31.10.08

EPISÓDIOS ONÍRICOS


sonhei que meus olhos sangravam
na verdade era só um deles, acho que o da direita, ou da esquerda, não sei, os lados se invertem no espelho
o sangue parecia sair da retina
era um sangue grosso e lento, não era um jorro
não lembro se tinha dor, mas sei que eu sentia um horror de perceber um olho que sangra

certa vez sonhei que meus dedos caíam, um a um
eles simplesmente se desprendiam da mão
e eu observava com a maior placidez
sem me dar conta de que, nossa, meus dedos estavam caindo!
depois de caírem uns três é que me caiu a ficha: eu não podia deixar meus dedos caírem assim
aí tentei segurar com a outra mão
e foi só aí que eu senti dor
foi só quando percebi e tentei impedir

eu tinha sangue saindo por um dos olhos e não tinha dor
e o sangue não atrapalhava a minha visão
lembro que em algum momento eu também tinha sangue na boca
como se algo tivesse arrebentado dentro de mim
e o sangue buscasse por onde sair...

talvez deva apenas estar preparada pra me deixar sangrar com calma
pra sentir o paladar desse sangue como uma criança que lambe a ferida
muitas coisas já se desprenderam de mim como aqueles dedos
algumas naturalmente, como se não me fizessem falta
outras com muita dor, a tentativa de reter, a certeza de não poder viver sem elas
sim, já senti muita dor, já vi muitas coisas me escaparem entre os dedos, como se me escapassem meus próprios dedos e a possibilidade de segurar
hoje tenho muitas coisas nas mãos e pouca vontade de chorar
mas há um olho que sangra
que eu não posso estancar

dias depois
sonhei que catava morangos no fundo do mar
os morangos estavam de molho
e eu precisava mergulhar fundo, fundo, quase perdendo o ar
depois trazia os morangos à tona
colocava em algum lugar
e voltava a mergulhar
é assim meu mergulho no mundo
eu cato morangos no fundo do mar

depois voltei a sonhar no mar
era... um navio virado
eram... pessoas brigando
e eu não sabia por que
eu estava perdida entre aquelas pessoas
eu não sabia o que eu fazia ali
aí eu mergulhei
revirei umas coisas no fundo do mar
encontrei uma chave
aí eu percebi que as pessoas brigavam pela chave
eu encontrei a chave e escondi comigo
eu tinha a chave pela qual as pessoas brigavam
mas eu não sabia pra que usar
depois eu estava comendo uma torta de morango
não sei como fui do mar aos morangos da torta
nem sei que fim levaram as pessoas que brigavam
mas eu tinha a chave do fundo do mar
e os morangos eram deliciosos

27.10.08

Batuck das Artes na UNIRIO

ESTE SARAU FOI ADIADO. AGUARDEM A NOVA DATA...

Tô organizando este sarau com a minha turma de Teatro da UNIRIO: Batuck das Artes, dia 31/10, sexta, a partir das 18h, no Jardim do CLA. Pra quem não sabe, a UNIRIO fica na Urca, Av. Pasteur, e eu não sei o número, mas tem placa indicando a entrada. Vou fazer uma performance de poesia e gaita com Betina Kopp e Oswaldo Coyote. Trabalho inédito! Vale a pena conferir...

Começou, e agora?

ADVERTÊNCIA: Este texto não é uma crítica, é só uma necessidade de expressão.

Não costumo ler críticas nem me deixo influenciar por elas. Prefiro tirar minhas próprias conclusões. Pois bem, nem faço idéia do que a crítica falou sobre “Ele precisa começar”. Fui assistir à peça porque a proposta me pareceu interessante – e de fato é. O ator com pleno domínio de todas as funções criativas do espetáculo, texto, direção, atuação, luz, som; e partindo do seu próprio processo de criação. Não tem nenhuma grande novidade aí (e onde é que tem?), mas isso me interessa. Mas se por um lado a concepção do espetáculo me despertou interesse, por outro achei o conteúdo um tanto raso. É o próprio ator, Felipe Rocha, num quarto de hotel, escrevendo o texto da sua peça. Isso poderia levar a muitos lugares ou a lugar nenhum. Nesse caso, levou a muitos lugares e a lugar nenhum. É uma necessidade desesperada de expressão - muito compreensível, aliás, na nossa geração - e algumas boas tiradas cômicas. Mas esse “querer falar” é ao mesmo tempo um “não ter nada a dizer”, e é aí que a coisa toda se perde. Porque querer falar sem ter o que dizer acaba soando como uma simples necessidade de aparecer – também muito compreensível na nossa geração “Big Brother”, mas pouco louvável. Esse processo de construção do texto que o ator/autor põe em cena é interessante, mas é diferente querer dizer alguma coisa e não saber como, buscar meios de se expressar, descobrir outras coisas pelo caminho, se desviar, voltar... e querer dizer qualquer coisa só pra ter o que falar! Eu fiquei angustiada com essa tentativa desesperada do ator de falar sem ter o que dizer, crendo na possibilidade de ser surpreendida com uma crítica. Com um comentário final que denunciasse o absurdo daquela situação. Como em “Dinheiro grátis”, de Michel Melamed, em que o ator submete o público a uma série de jogos de compra e venda, em que o público paga por uma declaração de amor, por um trago no cigarro do ator, por uma série de coisas que o ator propõe em cena, e no final queima o dinheiro todo, dando um sentido de crítica àquela brincadeira, a todas aquelas transações comerciais realizadas no espetáculo. A peça não diria tanto sem aquele comentário final. Em “Ele precisa começar”, a peça fala, fala, e não diz nada. Felipe Rocha chega a propor que nós, espectadores, estaríamos nos perguntando qual o interesse daquilo tudo. Acerta. As pessoas riem da piada. Essa autocrítica em tom de piada me lembra tanto Jô Soares quando faz uma piada sem graça... Aí ele dá um jeito de arrancar risada fazendo piada do seu próprio ridículo. Talvez ainda fosse pior, aquela autocrítica de quem quer receber elogio. Não sei. O fato é que não me parece nenhum dilema existencial real, nenhum questionamento sério sobre o sentido daquilo tudo. Apenas um comentário engraçado perdido no meio de tantos outros, amarrados por esse desejo de se expressar sem ter o que dizer. Eu sempre acho que, nesses casos, é melhor ficar calado. Mas admiro a coragem do ator, ele encarou a fera que o perseguia em seus sonhos. Ele precisava começar e começou. Só não sabia pra onde ir, andou em círculos e não chegou a lugar nenhum. Não conheço bem a trajetória do ator, e não tenho nenhuma pretensão de julgá-lo por esse trabalho; aliás, gostei dele como ator, não gostei foi do autor do texto (que por acaso é ele mesmo). Torço pra que no próximo trabalho ele ao menos tenha idéia de onde quer chegar, mesmo que dê em um lugar totalmente diferente. Tenho certeza que seus passos serão mais seguros, e acompanhá-los uma experiência bem mais interessante.

16.10.08

Ismália

Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

14.10.08


tá uma lua incrível da minha janela
redonda, solene, sumblime
rodeada por uma auréola dourada
com umas nuvens rasas ao fundo
de um azul opaco contra o azul escuro
assim não dá!
eu querendo dormir e essa lua me tirando pra dançar...


2.10.08

Cléo de Páris, sem rede de proteção

A atriz Cléo de Páris, da Companhia de Teatro Os Satyros, postou um texto lindo sobre teatro no blogue dela, http://pueril.zip.net/, que eu copiei e colo abaixo:

sem rede de proteção

sempre nas entrevistas tem essa pergunta: qual a diferença entre teatro, cinema e televisão?a resposta pode ter mil explicações, são veículos diferentes, o teatro é onde o ator tem mais domínio, a troca com o público é incrível... eu concordo com tudo isso e discorreria um tempão falando dessas diferenças, dos abismos que separam as linguagens. mas nunca me fizeram essa pergunta. porque, primeiro, não sou famosa, segundo, não faço tanto cinema e fiz pouca televisão. se me perguntassem, eu sei o que diria, eu diria assim: o teatro não tem rede de proteção.é preciso amar o risco pra escolher ser um ator de teatro, um diretor de teatro, um figurinista, um cenógrafo, um contra-regra, um bilheteiro. é preciso abandonar coisas, estar naquele lugar naquela hora que o jornal indica e não importa se 1.000 pessoas vão sair de suas casas pra ficar numa sala escura fechada esperando maravilhas de você ou se serão 5 pessoas. não importa. importa que você vai sair de sua casa nesse dia, durante meses, nessa hora, com vontade ou sem, gripado, triste, preocupado, aflito, desiludido, você vai sair no meio de uma tempestade ou na noite mais linda da primavera, vai desligar a tv, apagar as luzes, pegar um ônibus, vai dizer oi pra seus companheiros, vai sentar na bancada, transformar seu rosto, vestir uma roupa que nunca estará no seu guarda-roupa, mas que fará parte da sua vida pra sempre, e vai fazer de um tudo pra maravilhar 1.000 pessoas ou 5 pessoas.e você só tem aquela chance, nunca mais. o outro dia vai ser outro, serão outras as pessoas, será outra sua energia, pode quebrar o zíper do vestido, pode faltar luz, pode inundar a cidade, pode dar tudo mais certo,pode dar tudo mais errado, nunca se saberá, o momento é só agora, o teatro é só agora.meus amigos próximos não gostam muito de ir em estréias minhas. eu sei como é, fica aquela vontade de que tudodê certo, de que as pessoas gostem, de que o amigo mesmo goste e saiba o que falar.mas tenho um amigo que não vai nunca a meus espetáculos! "por quê?" eu quis saber. "porque eu sinto medo por você", ele disse, "parece que vou te ver com a cabeça na boca do leão, vou ficar tenso demais." entendi, claro, e não cobro sua presença apesar de ser ele um amigo muito especial. ele vê meus filmes, que já estão prontos há tempo, vê coisas que saem na mídia a meu respeito, provavelmente leia esse texto mas na hora da peça, ele sabe que se eu escorregar do trapézio, não terei rede. ele sabe que alguém pode atender o celular, que um bêbado pode invadir o palco, que o salto do meu sapato pode quebrar (como já quebrou!) que a cortina do cenário pode cair (como já caiu!)... ele sabe e eu sei que é um completo absurdo o que eu faço, que é estranho uma pessoa não ter fim de semana, Páscoa, Carnaval, trabalhar doente, ter medo de chorar na hora que não pode, ter medo de não chorar na hora queprecisa, ter medo de branco, de soluço, de gaguejar. mas ele também sabe e eu também sei que não seria feliz sem tantos sonhos e que eles, os sonhos não precisam de rede de proteção.

1.10.08

o que é saudade? (uma história de amizade)

Dei uma editada em dois e-mails que escrevi esta semana pro meu amigo Gean Queiroz, que está em Boa Vista, e embora fora do meu campo de visão, anda sempre saltitando no meu coração! Tirei só o que tinha de mais pessoal, o bate papo. O resto é saudade...

PARA GEAN QUEIROZ

Gean, meu lindo, minha coisa gostosa, meu tudo de bom, tô morrendo de saudade de vc, dos nossos papos, das nossas poesias, das nossas noites, dos nossos dias amanhecendo, das nossas praias, e até das piscinas! rs... Saudade de passar o dia com vc vendo filmes no DVD... Saudade de não fazer nada, e até não falar nada, mas ter do meu lado a sua presença iluminada... Saudade de ouvir seus versos e sua conversa... Saudade dos nossos planos de cinema... Saudade de andar com vc entre os loucos, entre os presos, entre os poetas, e saber-se poeta louco por liberdade... Saudade de toda a loucura e de toda a realidade... De cruzar com porcos atravessando a rua no meio da cidade... De andar perdido pisando pedra em Paraty na madrugada... De fazer piada de tudo... De falar sério de tudo... De querer abraçar o mundo... De rir e de chorar... De ser e de estar... De ter vc por perto.

Ai, Gean, tenho tanta saudade de vc que tenho saudade até do que a gente ainda não fez! Daquele fim de semana que a gente planejou e não foi pra Lumiar, das tardes que a gente não passou cozinhando aquele super almoço pra comer no jantar, dos dias que a gente não acordou cedo pra caminhar pela praia, de cada take do filme que a gente não filmou, e até das nossas trepadas! rs... Vou tentar te escrever com mais freqüência, que é uma forma da gente se manter conectado, apesar da distância, pq a alma não conhece quilometragem nem estrada, e a minha tá sempre bem perto da tua! Enquanto eu te escrevo, ela tá do teu lado, e te faz um cafuné nos cabelos...




ps. as referências são, claro, super pessoais, então, como diz Clarice: "Não se preocupe em 'entender'. Viver ultrapassa todo entendimento".