29.6.10

"jurei mentiras e sigo sozinho"

invento mentiras
me cubro de enganos
me traio
eu troco os nomes
eu mudo as datas
escrevo cartas
para o endereço errado
invento um amor só pra me proteger
de mim, de mim!
do que eu não sei sentir
mas...
também não sei mentir
eu me flagro, eu me desvendo
rabisco de hidrocor vermelho
em cima do meu erro
blefes de amor não ganham jogadas
mas eu sorrio com as piores cartas
eu sorrio com a partida perdida
eu sorrio, falida.
esqueço que havia apostado a minha própria vida
mas eu cruzei os dedos
e a aposta era mentira
eu minto, eu minto muito
não conheço a verdade do que sinto
ou finjo que não - eu minto.
eu não quero
eu tenho medo
certas verdades
eu guardo de mim - até de mim!
em segredo
não me confesso
eu não quero ser refém de sentimentos
às vezes eu me freio
às vezes
eu penso
2, 3,... 10 vezes
eu me bloqueio
invento mentiras
e sigo sorrindo...

28.6.10

eu, essa menina

tem um sorriso de menino que me desconcerta
ele me sorri
e eu sou uma garota perdida
menina que ainda não aprendeu a lidar com meninos
eu sou aquela sentada no canto da festinha americana
de olhos baixos
sonhando com o dia que ele me tiraria pra dançar
olhos tão baixos, sonhando...
que se ele me olhasse, eu não perceberia
eu não saberia retribuir o olhar
pareceria indiferente, tão indiferente!
é assim quando ele me sorri
desejo tanto, que quase não consigo retribuir
falo rápido, falo coisas sem pensar
desvio o olhar
não sei onde pôr as mãos
vou embora rápido pra não me atrapalhar
perdida, perdida...
eu corro daquilo que mais desejo
não consigo telefonar
me sinto inábil pra escrever um e-mail
essa mulher, eu
forte, decidida, cheia de opinião sobre tudo,
segura de si, que ri na cara do mundo
e desafia deus e o diabo!
essa mulher, eu
desmoronada
atrapalhada
boba
subitamente adolescente
aos pés de um sorriso
um sorriso que apenas me sorri e me olha nos olhos
e que eu não sei retribuir
me pergunto se ele sabe que faz isso comigo
se não seria exatamente disso que ele ri
meu deus, eu já beijei esse sorriso!
estava bêbada e louca o suficiente pra me fingir de mulher
eu, essa menina
agora esse sorriso me escapa
apenas passa...
me transformando nessa coisa pequenina e frágil
desorientada
de olhos baixos
esperando que o menino cruze a pista
sorrindo, sorrindo, lindo!
rápido e decidido, sem me dar tempo pra pensar,
sem me dar chance de errar o passo
e me puxe desse canto
e me leve pra dançar...

6.6.10

CRIME DELICADO

ser livre é uma espécie de crime delicado
uma grave ofensa, um incômodo íntimo
para os que entendem seu recado
frente a uma pessoa livre
a que não se julgava presa
logo descobre em torno de si
todas as grades
e sente a liberdade como um guarda perverso
que balança de longe o molho de chaves
mas a liberdade não tem as chaves, nem vê as grades
a liberdade se balança ao sabor do vento
a liberdade dança
a liberdade é uma criança
a liberdade não sabe que ofende quando fala a verdade
apenas fala, com toda a sua infantil espontaneidade
ser livre
é receber a repreensão dos pais
é receber a repreensão de toda a sociedade
é ser julgado, condenado, ir para trás das grades
e ter o olhar espantado de quem não está entendendo nada
e mesmo assim, não ver as grandes, nem ter as chaves
apenas não entender o que essa gente diz com seus olhares furiosos
porque o crime não foi cometido
o crime é ser o que se é
é ter nascido livre e, pouco a pouco,
ter escapado de todas as armadilhas
e ainda estar livre quando todos já foram apanhados
o crime é ter escapado
é a fuga de uma prisão onde nunca se esteve
é ter estampado o rosto em cartazes de “procurado”
este é o crime delicado
por isso me querem numa prisão de segurança máxima
por isso me querem no corredor da morte
por isso me querem longe, não me querem
eu sou um mau elemento
eu sou péssima influência
eu sou a pior criminosa da face da terra
eu sou a que deve arder no fogo do inferno

a escória do mundo, a que deve ser estirpada
eu sou livre
e já perdi a ingenuidade de ser isto
ainda sinto uma dor de algemas em certos olhares
mas já quase não me espanto
e mais que isso
tenho encarado com certa serenidade
esses olhos gradeados
ando pulando muros
ando pichando muros
tenho derrubado muros
para uns dou um sorriso contemplando meu rosto em cartazes de "procurado"
não arranco mais cartazes
faço uma careta pra foto
e dou risada
isso me confere uma estranha liberdade, mais íntima, mais profunda
um crime delicadíssimo do qual ninguém pode mais me condenar
até disso, de um certo peso de ser livre,
eu tenho conseguido escapar...