30.8.05

Inverno da alma

Minh’alma corre branda
Nesta noite invernal
Silenciosa, sussurra-me algo ao pé do ouvido
Redobro a atenção para captar palavras fugidias
Que se perdem ao vento, rodopiam, evaporam sem adeus
E riem da minha tentativa vã
Esse sussurro doce e malévolo
Atormenta-me num segundo
Não entendo, meu deus, não entendo
Que me diz mi’a própria alma
Minh’alma corria branda
E agora se angustia
Atordoada, sinto pesar-me a fronte
Corro quente em mim
Piso em cacos que me talham a carne
Escorre-me um sangue grosso
Que me apavora
Apavorada, sinto pender-me o dorso
Numa tontura lânguida
Jogo-me para trás
Caio lenta em mim
Vejo-me estirada ao solo
Contorcendo-me, doída, medrosa, envergonhada
Dói-me a alma nesse sussurro infindo
Nessa sugestão inalcançável
Nessa ânsia insuportável de ser
Ouço um grito aterrador
Quem gritou?
Ninguém mais há neste perímetro
Além de meu próprio corpo contorcido
Em duro embate com minh’alma
Gritos e sussurros povoam meus tímpanos
De acordes magistrais
Já não sei bem de onde vêm
Se do fundo da alma
Ou das cordas vocais
Num corte profundo
Jorro o líquido da vida
E minh’alma corre livre
Ao encontro do infinito...

22.8.05

Notívaga

Já é mais de meia-noite
Um turbilhão de pensamentos me arrebata,
enquanto enrolo incessantemente os cabelos com as pontas dos dedos
Estou imóvel na escuridão do leito
Vez por outra, viro-me para o outro lado
Afofo os travesseiros
E volto a enrolar os cabelos
O mundo inteiro perpassa minha mente em segundos,
Mas estes parecem não passar
Passado, presente e futuros possíveis...
Fatos e ficções...
Tudo se funde em imagens e palavras
que povoam minha cabeça nesses segundos infindos
Os dedos frenéticos entrelaçados às madeixas
são o único movimento exterior que acompanha esse turbilhão
que me invade a alma sem pedir licença

Duas horas da madrugada
Penso que preciso dormir,
que tenho que acordar cedo,
que tenho que parar de pensar e de contorcer incontrolavelmente os cabelos,
relaxar, relaxar, relaxar...
E logo estou pensando nessa vida
que me leva a precisar dormir
na justa hora que me põe a pensar livremente...
E logo sou invadida por tantos pensamentos
que esqueço de dormir
Viro e reviro na cama
Meus olhos ardem
Minha alma arde
Minha cabeça pulsa
Tudo se agita dentro de mim,
acompanhado pelo gesto ritmado
das pontas dos dedos que acariciam
os pelos macios que me brotam da cuca fervente

Quatro e vinte e três
Como que sonâmbula,
ponho-me a vagar pelos cômodos da casa
à procura do sono que não me encontra
Encontro-me perdida em minhas próprias divagações
Não quero me encontrar
Não agora
Preciso fechar os olhos e não pensar em nada
Deixar de existir por algumas horas,
para uma existência tranqüila na manhã que se aproxima
A manhã se aproxima
Um amanhã que é ainda hoje
Os primeiros sinais de sono vêm acompanhados
dos primeiros raios da aurora
Nem ouço o primeiro galo cantar
No meu apagar da consciência

Toca o despertador... Sete horas
No mundo embaçado que se ergue diante de mim,
existo mecanicamente
Quase não existo
Sou uma sombra
Estou sonâmbula
Transitando por um mundo sem vida
Tão diferente do que me percorria
quando eu era na madrugada!

21.8.05

No âmago de uma paixão...

“Onde aprender a odiar para não morrer de amor?”
(Clarice Lispector)

Não conseguiste viver
A espessa paixão que dediquei a ti
Levei meus olhos ao encontro dos teus
Que desviaste para o teto ou para o chão
Fixaste o horizonte e seguiste teu solitário rumo
Tomaste meu corpo de um só gole
Mas não suportaste o peso de minha alma
A ti, entreguei meus versos, meu ser
Não soubeste simplesmente ser
Não contemplaste por um segundo sequer
A beleza de uma entrega abnegada
Recusaste, sem te dares conta
O que há de melhor em mim
O que só a ti poderia dar
O que se perdeu ao vento
Do meu abandono total
Ao teu desinteresse atroz
Agora, entregue à melancolia
De quem viveu demais, amou demais
Foi a própria essência de uma paixão
Boiando no ar da indiferença
Mergulho na solidão
E me entrego a mim
Vivo, lésbica de mim mesma,
Toda a densidade de uma alma intensa
Que contigo impulsionei-me a partilhar
E arremessei ao encontro de teu vulto inerte
Com toda a ânsia de meu instinto feroz
Entregue ao vendaval de um vazio
Numa brisa leve retornou
Ao âmago de minhas entranhas
Onde habita a imensidão
Onde reluz a escuridão
Onde tudo se mistura a um gosto agridoce de vida e morte
De tudo ou nada
De antes, agora e depois
De ser ou ser, eis a questão!

19.8.05

Tem-me em tuas mãos!

“Todo amor é eterno. E se acaba, não era amor.”
(Nelson Rodrigues)

Tenho os beijos de inumeráveis bocas
Olhos e olhares e arrepios fugazes
Toques excitantes, carícias loucas
Que quero de ti e não me fazes...!

São muitos os que deitam em meu leito
E se deleitam em minha carne intensa
Têm-me inteira e plena e, com efeito,
Nada têm de mim que não te pertença

Queria dizer-te: toma meu corpo que minh’alma é tua
Abandonar-me em ti, ardente e nua
Sentir que tuas peças me completam

Não sei como falar e então me calo
Distante estou de ti e sem teu falo
Deslizo em tantas mãos, que não me pegam...

Rito do adeus

"Nos curtos meandros do longe
os olhos são feitos de rio."
(José Kleber)

Ainda te sinto entre minhas pernas
Meu ventre ferve contraindo-se em êxtase
Ainda sinto tuas mãos frias que me aquecem,
me descobrem, me penetram
A boca aflita ainda aguarda o beijo
Guarda os beijos vorazes, voluptuosos
Vestígios de ti em mim
Sinais de ti marcados a ferro e fogo
ardem em dor e desejo
Ainda me vejo refletida em tuas retinas
Teus versos ainda ecoam em mim
Tua língua me arrepia a pele
Tua voz me arrepia a alma
Tudo se eriça em mim na lembrança de nossos instantes...
Tão vivos ainda e já tão distantes
Num derradeiro gesto, ainda nos vejo, nós
Mãos vazias se acenam “tchau”
Olhos se olham “será?”
Resta na boca um gosto de doce roubado que se acabou...

Explosão!

“Odeio-te!
Desprezo-te!
Não te quero ver
nunca mais!”
Por que não agarras logo
meus braços com força
e beija-me como nunca?
Desliza tuas mãos pelo meu corpo
Agarra-me os cabelos na nuca
Pendendo levemente minha cabeça para trás
deixando minha boca ainda mais aflita pelo beijo
Levanta minha coxa e encaixa-te em mim
Esmagando meu corpo quente
contra a parede fria
Revela-te vampiro em meu pescoço
Mostra-te gato em minha pele
Tem-me toda tua, toda nua
Cala a minha boca agora
Que dela sairão apenas
gemidos entrecortados pela respiração ofegante
E no suspiro após o gozo, “eu te amo”!

12.8.05

Numa noite qualquer...

Numa noite qualquer
Alguém pede “mais uma”
Eu peço “uma caneta, por favor”
Tento capturar a poesia de um instante
Que corre livre em mim, rodopia, se esvai
Retenho uma palavra-chave
Desenho um pensamento fugaz
Transponho uma sensação qualquer
Tomo um gole, fumo um trago
Paro por um segundo e vejo-me num ambiente transformado
Transtornada com ruídos que já não sei bem de onde vêm
Movimentos de copos e cacos de gente
Sorrisos borrados, rostos transfigurados
Um mundo fora de foco
Ambienta os rabiscos do que me vem de dentro
Olho o guardanapo molhado
Encho-me de lágrimas presas na fonte
Que não me escorrem na face
Retornam à nascente
E voltam na forma de um novo verso
Vejo-me sozinha em meio à multidão
Povoada por mil de mim
Deslizando ardente a caneta sobre o papel
Na tentativa vã de reter um instante infindo
Que se desfaz e se refaz a seu bel prazer
Não deixando-me saída que não a de ser
O próprio elo translúcido
Entre o etéreo instante poético que brota sem mais nem porquê
E a concreta poesia que surge num guardanapo sujo
Sob ímpeto do meu querer...

Folhas ao vento...

Lanço ao vento estas folhas
Sem saber onde vão dar
Amedronta-me perdê-las de vista
Mas não posso mais reter
O que me veio livre e me vai leve e solto...


Voa ao vento, folha breve
Sente a brisa que te leve
Pisca ao olho do furacão
Corre contra o vendaval
Nunca deixa de voar...


Contigo, me levas um pouco
São minhas essas asas que agitas
Pelos ares do mundo
São minhas essas águas que brotam
Em olhares profundos
Minhas as paixões e angústias
Meus os fatos e ilusões


Não te preocupes:
O que carregas de mim
O tenho de sobra
Leva-me, que me fazes voar contigo!

1.8.05

O verdadeiro mergulho...

Eu menti. Foi um belo salto para uma principiante. Mas não, eu não mergulhei de verdade. Estou apenas boiando, boiando, boiando... Nessa imensa superfície espelhada em que me encontro. Águas verdadeiramente turvas distorcem aquilo que espelham. E é nessas que devo mergulhar mais fundo... Nesse oceano que sou eu... No mar revolto de meus pensamentos... Nos redemoinhos que me afundam e na maré que me cospe na praia... Nas ondas que quebram em mim e me quebram por inteira... Nas âncoras que atiram para me parar... Nas tempestades que me põem em movimento feroz... Na calmaria angustiante de dias sem graça... Na maresia anestésica de dias sem rumo... Na terra à vista de dias esperançosos no mar sem fim... No mar de mim. Mergulho. E devo dizer que não estou pronta para o que vier...

Mergulho na virtualidade 2

A água é muito fria... Inclino-me levemente para frente e vejo-me refletida em sua superfície. Mas essas águas turvas de superfícies espelhadas amedrontam-me. Não posso ver o fundo. Hesito por um instante. E se eu não mergulhasse? Não sentiria frio nem medo do desconhecido. Mas talvez não tivesse a alegre surpresa de lá no fundo descobrir uma pérola escondida dentro de uma concha... Quem sabe?! Tomo fôlego e mergulho de cabeça, pronta para o que vier...!

Mergulho na virtualidade

Primeiro, molho as pontas dos dedos dos pés, para sentir a temperatura da água.