31.1.11

o que eu chamo de "pequenas mortes"

esse sono sem sonhos me mata
um desespero de paralisada
enquanto me dançam os fantasmas
o grito parado na garganta sem voz
as pernas sem movimentos, os braços
os olhos arregalados por dentro
os berros por dentro
e toda essa angústia de não ser ouvida
de estar como morta vendo o próprio corpo
subitamente sem compreender
que já não se pode voltar pra casa
essas pequenas mortes me matam
pra onde me arrastam?
é como um pesadelo sem dormir e sem poder acordar
é como uma marionete conduzida por mãos invisíveis
- muito assustador -
eu rezei para os anjos
eu restei acordada
eu tenho medo dessa coisa que eu não sei o que é
nem como parar
muito medo de dormir e não conseguir voltar
eu não sei pedir calmamente
que esses monstros parem de me assombrar
e quanto mais eu grito
- silêncio -
mais eles dão risada
e me deixam em estado de espera
entre a vigília e o sono
entre a vida e a morte
entre o dentro e o fora
no vazio, no limbo
nesse estado de entre
sem saída
eu preciso de remédios pra dormir
ou remédios pra acordar
remédios pra qualquer lugar seguro
- qualquer coisa com jeito de cura -
e uma luz sempre acesa
pra assustar o meu medo do escuro

exorcismo

eu arranco os cabelos
da minha cabeça
eu arranco os cabelos
do meu coração
eu arranco os cabelos
das minhas pernas
e dos meus abraços
e dos meus beijos
eu arranco os cabelos
como quem se depila
de todos os pêlos
de todas as peles
de todos os nervos
de você
minha pequena fábrica de desesperos

30.1.11

onde os pés apertam os sapatos?

você e seus vulcões extintos
e todo esse naufrágio sem ritmo
esse meu ar vazio de pulmões...
(e onde, afinal, os pés apertam os sapatos?)
você me joga contra a parede
sem me tocar as mãos
fuzilamento por dentro
- implosões -
(pés apertados machucam os sapatos
- você não sabia?
doem meus saltos, doem muito meus saltos
altos e baixos
doem muito esses altos e baixos)
e esse seu medo de labirintos
que não tem limites
em que linhas retas você se perde?
nem todos os passos perdidos na areia da praia são meus...
- eu apenas perdi meus pés -
não tenho mais a marca dos meus passos atrás de mim
para onde você levou as minhas pegadas?
onde os meus rastros?
onde os meus restos?
onde meu rosto de espanto? de prece?
onde meus hinos? as minhas certezas?
onde você me esquece?
ONDE VOCÊ ME ESQUECE?

27.1.11

há fetos partidos...

agrupamento de individualidades
um resultado estético bacana
onde os afetos? onde há poesia?
lágrimas sem lenços, fetos ao relento
muita falta de azuis e de pássaros
abraços, margaridas e areia branca
muita falta de cabelos embolados, pipoca e balanços
uma falta danada da luz da manhã
uma falta mesmo da própria falta - desejo de excessos
desejo do próprio desejo
uma borboleta pra cada,
e um arco-íris pra quem chover
tapinhas nas costas amassam as asas
beijos voadores
não cantam em gaiolas


ps. poema q brotou de um e-mail-desabafo enviado para um coletivo de criação teatral do qual participei no ano passado. o título é uma referência a um trabalho em processo da minha amiga artista plástica Maysa Britto, chamado "Afetos partidos".

FOTO DE VITOR VOGEL

desespere

você quer pedra
eu sou vidraça
quer passarinho
sou tiro de canhão
não venha fazer arruaça na minha porta
que eu meto o carro na contramão
não espere nada de mim
des-espere, baby
desespere

21.1.11

17.1.11

Tia Didi *

eu te vejo levantar dessa maca
e sair andando
e chegar lá em casa
com uma bisnaga quentinha
pro frango de domingo, pro pudim de leite,
e pra umas tantas risadas com a gente
eu vejo você zangar comigo
porque eu sou muito desobediente
e eu até fico contente com isso
eu juro que obedeço a minha mãe
se você voltar a se zangar comigo!
mas você apenas olha e esboça um sorriso...
apenas olha e respira com dificuldade
e com esse monte de fios
o seu fio de vida nos gráficos ao lado da cama
esses apitos me assustando
e esses cabelos tão brancos, tão lisos
eu te vejo chegar lá em casa
com os cabelos pintados e lindamente escovados
seus colares, seus brincos,
suas roupas coloridas,
sua alegria, toda a sua alegria
pro nosso chester de natal
pro nosso almoço de domingo
eu te vejo chegar lá em casa
num dia de semana qualquer
com a TV ligada na novela das 7
perguntando quem é quem
os personagens, a trama
e por que fulana traiu sicrano
e como tal atriz engordou, nossa senhora!
e meu deus, a euforia no aeroporto,
na sala de espera:
-“Maria Bethânia, cadê Caetano?!”
e a gente meio adolescente meio envergonhada
dando graças que você não tinha notado
a Bibi Ferreira ali do lado
como eu queria achar graça disso com você agora!
rir de você, da minha vergonha,
rir com você.
e te agradecer aquele robozinho que você me deu
num aniversário de criança
a coisa mais ultramoderna dos anos 80 e tal
que eu queria tanto sempre que aparecia no comercial da TV!
a festa inteira, em todas as fotos, eu fiquei abraçada ao robô
eu queria te dizer que foi o meu melhor presente...
queria mostrar aquela foto
que está na cortiça do meu quarto
pra você.
eu desmontei o robô no dia seguinte
pra construir uma super babá-robô
como a do desenho dos jatsons
e depois não sabia mais como ligar as peças...
e eu só queria saber ligar as tuas peças
eu, que não sei nada de preces.
de medicina, de eletrônica, mecânica...
não sei nada de fazer funcionar algo ou alguém
de reconstituir a vida.
mas eu te vejo entrando por aquela porta
fazendo algazarras de “bom dia!”
e dando ares da avó
à minha tia.
tenho muitas saudades da minha tia
ativa.
eu ainda te vejo entrar por essa porta, agora,
com todo aquele excesso de vida
que agora te sopra baixinho no ouvido.
- volta...

* minha tia tem mal de alzheimer e está no CTI por conta de uma pneumonia

16.1.11

torpedos

ou vc é um idiota
ou é muito canalha!
ou me perde (de graça)
ou ganha outra. (-será?)
nos 2 casos, um babaca.
não entendi tua reação aqui.
achei q vc vinha pra ficar comigo...
não era isso, veio pra que então?

vc devia pedir “perdoa-me por me traíres”,
não se deixa uma mulher sozinha
como vc me deixou!
pode vir buscar sua mala...

leva todas as tuas tralhas!
e esses cabelos enrolados no meu lençol...
por que deixou esses cabelos enrolados no meu lençol?
não se preocupa, meu bem,
vou trocar a roupa de cama.

já tirei teu cheiro do meu corpo,
confundindo com outro corpo.
e “te perdôo por te trair”.

vc sabe q sempre pode me ligar
quando voltar aqui -
nunca soube contigo o som do “não”.
só q meus passos não são mais correria
na sua direção.
não são mais correria...
ando de pernas pro ar,
e sempre há alguém pra massagear meus pés
e sempre há alguém
e sempre haverá.

PRÓXIMA PARADA

13.1.11


"venha para o mundo de marlboro"

7.1.11

pés na estrada, 4 rodas e todo o resto...

a dois passos da estrada
o motor ligado
pisando fundo pra desacelerar a alma
o som no volume máximo
tem muita coisa pra ser silenciada
são as mesmas músicas, as mesmas músicas, sempre repetidas
todas as estradas são a mesma estrada
uma fuga & uma busca desesperada
o mesmo chão de abismos comendo poeira
toda a água do mundo é a mesma cachoeira
todo o sal o mesmo mar
isso não é razão pra não mergulhar
sempre fundo mais
no mundo
e se todo céu tem cor de infinito
por que brilham mais as estrelas do deserto?
na verdade não me importam os porquês
só quero as cores e os improvisos
eu me respiro na terra molhada
como me respiro na fumaça
e num ou noutro nunca o mesmo cheiro
as estradas são as mesmas
é a gente que muda o jeito de respirar poeira
o jeito de morder - voraz ou calmamente -
fatias de imensidão, pedaços de qualquer lugar
tudo não passa de um jeitinho novo de mastigar
trago todas as estradas
no meu paladar
e uma fome de mil léguas.

2.1.11

com o coração na cabeça

Minha “rave” de ano novo começou na quinta-feira, com a estréia mundial do som do meu carro, e só está terminando hoje, quando enfim vou dormir em casa. Ainda não tive ressaca, porque estou sabiamente me mantendo embriagada. Nesse tempo todo estive com muitos dos meus amigos mais queridos, encontrei com o homem que eu amo – acho que isso é tudo o que eu preciso. Não desejo mais nada em 2011 além do que eu tenho de mais precioso, de mais raro, meus amigos, meus amores. Eu já tenho tudo. Nem sempre a gente se dá conta de quanta coisa a gente tem, porque as coisas mais importantes são bens imateriais. São risadas e espantos. Um frio na espinha, um calor no peito. Um grito, um gemido, palavras que se perdem no ar. Uma sensação de aconchego. A gente tava conversando sobre lembranças e esquecimentos e em como a gente vai perdendo o detalhamento das coisas. Já não lembro como eu segurei o garfo pra comer aquele macarrão com gorgonzola e amanhã não vou lembrar que era um macarrão com gorgonzola e fatalmente vou esquecer o que falávamos naquele momento. As lembranças que ficam, depois de muito tempo, são as emoções mais fortes que tivemos. Por isso não esquecemos a primeira vez de nada, o primeiro porre, o primeiro cigarro, o primeiro amor, o primeiro sexo. A descoberta é uma emoção fortíssima. Na verdade só estou falando isso porque a gente concluiu que a mente, que é considerada o lugar da razão, está totalmente subordinada à emoção, porque ela só registra e grava situações emocionalmente fortes, o resto ela apaga. E a gente falou sobre isso e a gente tava bêbada e a gente falou que tinha que escrever pra não esquecer e a gente não escreveu na hora e hoje eu já não lembrava mas fiz um esforço de memória e relembrei. Não lembro a frase exata que a gente queria anotar, mas a idéia é essa. A mente é o lugar da emoção. Temos cérebros emocionais. Não é o coração. O coração é uma forma bonita e vermelha que a gente usa pra ilustrar tudo isso, mas é apenas um músculo. São aquelas linhas tênues que se formam entre os nossos neurônios, aquelas conexões finíssimas, frágeis, elétricas, que tornam as paixões eternas. As nossas melhores, as nossas piores, as nossas mais fortes lembranças. Lá estão nomeados todos os meus amigos, todos os meus amores, para sempre. É lá que o meu coração pulsa, bem dentro da minha cabeça. Para sempre. Não existe razão.