31.3.12

DELICADEZAS

uma coisa delicada
muito delicada
uma porcelana azul
nem encoste
se não é capaz de sentir
o peso da delicadeza perdida
toda asa tem seu peso de ar

26.3.12

Eu gosto das aberturas que cabem na palavra talvez, do gesto incerto do não sei, da grafia curva das interrogações lançadas no espaço... e ah!, as reticências... como eu as exclamo! as possibilidades... nada é impossível. as possibilidades, meu bem, as possibilidades... o infinito agora me pertence porque eu também me constituo das minhas faltas; porque disso eu sei e não sou nada. eu vou sendo... mais que definição, ser é um verbo de ação. eu vou sendo... no terreno das possibilidades... brincando de montanha russa nas curvas das interrogações... ainda assim eu vou sendo muito concretamente. entenda que não saber é um gesto e o talvez uma abertura no espaço, como um convite ao salto; nada é paralisia. em toda palavra minha há movimento. tudo se move, me move, co-move... eu vou sendo............................

19.3.12

Eu tive um sonho ruim e acordei chorando... Lembrei da música do Cazuza. É assim mesmo, como não saber as cores e as coisas. Como não saber. Será que você ainda pensa? Se eu te dissesse "eu tive um sonho ruim e acordei chorando, por ISSO eu te liguei", você não ia acreditar no sonho. Eu quase não acreditei. Eu mesma não poderia ligar. O sonho era muito real. Ainda é. Estava tudo bem e de repente, eu estava sozinha esperando você. E tinha tigres e outros bichos enormes e esquisitos, e eu com muito medo, levada no colo de um amigo sem querer botar os pés no chão. E eu com muito medo e os pés descalços, e os sapatos na boca do tigre, e era madrugada, e eu não sabia como voltar pra casa, assim, com os pés descalços, assim, sem você. Permanecia sentada na beira da escada, sozinha e descalça, enquanto as pessoas passavam por mim a caminho de suas casas. O tigre era muito real, por ISSO acordei chorando. Eu poderia dizer... Mas a realidade do sonho era a tua ausência. A realidade do sonho era a nossa felicidade antes da tua ausência. A realidade do sonho era agora o meu medo, a minha angústia, minha impotência. Quando enfim você chegava, tranquilo e sorridente, sem nem se dar conta do que se passava comigo... quando enfim chegava distraído, como se nada tivesse acontecido, eu corria para o banheiro para cuspir alguma coisa que eu mastigava e mastigava sem conseguir engolir. Eu me trancava no banheiro sem conseguir nem te olhar, apenas com essa necessidade de cuspir toda aquela massa que me entulhava a boca. E eu cuspia, e cuspia... e nunca terminava de cuspir... e acordei chorando. Não, não te liguei. Não sei quais são as cores e as coisas, nem sei ver no escuro do mundo. Mas nem por um segundo, nunca te odiei. Apenas quase sufoquei sozinha com aquela massa que me entulhava a boca; quase sufoquei sozinha com isso que eu chamaria amor.

9.3.12

Quando canso de ler sobre arte e filosofia, leio um pouco de poesia... que não deixa de ser uma forma de arte e filosofia... só que não enrijecida pela academia. Eu sempre compreendo melhor as imagens poéticas. Elas me falam em um outro lugar, no estômago, ou na pele, sei lá...  cada hora me pegam num lugar diferente. E talvez eu compreenda porque deixo me pegarem no lugar certo, no lugar que elas escolhem e invadem e preenchem e reviram e vazam e etc.; e não só esse monte de coisas para ser enfiada dentro da cabeça. Eu também penso com os pés, eu também penso com o ventre.... eu penso com o corpo todo! Esse é o meu modo de pensar poético, o meu olhar poético sobre o mundo; um olhar que não se localiza nos olhos, um olhar felino que mobiliza todo o corpo para o bote, e que está lá, pronto pra saltar, espiando por trás de tudo.

8.3.12

Dia da Mulher

O Dia da Mulher é importante não como um único dia para sermos lembradas. Sim, todos os dias são nossos, todos os dias são importantes para expressarmos a nossa liberdade. Hoje é um dia que marca a luta da mulher pela sua emancipação, por igualdade e respeito. Não é dia de flores e galanteios, é dia de luta. É pra lembrar que não, não está tudo muito bom, tudo muito bem. Que ainda tem muita mulher que toma porrada do marido; que ainda tem muita mulher que permanece calada; que ainda tem muita mulher que vive aprisionada pela moral e bons costumes machistas que ainda estão impregnados na nossa cultura e sociedade; e que ainda tem muita mulher que é discriminada pelo simples fato de ser livre. Já fui chamada de piranha a louca, e eu sou apenas isto: livre. Se for para me dar parabéns, que seja pela minha liberdade, pelas nossas lutas e conquistas, e não pelo simples fato de ser mulher. Eu sou feminista, e é preciso que se entenda que o feminismo não é um machismo às avessas; é uma afirmação de liberdade, é uma exigência de respeito, é uma urgência de igualdade, é uma luta diária que não se expressa apenas por belos discursos, mas acima de tudo pelo nosso modo de ser e agir no mundo.
Todos os dias são nossos.
Pego os dias com as mãos
e os torno meus.
Reviro as horas por dentro,
e cada minuto, cada segundo,
torno meus.
Transtorno o tempo
com a minha passagem pelo mundo;
reinvento.
Ser doce não é ser dócil.
Há o mel e a fera
ao mesmo tempo,
agora,
dentro de mim,
saltando pra fora.
Um modo de escapar das grades
é ser líquida.
De cada mão que me pega,
eu escorro.
E tenho um tipo de asa
para cada vôo.
Uma casa construída dentro
pra escapar de alguma chuva.
E toda essa rua..., e toda essa vida...,
para ser eu,
ser infinita.


Obs. Foto de Layana Lossë, em ensaio para o meu livro "Esfinge".

5.3.12

no zero zero, lado a lado, com mano a mano: kaos e coisa e tal



obs.: a casa abre às 19h30, mas o show só começa às 22h
ou a gente quebra o silêncio
ou o silêncio quebra a gente

sonhei que estava no banco dos réus esperando um veredito
mas sem júri ou juiz e o tribunal vazio
ninguém para esclarecer meus crimes

sonhei que interpretava um monólogo com maestria
no teatro, no lugar das cadeiras, havia buracos cavados
ninguém me via, ninguém me ouvia

já reparou como os sonhos são silenciosos?
sequências de imagens sem palavras

em todos os meus sonhos, sonho a mesma coisa: o silêncio.

acordo sempre atravessada pelo silêncio
e ao dormir é ele que canta em meus ouvidos

acordei hoje com essa frase na cabeça:
ou a gente quebra o silêncio
ou o silêncio quebra a gente

muitas vezes a dor é grito, barulho ensurdecedor
aí a gente grita de volta e as coisas vão se pondo em ordem
até ser conversa amena
até não ser mais dor

quando a dor é silêncio
uma sensação amarga de aperto
se propaga

estou com essa frase martelando na cabeça:
ou a gente quebra o silêncio
ou o silêncio quebra a gente

estou falando para ouvidos surdos e bocas mudas
tipo um sonho esquisito,
com um enorme ouvido e uma enorme boca flutuando
e todo aquele silêncio
e sinais desesperados com as mãos
mas não há olhos pra ver

já nem sei mais se há algo a dizer.

mas me veio essa frase à cabeça:
ou a gente quebra o silêncio
ou o silêncio quebra a gente

e eu a repito como ela se repete em mim,
como um mantra
ou uma oração
lançados a um céu sem deus
como quem reza sem crer
só pra não perder a esperança
de que alguém do outro lado do além
possa te ouvir

ou a gente quebra o silêncio
ou o silêncio quebra a gente

eu repito como um louco que fala sozinho
e que jura ouvir vozes, muitas vozes
e que isso é o que lhe sopraram no ouvido
como um louco que não suporta o silêncio
e desanda a falar sozinho

eu repito como um louco, como um mantra
como um sonho, como um deus
eu repito em voz alta para quebrar o silêncio
mas é o silêncio quem quebra a gente.