26.8.08

eleições 2008 - parte 1: tomate neles!

"Enquanto os homens exercem seus podres poderes,
morrer e matar de fome de raiva e de sede
são tantas vezes gestos naturais"
(Caetano Veloso)



Ia usar uma metáfora de tomates e de repente me lembrei de Ilha das Flores. Ilha das Flores foi um dos primeiros filmes dos mais impactantes que vi na vida. Como a partir de um tomate, Jorge Furtado descreve uma situação social tão absurdamente contrastante!? Um tomate é considerado impróprio para o molho da dona de casa, é considerado impróprio para a alimentação dos porcos e só então é posto à disposição de seres humanos em situação de miséria, que catam comida no lixo. Diante disso, fiquei pensando, como sugerir que as pessoas escolham seus representantes como escolhem tomates para o molho, num país em que muitos catam tomates no lixo para sobreviver?! Como dizer ao faminto que não coma tomates podres? Como sugerir ao miserável que não venda seu voto para políticos podres? É certo que não são só os miseráveis que vendem votos, mas toda a espécie de descrentes que vêem ali a possibilidade de ganhar uma graninha extra e não acreditam que o voto possa mudar a situação do país e consequentemente melhorar a sua. Mas num país que não valoriza a educação, é realmente difícil fazer essa associação. Quando estive em Canudos/BA, ouvi pessoas conversando abertamente sobre para quem venderiam seus votos. É uma coisa tão naturalizada, que não há porque não falar. Também creio que deva ser assim nas periferias das grandes cidades. Algumas negociações mais explícitas, com pagamento em dinheiro, e outras mais veladas, com bens de consumo, materiais, obras ou melhorias pontuais em determinadas comunidades. Tem hora que quase me bate um desânimo. Me parece que participar de um processo eleitoral assim é também legitimá-lo. Mas também não acredito em voto nulo, a não ser na total falta de opção. Já elegi vereadores, deputados e senadores éticos que permanecem na luta ao lado do povo brasileiro mesmo dentro de um sistema corrompido em que isolados pouco podem fazer. Já elegi até um presidente que, apesar dos pesares, trouxe alguma melhoria em comparação ao governo anterior. Por isso não desisto de fazer uso do voto. É uma das armas de que dispomos pra transformar a realidade. Por isso, apesar de saber que muitos vão comprar e muitos vão vender, que muitos vão dar acreditando em promessas falsas, que muitos vão dar sem acreditar em nada, e que muitos filhos da puta ainda vão se eleger, eu voto e prego o voto consciente. Que a gente vote como quem escolhe tomates, pegando os bons e largando os podres de lado. E se por acaso tivermos de catar tomates podres, que seja pra tacar nessa gente que perpetua a miséria e a ignorância do povo! Porque, como disse antes, o voto é uma das armas de que dispomos. Um tomate pode ser outra. E ainda outra uma manifestação. Um poema, uma palavra, uma ação. Também não adianta votar e achar que cidadania se exerce só de quatro em quatro anos. Cidadania é um exercício do dia-a-dia. É cada um fazer a sua parte nos espaços que lhe cabem, e cobrar a ação dos que elegemos para os espaços de representação. Não deixar lixo na praia é uma ação de cidadania, assim com dizer “bom dia”. Lutar contra a corrupção é também não se deixar corromper nos pequenos espaços de poder, que podem estar no ambiente de trabalho ou até na família. A construção de um país melhor não se faz só em dia de eleição, se faz todo dia. Antes de selecionar os tomates, é preciso plantá-los, cultivá-los, colhê-los. É preciso cultura, no sentido original do termo. CULTURA POLÍTICA. Então, mãos à obra! E depois eu escrevo sobre os meus candidatos... (que era o motivo original deste texto)

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