19.7.11

A falta de um estilo só é ruim pra vender produto. Como um rótulo que identifique o que é: creme de leite ou leite condensado? ervilha ou milho verde? no fim tanto faz, porque é tudo enlatado, e a lata em si já é um estilo claro. Mas a gente começa a se livrar dos rótulos e dos invólucros das embalagens. As coisas vão ficando mais confusas. Não tem onde anotar o código de barras, nem o nome da coisa. A coisa vai sendo sem dizer o que é. E é aí que a coisa acontece. Eu chamo de arte, mas poderia chamar de vida, ou do limite entre as duas. Ali onde você não sabe muito bem. Naquele ponto em que elas se confundem. Aquele ponto que de ponto, nada. Um emaranhado. Tão distante da organização perfeita das prateleiras dos mercados. Esse tipo de arte que se encontra na seção de congelados, ou até de hortifruti granjeiros, na seção dos produtos ligth, dos orgânicos, ou dos materiais de limpeza, cama, mesa e banho; não me interessa, não compro, não quero ingresso. Pergunto a amigos: qual é meu estilo? Juju responde: “é ritmo”. E o meu ritmo é descompassado. Xico Sá me disse uma vez: “beleza é ritmo, baby!”. Então eu boto palavras pra dançar e vou fumar um cigarro. E é só o que eu faço.

16.7.11

PARA JORGE MAUTNER



o partido do kaos com k como tudo partido, espedaçado, fragmentos de frangalhos de tudo o k existe. o kaos q é a gente, madames de meio-fio, asfalto quente de meio-dia, sem meias palavras, verdades, vontades, q todo meio tem muitas metades. inteiros não existem, o q há são intensidades. alta-voltagem. curto-circuito de todos os fios. e de repente nossos fios se conectam pelo k do kaos que era uma boate de luzes piscantes e música alta, de perder a linha do fio da meada. e de repente, linhas cruzadas. alô, alô. interferência. mitologia do kaos contra todos os mitos. o rito sagrado de ler um livro. em fragmentos. como tudo o q é vivo. como livro q tropeçou numa letra e tornou-se livre. profanado. os mistérios sem mandamentos. o divino sem deus. filhas de pai desconhecido. desafiando o bandido para uma partida de vídeo-game. mario bros. vamos achar o cogumelo escondido?! me ensina a andar de bicicleta sem rodinhas? ele solta sem eu perceber e bate palmas; me desequilibro. madames do abismo. sorrindo para um pai possível. para o impossível. para o precipício. gargalhadas do kaos. agudezas de violinos. vozes brandas, macias. tudo é calmo agora, como o vinho. pai, eu já sei falar, eu já sei dançar. tarde não existe. tudo são instantes vivos. me ensina a dançar palavras? inventa comigo? that is madame kaos.

9.7.11

Como a poesia é pouco explosiva, estou me aperfeiçoando na arte de criar bombas. Amarro-as ao corpo. Diversos materiais me servem. Tudo me serve. Só a poesia não serve pra nada. Pretendo explodir as palavras. Com tudo o que vou catando e amarrando ao corpo. É assim: você vê uma coisa. Se ela te chama, é explosiva, você pega. Muitas coisas não me chamam e não servem pra nada. São as coisas decorativas. Como a poesia. Já rasguei dinheiro, mas nunca queimei livros. Acho que ainda estou apegada às palavras. Como eu disse, estou me aperfeiçoando na arte de criar bombas. Ainda não sei muito bem. Invento na hora. Se não funciona, descarto. Desamarro do corpo. Deixo escorrer. Às vezes quando eu menos percebo a coisa explode sem querer. É assim mesmo. Estou em fase de testes. Acidentes acontecem. Já me explodi em várias partes do corpo. Eu me recomponho. Sou feita de alguma matéria esquisita tipo rabo de lagartixa. Foi depois que eu abandonei os sonetos pelos cianuretos. Percebi que eu só morria em versos. Eu morro muito em versos. Minha química é mais complexa. Chama-se vida. Essa coisa é mais explosiva. E eu tenho uma malandragem felina pra sair ilesa, e o resto pensar que são 7 vidas – é bem mais que isso! É rabo de lagartixa. Me divirto explodindo e refazendo. Ninguém acredita. Mas alguns estilhaços vão longe. E o boom da bomba pode ser ouvido. Quer ver só? Leia em voz alta: booomm... ouviu? Pra perceber tem que colaborar de alguma forma, senão a bomba não explode em você, e você não pode ter a maravilhosa sensação de rabo de lagartixa. Vou dar cursos e palestras gratuitos sobre o tema, porque eu sou boa. Será minha obra social. As pessoas precisam sentir a sensação de vida. Elas morrem muito, até fora dos versos. Fico pasma como as pessoas têm a capacidade de estar mortas, e até conversar com você. Exércitos de mortos me dão “bom dia” todos os dias. É preciso explodir, pra se refazer. Estou adiantando a matéria do nosso workshop. E eu nem pedi currículo e carta de intenção. Não quero ler. Traga-me materiais para bomba. Quaisquer. Já disse como se descobre um. Às vezes não é. Arrisque. Olhe em volta e pegue o que te chama. O resto é decorativo. Não perca muito tempo pensando. “Viver é respirar, pensar já é morrer”. E não interessa quem escreveu isso. É assim mesmo. Vamos começar com exercícios respiratórios, depois comer, e cagar – é preciso sentir-se corpo. Estou adiantando a matéria. Não é fácil chegar nessa síntese. Vamos com calma. Um cigarro e uma taça de vinho, porque está frio. Sente o frio? É corpo. O frio não existe, o que existe é a sensação do frio no seu corpo. Está mais claro? O vinho e o cigarro são materiais para bomba. Ou não. Mas para mim neste momento são. Depende do contexto, entende? Eu poderia dar aulas para crianças, sou tão didática! E crianças sabem fazer bombas com muito mais perspicácia. Ainda não foram tão bem treinadas na pacificidade. E o word me diz que essa palavra não existe, mas quer dizer o ato de ser pacífico, que é também um modo de ser passivo. O contrário de rabo de lagartixa. Bom, já me estendi demais e o tempo parece que está se esgotando. Gostaria de agradecer a presença de todos. Creio que nesta palestra pude apontar alguns conceitos-chave de nossa filosofia. Espero reencontrar alguns de vocês em nosso workshop, munidos do material didático, e principalmente disposição explosiva, que é o que conta. E – aqui vale citar o autor – como diria o Pernalonga: “That’s all Folks!”

4.7.11

ESSES PÁSSAROS MORTOS E OUTRAS PEDRAS AGUDAS



é que pássaros amanheceram cantando no meu peito
essa música aguda, fina, tão estridente, como uma dor
e eu que pus grades e cadeados e joguei a chave fora
eu que não gosto de pássaros enjaulados
eu que não gosto de ser acordada por canto de pássaros
no meu sono de 100 anos de buzinas, derrapagens e alta velocidade
por que você plantou esse pássaro pra definhar no meu peito?
eu que nunca lembro de regar as plantas
eu que dependo da água da chuva até pra chorar
que a terra dos meus olhos está seca, muito seca
que meus olhos são um imenso sertão de carcaças ao sol
que toda a minha água foi sugada por um bando de pássaros insaciáveis
que me fizeram de ninho antes dessas gaiolas
seu pássaro está morrendo e vai apodrecer aqui dentro
cercado por altos muros de pedra de torres longínquas
que meu coração é mais rocha que emoção
é preciso cavar um túnel com explosivos
e o pássaro já está exalando odores de morte
e os explosivos são dores menos agudas e mais fortes
e vão deixando buracos cada vez mais fundos
mas você não se importa com isso, não é mesmo?
achou bonito instalar esse maldito pássaro no meu peito
me colocar numa galeria ou no meio da rua
e dizer que é performance ou instalação
e posar de artista contemporâneo quando o corpo é meu
e eu queria apenas esculpir uma coisa bonita na minha rocha-coração
como um pássaro silencioso de asas paradas
aquele seu sorriso quando não havia nada a ser dito
meus olhos por trás da chuva disfarçando possíveis lágrimas
qualquer coisa bonita, parada e sem som de cantos ou de explosão
mas tudo é sempre movimento e som
e eu joguei a chave fora