia chamar de tristeza ou desolação ou simplesmente sensação do vazio. E é apenas uma inclinação de cabeça que faz meu olhar repousar nesses fios. Os fios me parecem então, de súbito, tristemente embolados. Como que presos uns aos outros. Sem saída. E isso ainda não quer dizer nada. Eu não quero. Apenas me parecem fios presos e desajeitadamente caídos sobre a mesa, desligados, sem utilidade, embolados, esquecidos. Pobres fios! Me compadeço de sua inutilidade, de sua falta de jeito, de sua falta de graça. Fios desmoronados da noite no centro dos meus olhos. Sem curtos-circuitos, sem nenhuma carga elétrica, nenhum impulso, pulsão de vida. Fios como que mortos, seus corpos retorcidos e insepultos, agredindo o meu olhar distraído. Posso desembolar esses fios, e seguir desembolando os outros fios da mesa, e todos os fios da casa, e todos os fios da rua, e todos os fios do mundo, mecanicamente e desesperadamente, como para me salvar da morte, ou como quem segue vivendo, tanto faz. Não vou desembolar fio algum. Sempre haverá algo retorcido e tristemente largado em algum lugar para a gente esquecer um olhar, numa leve inclinação de cabeça que eu poderia chamar de tristeza ou desolação ou sensação do vazio. E é só uma inclinação de cabeça.

22.10.11

I Clowns

o olhar mais triste do mundo
sob um sorriso colorido
um sorriso que é quase lágrima
um sorriso que quase voa do rosto
batendo as asas
um sorriso respirado profundamente
para dentro do corpo
e lá guardado a sete chaves
como a lágrima que não quer cair
e já é o lago de dentro
um lago muito calmo,
desses com patos deslizando...
a tristeza mais profunda
desliza suavemente sobre a superfície
não é chororô nem desespero
ela espera – não se sabe o quê.
ela espera e deseja no fundo do olho
é um olho que deseja – não se sabe o quê.
é apenas um olhar parado – e não sabe.
um palhaço morto boiando no lago
que ainda se bate desajeitadamente
nas tábuas dos barcos, no susto dos patos
fazendo graça
e não sabe.

17.10.11

Ninguém me ensinou a desaprender. Tive que ir por conta própria, me esvaziando. Um bom método para se esvaziar é encher-se de contradições. Os ensinamentos duros começam a amolecer. Vão soltando do fundo. Você esfrega um pouco, vai trocando a água, e quando vê até a gordura mais grudada já não está mais lá, dentro de você. Mas não há fórmulas. Não há receitas. A gente aprende rápido a falar. É imitação. Mas custa muito aprender a desdizer. É um desaprender. Ninguém ensina. Porque a gente aprende das mesmas formas as mesmas disciplinas. Mas o desaprendimento é uma criação. Dois seres que desaprendem sempre vão desaprender de formas diferentes. É preciso inventar. Desinventar. Inventar e desinventar de novo, porque já não é a mesma coisa que se inventa e desinventa. Aprender requer repetição. Mas desaprender são sempre movimentos bruscos, novos movimentos, quedas, desequilíbrios, sustos, muitos sustos e saltos, surpresas, inesperados. Nunca é igual. O primeiro desaprendimento é um maravilhamento, um inesperado livre que surge sem mais nem menos. Parece um acaso, mas não é. É criação. É o deus que a gente é, e projetou fora porque tinha medo dessa onipotência, onipresença, onisciência que pulsa em nós no ato da criação. Porque tinham medo que nós descobríssemos e criássemos tudo diferente do que é agora. Não é confortável desaprender. Não é confortável pra ninguém. Mas é livre. Nada mais livre do que ser eu deus e desaprender e desinventar do meu jeito. Nada mais deus do que a palavra liberdade agindo no meu ato de criação. Tenho conversado com muitos mortos que desaprenderam antes de mim, e também com alguns vivos. Eles não me ensinam nada. Eles me confundem, me desorientam, me atropelam, me descabelam. Não me apontam nenhuma direção. Eles me puxam tapetes, me tiram chãos. Nosso papo tem sido muito produtivo, porque não produz nada, nada de útil ou consumível, nada de nada. Produzir é finito. O que não se produz é a infinitude. É vasto não saber, não ser...é vasto...  desaprender não tem limitação.

8.10.11

É ASSIM

É assim: Como quem preenche os cobertores de pés, para que os cobertores não reparem na falta de outros cobertores para lhe isentarem da função de ser sempre calor. Cobertores também sentem frio. Se sentem pisados e se sentem sozinhos. Tenho pena dos cobertores. Como de copos sem brindes e cigarros sem isqueiros. Tenho pena de tudo o que é incompleto, e portanto de tudo. Tenho dó do existir do mundo.

É assim: Como quem senta numa cadeira, e coloca a bolsa para sentar na outra; e conversa com ela, para que ela não se sinta apenas uma coisa feita para carregar outras; porque uma bolsa carrega o mundo nos ombros e ninguém reconhece, e ninguém lhe agradece por ser bolsa. Outro dia eu dei de beber uma garrafa de uísque à minha bolsa; ela agradeceu embriagada e muitíssimo comovida. Meu celular entrou em coma alcoólico; mas já está recuperado. Tomamos um porre todos, juntos e felizes, eu e os meus pertences!

É assim: Como quem faz companhia à TV ligada durante a noite e por toda a madrugada, porque ela tem medo de dormir sozinha, e num susto nunca mais voltar a ligar. Como quem não desliga as coisas para que elas não tenham medo de não voltar a funcionar. Tudo tem medo da morte. Se eu pudesse desinventava a tecla off.

É assim: Como quem fala poemas para os azulejos do banheiro, para a água e o chuveiro, porque eles têm ouvidos sensíveis, não suportariam me ouvir cantar. Como quem fala poemas para o painel do carro, o volante, o rádio, o porta-luvas e os bancos, os estofados. É preciso distraí-los, entretê-los, para que não percebam que os estou usando para chegar em algum lugar. Eles são muito sensíveis, não suportariam se sentir usados. Todas as coisas são sensíveis. Pessoas, algumas.

É assim: Nada me dói, nada me assusta. Eu não me desgasto, não quebro, não sou descartada. Eu não tenho rótulo, marca, não estou numa prateleira de mercado. Eu não sou usada; nem fico sozinha, esquecida. Eu não tenho frios. Eu não tenho medos. São as coisas que me comovem e me fazer ficar assim.
Quando eu digo “eu me chamo...”, não estou me designando um nome, estou realmente me chamando, porque eu já não estou aqui; é preciso que eu me chame para me dar a conhecer. E por mais que eu me chame, nunca é o suficiente. Há sempre algo que me falta. Eu me dou a conhecer então pela minha ausência, pelo meu chamado de uma presença que chego a tocar e que sempre me escapa. Eu me dou a conhecer não por um nome que me designa, mas por uma palavra que me chama sempre. Eu me chamo porque sou muitas em direções diferentes. É preciso reuni-las num chamado. Como um alarme que soa para inspeção: “Beatriz” – estão todas aqui? Ainda estão todas aqui? Eu me chamo porque há sempre alguma que falta. Alguma de mim que fugiu no meio da madrugada, quando ninguém olhava. Há sempre alguma escondida embaixo da cama com medo, e eu preciso descobrir para acalmá-la. Há sempre alguma que morreu e é preciso enterrá-la. Eu me chamo para me apresentar a mim mesma; não tanto uma presença, mas as minhas faltas.



Livremente inspirado em “Diante da palavra”, de Valère Novarina: "A palavra diz à coisa que ela está faltando e a chama - e, ao chamá-la, ela mantém reunidos num mesmo sopro seu ser e seu desaparecimento".

19.9.11

houve um tempo em que eu queria sair
e vasculhava o caderninho de telefones
até achar um amigo que fosse comigo
depois descobri a liberdade que é ser sozinho
ir e vir, andar por aí...
os inconvenientes são:
- largar sozinha a mesa do bar quando se vai ao banheiro
- deixar a kanga e a bolsa de praia quando se vai ao mar
não sou eu
são as coisas que sentem
a solidão

19.7.11

A falta de um estilo só é ruim pra vender produto. Como um rótulo que identifique o que é: creme de leite ou leite condensado? ervilha ou milho verde? no fim tanto faz, porque é tudo enlatado, e a lata em si já é um estilo claro. Mas a gente começa a se livrar dos rótulos e dos invólucros das embalagens. As coisas vão ficando mais confusas. Não tem onde anotar o código de barras, nem o nome da coisa. A coisa vai sendo sem dizer o que é. E é aí que a coisa acontece. Eu chamo de arte, mas poderia chamar de vida, ou do limite entre as duas. Ali onde você não sabe muito bem. Naquele ponto em que elas se confundem. Aquele ponto que de ponto, nada. Um emaranhado. Tão distante da organização perfeita das prateleiras dos mercados. Esse tipo de arte que se encontra na seção de congelados, ou até de hortifruti granjeiros, na seção dos produtos ligth, dos orgânicos, ou dos materiais de limpeza, cama, mesa e banho; não me interessa, não compro, não quero ingresso. Pergunto a amigos: qual é meu estilo? Juju responde: “é ritmo”. E o meu ritmo é descompassado. Xico Sá me disse uma vez: “beleza é ritmo, baby!”. Então eu boto palavras pra dançar e vou fumar um cigarro. E é só o que eu faço.

16.7.11

PARA JORGE MAUTNER



o partido do kaos com k como tudo partido, espedaçado, fragmentos de frangalhos de tudo o k existe. o kaos q é a gente, madames de meio-fio, asfalto quente de meio-dia, sem meias palavras, verdades, vontades, q todo meio tem muitas metades. inteiros não existem, o q há são intensidades. alta-voltagem. curto-circuito de todos os fios. e de repente nossos fios se conectam pelo k do kaos que era uma boate de luzes piscantes e música alta, de perder a linha do fio da meada. e de repente, linhas cruzadas. alô, alô. interferência. mitologia do kaos contra todos os mitos. o rito sagrado de ler um livro. em fragmentos. como tudo o q é vivo. como livro q tropeçou numa letra e tornou-se livre. profanado. os mistérios sem mandamentos. o divino sem deus. filhas de pai desconhecido. desafiando o bandido para uma partida de vídeo-game. mario bros. vamos achar o cogumelo escondido?! me ensina a andar de bicicleta sem rodinhas? ele solta sem eu perceber e bate palmas; me desequilibro. madames do abismo. sorrindo para um pai possível. para o impossível. para o precipício. gargalhadas do kaos. agudezas de violinos. vozes brandas, macias. tudo é calmo agora, como o vinho. pai, eu já sei falar, eu já sei dançar. tarde não existe. tudo são instantes vivos. me ensina a dançar palavras? inventa comigo? that is madame kaos.

9.7.11

Como a poesia é pouco explosiva, estou me aperfeiçoando na arte de criar bombas. Amarro-as ao corpo. Diversos materiais me servem. Tudo me serve. Só a poesia não serve pra nada. Pretendo explodir as palavras. Com tudo o que vou catando e amarrando ao corpo. É assim: você vê uma coisa. Se ela te chama, é explosiva, você pega. Muitas coisas não me chamam e não servem pra nada. São as coisas decorativas. Como a poesia. Já rasguei dinheiro, mas nunca queimei livros. Acho que ainda estou apegada às palavras. Como eu disse, estou me aperfeiçoando na arte de criar bombas. Ainda não sei muito bem. Invento na hora. Se não funciona, descarto. Desamarro do corpo. Deixo escorrer. Às vezes quando eu menos percebo a coisa explode sem querer. É assim mesmo. Estou em fase de testes. Acidentes acontecem. Já me explodi em várias partes do corpo. Eu me recomponho. Sou feita de alguma matéria esquisita tipo rabo de lagartixa. Foi depois que eu abandonei os sonetos pelos cianuretos. Percebi que eu só morria em versos. Eu morro muito em versos. Minha química é mais complexa. Chama-se vida. Essa coisa é mais explosiva. E eu tenho uma malandragem felina pra sair ilesa, e o resto pensar que são 7 vidas – é bem mais que isso! É rabo de lagartixa. Me divirto explodindo e refazendo. Ninguém acredita. Mas alguns estilhaços vão longe. E o boom da bomba pode ser ouvido. Quer ver só? Leia em voz alta: booomm... ouviu? Pra perceber tem que colaborar de alguma forma, senão a bomba não explode em você, e você não pode ter a maravilhosa sensação de rabo de lagartixa. Vou dar cursos e palestras gratuitos sobre o tema, porque eu sou boa. Será minha obra social. As pessoas precisam sentir a sensação de vida. Elas morrem muito, até fora dos versos. Fico pasma como as pessoas têm a capacidade de estar mortas, e até conversar com você. Exércitos de mortos me dão “bom dia” todos os dias. É preciso explodir, pra se refazer. Estou adiantando a matéria do nosso workshop. E eu nem pedi currículo e carta de intenção. Não quero ler. Traga-me materiais para bomba. Quaisquer. Já disse como se descobre um. Às vezes não é. Arrisque. Olhe em volta e pegue o que te chama. O resto é decorativo. Não perca muito tempo pensando. “Viver é respirar, pensar já é morrer”. E não interessa quem escreveu isso. É assim mesmo. Vamos começar com exercícios respiratórios, depois comer, e cagar – é preciso sentir-se corpo. Estou adiantando a matéria. Não é fácil chegar nessa síntese. Vamos com calma. Um cigarro e uma taça de vinho, porque está frio. Sente o frio? É corpo. O frio não existe, o que existe é a sensação do frio no seu corpo. Está mais claro? O vinho e o cigarro são materiais para bomba. Ou não. Mas para mim neste momento são. Depende do contexto, entende? Eu poderia dar aulas para crianças, sou tão didática! E crianças sabem fazer bombas com muito mais perspicácia. Ainda não foram tão bem treinadas na pacificidade. E o word me diz que essa palavra não existe, mas quer dizer o ato de ser pacífico, que é também um modo de ser passivo. O contrário de rabo de lagartixa. Bom, já me estendi demais e o tempo parece que está se esgotando. Gostaria de agradecer a presença de todos. Creio que nesta palestra pude apontar alguns conceitos-chave de nossa filosofia. Espero reencontrar alguns de vocês em nosso workshop, munidos do material didático, e principalmente disposição explosiva, que é o que conta. E – aqui vale citar o autor – como diria o Pernalonga: “That’s all Folks!”

4.7.11

ESSES PÁSSAROS MORTOS E OUTRAS PEDRAS AGUDAS



é que pássaros amanheceram cantando no meu peito
essa música aguda, fina, tão estridente, como uma dor
e eu que pus grades e cadeados e joguei a chave fora
eu que não gosto de pássaros enjaulados
eu que não gosto de ser acordada por canto de pássaros
no meu sono de 100 anos de buzinas, derrapagens e alta velocidade
por que você plantou esse pássaro pra definhar no meu peito?
eu que nunca lembro de regar as plantas
eu que dependo da água da chuva até pra chorar
que a terra dos meus olhos está seca, muito seca
que meus olhos são um imenso sertão de carcaças ao sol
que toda a minha água foi sugada por um bando de pássaros insaciáveis
que me fizeram de ninho antes dessas gaiolas
seu pássaro está morrendo e vai apodrecer aqui dentro
cercado por altos muros de pedra de torres longínquas
que meu coração é mais rocha que emoção
é preciso cavar um túnel com explosivos
e o pássaro já está exalando odores de morte
e os explosivos são dores menos agudas e mais fortes
e vão deixando buracos cada vez mais fundos
mas você não se importa com isso, não é mesmo?
achou bonito instalar esse maldito pássaro no meu peito
me colocar numa galeria ou no meio da rua
e dizer que é performance ou instalação
e posar de artista contemporâneo quando o corpo é meu
e eu queria apenas esculpir uma coisa bonita na minha rocha-coração
como um pássaro silencioso de asas paradas
aquele seu sorriso quando não havia nada a ser dito
meus olhos por trás da chuva disfarçando possíveis lágrimas
qualquer coisa bonita, parada e sem som de cantos ou de explosão
mas tudo é sempre movimento e som
e eu joguei a chave fora

23.6.11

PROIBIDO ELEFANTES E OUTROS PENSAMENTOS AMORFOS



Como definir a minha linha de pensamento, se o pensamento não tem linhas retas? As coisas me perpassam num emaranhado difuso. Agora mesmo eu pensei uma imaginação, e ela era a minha realidade naquele momento. Lembrei de um sonho com dedos caindo das mãos, e dor. Volto aos meus dedos segurando um cigarro, e logo batendo essas teclas. Onde eu estou é tanto lugar, e quem eu sou tanta gente. Só sei definir a imprecisão de tudo. Nada tem contornos claros, nada é definitivo. O trânsito indiano com elefantes, carro e gente, sem hora de parar e seguir ou direções pré-traçadas, essa coisa caótica, o pensamento; com esse tanto de gente, de carro e de elefante, indo pra tanto lugar diferente, num mesmo e em outros tempos. Foi a melhor imagem que me apareceu de passagem. Nunca estive no trânsito indiano. Fiz uma colagem de novela, filme, reportagem e coisas que se falam e eu nem sei quem. Armazenamentos breves, que vez em quando vem e a gente lança, junto com todas as luzes vermelhas, verdes e amarelas dos sinais de trânsito que vez em quando avanço, todas as placas e cintos de segurança. E toda essa necessidade de catalogar e organizar o caos que é a gente. Eu queria escrever o caos, com esse tanto de bolha de sabão, barrete de ferro e neon. Esse tanto de tudo e de coisa nenhuma jájá e ainda ontem, com previsão de futuro. Mas o futuro é o... ih, já foi. O tempo é inapreensível. As coisas me escapam. Balões de gás hélio subindo subindo... balões estourando. Ploct. Pensamentos onomatopéicos. Zumm, ploft, nham; essas coisas dizem. Não precisa querer dizer. Tudo diz. Fazer sentido. A gente sente. E se não sente é porque anda tomando comprimidos demais, que pra tudo hoje tem anestesia. Eu me deixo invadir por essa dor que é a de não saber, e que é ao mesmo tempo o prazer da descoberta iminente. Eu me deixo sentir no mundo. Mas eu falava era do pensamento. Ele me dá rasteiras. Já eu aqui querendo organizar as coisas. Eu que me desorganizo toda. Eu queria um pensamento arquitetônico pra erguer construções, mesmo que pra implodir depois. Uma arquitetura curva como Niemeyer, e bastante inútil como lugar de não morar. Porque essas arquiteturas de pensamento costumam ser bem inúteis mesmo, até as curvas. As retas são mais irreais, porque a realidade é fluxo, e fluxo não tem moldura. É que da poeira das implosões eu poderia ter uma visão qualquer, que fosse real e fantástica, como um espanto. É que me dizem que eu preciso de uma questão. Eu que já tenho tantas e me abro a tantas outras. Mas esta deve ser precisa, uma única, bem formulada, com objetivos claros e justificativa coerente. Eu na correnteza das incoerências... Por acaso este mundo é coerente; preciso, claro, bem formulado, ÚNICO? Tenho um pensamento mundo que me atrapalha. Por onde eu começo? Eu, que vivo num mundo sem ponto de origem, linha de chegada? Eu não sei. E não saber talvez seja a minha única certeza, a que eu preciso implodir, pra quem sabe conseguir ver uma poeirinha qualquer, um grãozinho de infinito preciso, único, claro, objetivo, minha obra bem acabada. Mas eu penso em nachos. Não tenho fome. Pássaros, sinos, cubos, vermelho, cachimbo, escorrega, folha seca, bambolê, televisão, satélite, assoalho... Estou à procura. Boto uma placa: compro. Depois tiro o preju: vendo. Quem sabe pelas leis de mercado eu consigo organizar o pensamento...

 
ps. Depois devolvo os elefantes aos cruzamentos.

ps2. acabei de lembrar q até o mercado entra "em crise", sofre "abalos" e fica "tenso". é tudo especulação... até o capital é volátil. retiro a placa. estou sendo atropelada por elefantes furiosos...

4.6.11

UM BAYGON NO SILÊNCIO

a TV ligada a noite toda o dia inteiro
distraidamente esquecida
vozes pra me fazer companhia
nessa casa vazia
tenho medo do silêncio escuro de estar sozinha
e de baratas impossíveis nas janelas da madrugada
ainda preciso uma fórmula
para espantar baratas
- sem encará-las -
a TV ligada é uma chinelada nos meus mais espantos

14.5.11

dardos

ainda estou arrancando os espinhos dos pés
com aquela velha pinça enferrujada
devolvendo os murros nas pontas das suas facas
tacando as bolas brancas nas caçapas
treinando dardos em algumas fotos 3x4
paquerando parapeitos e precipícios
criando cães dentro do peito
pra me proteger do perigo
nem toda solidão é castigo
e a tristeza até que é um certo tipo de paz
toda felicidade é feroz

EXAGERADO

as paredes já não respondem
e nem os travesseiros dão colo
você lambe a cara de um cachorro
e abana o rabo por algum carinho
você está sozinho
você arranca o carpete do chão da sala
com os próprios dentes
arranca os próprios dentes
com um alicate de unha
afia as unhas no sofá
como um gato maníaco-compulsivo
você exagera, é overdose
a solidão é um vício

JÁ TENTOU MUDAR DE HÁBITOS?

eu exercito repetidamente
o ato de abrir a geladeira, pegar e abrir garrafas de cerveja
beber é apenas a conseqüência involuntária desse hábito
também gosto de pegar cigarros, segurar nos lábios e acender isqueiros
sempre odiei fumar
gosto mesmo é de ter um cigarro entre os dedos
você é apenas a conseqüência de mais um hábito involuntário
ter um homem entre as minhas pernas
e tragá-lo com se traga um cigarro
já tentou mudar de hábitos?
ah, meu bem, não é fácil!
estou fumando marlboros, mas eu gosto mesmo é de carlton
apenas um hábito de rótulos em vermelho e branco
no fim, todo cigarro é o mesmo cigarro
tê-lo entre os dedos
no meio das minhas pernas
é que você faz falta
e é por isso que eu trago
todo o velho marlboro
que se oferece à minha boca
e bebo até o último gole
de toda cerveja
nunca cultivei hábitos saudáveis
você é apenas mais uma
das minhas doenças
incuráveis

8.5.11

ode ao casamento de Kate&William

Eu não quero saber do casamento de Kate&William,
nem desses casais felizes que atravessam ruas distraídos,
ou dessas celebridades sorridentíssimas à la Amaury Jr.
Nós não fomos convidados para a festa, meu bem.
E nos entediaríamos facilmente nesses ambientes.
Vivemos em quadros do Picasso gritando por algo.
Somos um corpo Frida Kahlo gritando por algo.
Querem nos aplicar calmantes
- os médicos, as igrejas, os shoppings centeres...
Todos esses templos nos dão morfina e um céu possível.
Acham que é sempre só dor nosso berro incontido.
Mas a gente acha graça e isso não é sorriso;
é gargalhada que é quase grito.
Estamos no limiar, nas fronteiras de tudo.
Nos querem expulsos, mas não podem nos pegar.
Nosso grito corta o ar e salta os muros.
Nunca entramos, mas somos intrusos.
E não nos interessa toda essa festa.
Os refugiados, os expatriados, os desertores,
todos os excluídos,
explodindo fronteiras com seus gritos
- estes são meus ídolos.

definição (im)precisa

não é saudade é falta
não é sozinho é solitário
não é ausência
é a presença do espaço vazio
não é silêncio
é a palavra não dita
é a garganta atravessada, limo na língua
a boca seca, o deserto nos olhos
é todo o impalpável na palma da mão, na linha da vida
e todo esse desejo de cruzar as finas fronteiras do impossível

6.5.11

não cabe no poema

são farelos no fundo do pacote de biscoito
o gesso sem assinaturas depois da fratura
a rachadura naquela velha xícara
acumulando o café de outros dias
e o buraco de cigarro no estofado do sofá
- aquele descuido -
a camisa preferida sem botão
há anos esperando o conserto no fundo do armário
esquecida lá, desejosa de um corpo,
e tão sem botão, tão sem poesia
todas as coisas quebradas que guardamos
os e-mails que ficam pra ler depois
soterrados na sua desimportância
pelos sempre mais novos
toda essa urgência das coisas novas,
mais e mais novas
e todos os velhos vícios, arranhões em discos
essa mania de esfregar a tristeza
na cara dos travesseiros
e toda a melancolia desses copos quebrados
feitos sob medida para pés descalços
essas músicas que tocam na rádio
sempre no momento errado
as lâmpadas queimadas que não trocamos
e a mesma mão sempre no interruptor em vão
- esses esquecimentos –
e as baratas que surgem na madrugada
pelas janelas abertas
pra assombrar nossa falta de vôo
coisas secas e vivas
cercas de arame farpado
o rasgo na roupa e o arranhão na barriga
lágrimas e esparadrapo
e toda essa solidão
perdida na sua risada engraçada
escondida embaixo das nossas cobertas
nas dobras de lençóis revirados
por um momento intimidada pela sua companhia
e toda essa solidão que você me deu
e que sempre foi minha

29.3.11

paisagem secreta

a coleção de mentiras enferrujadas
na caixa de sapatos
marcas d’água nos olhos
em velhas fotos amareladas
meus espelhos carcomidos
um salto ornamental para cada precipício
essa dança macabra que não me larga
- balé de riscos -
um rosto no fim de tarde do meu horizonte
você: minha pequena fábrica de desesperos
e essa máquina de fazer espantos
esse relógio de contar estragos
no meu peito
e todas essas portas giratórias
a insistência nas velhas vitrolas
meu andar em círculos
- manias e vícios -
não há nenhuma tristeza nisso
é apenas o modo como vejo o mundo
da minha varanda
(e eu não tenho nenhuma varanda)
 

21.3.11

OFFLINE

ESTOU OFFLINE DO BLOGUE E DE MAIS UMA PORRADA DE COISAS DA MINHA VIDA, PRA FAZER PROJETO DE MESTRADO; ENTÃO TORÇAM POR MIM E PERDOEM A DESATUALIZAÇÃO DISTO AQUI - ASSIM QUE EU TERMINAR O PROJETO VOLTO COM TUDO! (E ESPERO AINDA TER ALGUNS LEITORES...) ATÉ BREVE.

20.2.11

E EU LI A HISTÓRIA QUE NÃO ESCREVEMOS

página virada, páginas viradas
páginas em branco viradas e reviradas
e perceber no final do livro
que não havia nada escrito
nada além de um único capítulo
uma única palavra: começo
nada além, nada meio,
nem um único recheio
nada curva, nada sinuosidade
ponto de partida sem linha de chegada
viagem sem estrada, vírgula sem palavra
essa página virada sem nenhuma história
nem enredo, nem um erro
final sem clímax
the end sem filme
trailer sem sessão
uma borracha nas reticências
a certeza do não
o ponto final
o livro varrido da cabeceira
papel amassado na cabeça
páginas em branco sumindo na fogueira
- o vazio do vazio -
pó e cinzas na lata do lixo
minha única dor é a inutilidade de um livro não escrito
o tempo perdido, a insistência de se lançar no vazio
de resto,
um espaço aberto na cabeceira
desejo de novos livros

17.2.11

eu não li os avisos de PARE

sua falta é uma dor não programada
sem controles com stop pause rew
sem sinais vermelhos
sem os avisos amarelos de cuidado e atenção
são todos os sinais verdes
todos os carros em colisão
o trânsito todo parado na minha garganta
e todos esses atropelamentos
sua falta é essa dor confusa de buzinas e lágrimas
sou eu perdida no meio da estrada
são essas curvas acentuadas
sem placas de sinalização
sua ausência é meu desespero, meu destempero
meu carro na contramão
meus acidentes, desastres
sua falta é uma ambulância com a sirene ligada
correndo na direção contrária
minha dor presa nas ferragens

16.2.11

alguma tristeza

tem alguma coisa de triste
nesses pássaros adormecidos
que se esquecem de cantar
há algo de muito triste
em igrejas vazias
ostentando um altar
uma tristeza imensa
nos sinais vermelhos
em ruas desertas
tem algo de triste
nas portas abertas
sem ninguém pra passar
em cadernos sem canetas
em cigarros sem isqueiros
em luzes acesas
na claridade do dia
em tudo que eu vejo
uma certa melancolia
tem alguma coisa de muito, muito triste
nos meus olhos voando
sem você pra pousar

lágrimas pela inutilidade dos olhos em enxergar

o dia em que eu morri...







Fotos da performance POETA BOM É POETA MORTO - O TRANSTORNO PASSA, A OBRA FICA, realizada em 12/02/2011, no meu aniversário de 30 anos - o dia em que eu morri.

10.2.11

fantasmas nos olhos da noite

só eu sei o quanto esses fantasmas são reais
e me tiram o sono

eles querem fumar meu cigarro
eles bebem do meu copo
eles dançam no meu corpo
são a sombra nos meus olhos
são o susto no meu rosto

são eles que dirigem meu carro
são eles na minha carne
são eles no meu osso
no escuro do meu quarto
no fundo do meu poço

são eles, sempre eles
seus olhos vermelhos
em tudo que eu faço
e que eu não faço
soprando o meu pescoço
em todos os meus passos
em tudo o que eu não posso
em todo o impossível
onde eu me jogo

fantasmas nos meus olhos
em todos os meus espelhos

8.2.11

EXTUDIO - minha festa de 30 anos!

No ano passado o estúdio do Arnaldo Brandão virou palco de uma série de eventos que promovemos, inicialmente lançamentos de livros da coleção editada por Tavinho Paes, depois a festa de 3 anos da Madame Kaos, e agora o evento EXTUDIO, com o espaço de cara nova, todo equipado com projetores e iluminação e tudo o mais. Na primeira edição do EXTUDIO, comemoro meus 30 anos! Segue o flyer.

3.2.11

um tipo de camarote

como um guardião de ferro velho
eu e meus destroços & coisas enferrujadas
peças soltas mais as inutilidades de todas as espécies
e tudo que é tipo sombrio que aparece nesse tipo de lugar
fico observando o mundo
da minha poltrona velha de couro detonado
rangendo as molas, rangendo os dentes entre cigarros
o mundo pelas carcaças dos carros, pelos vidros quebrados
quando restam vidros pra quebrar,
pego um bastão e saio detonando faróis e afins
um passatempo pras horas de tédio
é assim que eu passo os dias fazendo poemas
fazendo estilhaço, barulho,
uns versos quebrados
com todo esse lixo do mundo.

1.2.11

não adianta

quando o chão grita pedindo pés
e a alma agita gritando mais
e um carro grita atropelamentos
na sua garganta
não adianta tapar os ouvidos
nada adianta

quando o chão rasga vazando céus
e a alma vaga a rasgar papéis
e um anjo quebra as asas
atravessadas
na sua garganta
nada nada nada
não adianta

quando o chão some levando a paz
e alma vaga sem cessar
e um anjo dirige seu carro
embriagado
pra qualquer lugar
não há nada a fazer
não adianta
não tem jeito

o chão desse mundo não foi feito
pra gente pisar

31.1.11

o que eu chamo de "pequenas mortes"

esse sono sem sonhos me mata
um desespero de paralisada
enquanto me dançam os fantasmas
o grito parado na garganta sem voz
as pernas sem movimentos, os braços
os olhos arregalados por dentro
os berros por dentro
e toda essa angústia de não ser ouvida
de estar como morta vendo o próprio corpo
subitamente sem compreender
que já não se pode voltar pra casa
essas pequenas mortes me matam
pra onde me arrastam?
é como um pesadelo sem dormir e sem poder acordar
é como uma marionete conduzida por mãos invisíveis
- muito assustador -
eu rezei para os anjos
eu restei acordada
eu tenho medo dessa coisa que eu não sei o que é
nem como parar
muito medo de dormir e não conseguir voltar
eu não sei pedir calmamente
que esses monstros parem de me assombrar
e quanto mais eu grito
- silêncio -
mais eles dão risada
e me deixam em estado de espera
entre a vigília e o sono
entre a vida e a morte
entre o dentro e o fora
no vazio, no limbo
nesse estado de entre
sem saída
eu preciso de remédios pra dormir
ou remédios pra acordar
remédios pra qualquer lugar seguro
- qualquer coisa com jeito de cura -
e uma luz sempre acesa
pra assustar o meu medo do escuro

exorcismo

eu arranco os cabelos
da minha cabeça
eu arranco os cabelos
do meu coração
eu arranco os cabelos
das minhas pernas
e dos meus abraços
e dos meus beijos
eu arranco os cabelos
como quem se depila
de todos os pêlos
de todas as peles
de todos os nervos
de você
minha pequena fábrica de desesperos

30.1.11

onde os pés apertam os sapatos?

você e seus vulcões extintos
e todo esse naufrágio sem ritmo
esse meu ar vazio de pulmões...
(e onde, afinal, os pés apertam os sapatos?)
você me joga contra a parede
sem me tocar as mãos
fuzilamento por dentro
- implosões -
(pés apertados machucam os sapatos
- você não sabia?
doem meus saltos, doem muito meus saltos
altos e baixos
doem muito esses altos e baixos)
e esse seu medo de labirintos
que não tem limites
em que linhas retas você se perde?
nem todos os passos perdidos na areia da praia são meus...
- eu apenas perdi meus pés -
não tenho mais a marca dos meus passos atrás de mim
para onde você levou as minhas pegadas?
onde os meus rastros?
onde os meus restos?
onde meu rosto de espanto? de prece?
onde meus hinos? as minhas certezas?
onde você me esquece?
ONDE VOCÊ ME ESQUECE?