22.12.13

I'M GOING BA
dizia o visor do rádio
quando a gente entrava
no litoral sul da Bahia
era Nina Simone - I'm going back home
numa alegria
que Nina Simone
só teria na Bahia
e eu lembrava do meu pai criando galinhas
e eu sentia o cheiro dos coqueiros
e eu já sentia calor na estrada na chuva
e eu estava voltando pra casa
depois de muitas tempestades
o Espírito Santo não colaborou
como nada que vem da igreja católica
e o Natal era apenas pretexto
(e eu sempre me pergunto, por que, afinal,
criaram um Estado para separar a Bahia do Rio?!)
i'm going back home
i'm going BA
i'm going para o colo do meu pai
porque talvez ele precise de colo
porque a gente sempre se precisa
quando a vida - imprecisa -
se veste de morte
e eu me lembro dos filas brasileiros
que ele criava
e eu me lembro das casas boas
e das casas ruins
em que ele morava
e eu me lembro - o tempo todo e sempre -
da minha madrasta
ela teria reclamado daquela carne do sol
que não era carne do sol
e teria fumado cigarros comigo
ao longo de toda a estrada
i'm going BA, Milú
que você escolheu como casa
i'm going meu pai
que você escolheu como casa
i'm going você, amada
de onde eu nunca saí
porque você me habitava
essa chuvinha boba
da qual você também reclamava
- você estaria sentindo muito frio aqui -
essa chuvinha veio
pra disfarçar
as nossas lágrimas
no meio de todos os rostos
molhados
i'm going BA
com uma canção de Nina Simone
pra você
ela sabia ser triste
mas também conhecia
a alegria
de voltar pra casa.
o limpador de para-brisa
pra lá e pra cá
tenta me hipnotizar
(eu sempre resisto)
todas as placas
que marcam a quilometragem
de trecho em trecho
de estrada
parecem chorar
com muita precisão
firmes, fincadas no chão
dizem
o quanto eu me afasto
de você.

16.12.13

um índio
um único índio
resistindo no topo de uma árvore
agarrado a folhas e galhos e desejos de liberdade
agarrado a toda a força da sua ancestralidade
basta um único índio
numa aldeia despedaçada
em pleno século XXI
de concreto e choque
cercado
um índio-pássaro
fazendo ninho
alimentando com o bico os outros pássaros
que ainda não sabem que podem voar
não se sabem passarinhos...
- “eles passarão!”, diria Quintana
o índio não precisa dizer nada
o índio sabe que a terra é a sua casa
se planta no chão
e renasce
a cada século de escuridão
um índio
no topo de uma árvore
resistindo
espírito guerreiro
arco e flecha contra canhão
um índio batendo firme o pé no chão
enquanto o pelotão bate continência
o índio dança
dançar
é a mais bela forma
de resistência.





4.12.13

CONDENADO MORADOR DE RUA PRESO COM PRODUTOS DE LIMPEZA: 5 ANOS DE RECLUSÃO

atenção:
recolham todas as garrafas de pinho sol
das prateleiras do mercado
é questão de segurança nacional!

recolham também água sanitária, detergente,
todas as marcas de sabão em pó
omo cores e omo multiação

removam as vassouras, os paninhos,
sabão em barra e sabão em pasta
tudo o que é produto de limpeza

tem um sabonete nas suas mãos?
- tá preso!
- por quê?!
- posse de material explosivo.

é que tem um povo por aí
querendo limpar o país
de toda a sujeira varrida pra debaixo do tapete

- mas isso é um perigo!

então a polícia não pode deixar ninguém andando por aí
com material de limpeza

tem muita sujeira nas UPPs e no palácio do governo
muita sujeira no congresso nacional,
nas câmaras e assembleias legislativas
muita sujeira na justiça, na mídia
muita sujeira nas mãos de todos
quem têm nas mãos o poder

higienização, pra eles, é tirar de circulação
pobre, preto, favelado e morador de rua
tudo dentro de um camburão

a segurança da nação depende
de deixar decantados no fundo do rio
toda a sua sujeira, os resíduos,
e todos os excluídos
- não se pode revirar o lixo –

atenção: produto de limpeza tá proibido!
bora agora comprar os explosivos...


#vandalismopoético

1.12.13

quando eu digo acabou
era só o começo...
não é que eu me expresse mal
é vício de poesia:
mania de poeta
de falar as coisas
pelo avesso.