30.11.10

Os tigres à solta

Amanhã tem o lançamento do livro do meu amigo Augusto, com esse título que eu amo: "Os tigres cravaram as garras no horizonte". segue o flyer:


E um texto do primeiro livro dele, "Poemas para se ler ao meio-dia", que eu gosto pra caralho: (ele fez pra mim, embora ainda nem me conhecesse - essas coisas acontecem...)

CAPA DE ABISMO

Veste teu manto de loucura e sai pela noite. Sai pela noite porque tudo é tão misterioso. Que todas tuas ilusões perdidas são só algum brilho desvairado. Ri do seu próprio ser atropelado, mas que a noite é tua. A barba que te cerra a cara é o destino que veste dentro de cada olhar. Como uma estrela desgovernada. Teus medos, tua parafernália de exageros. Que a noite é tua loucura, tuas utopias despedaçadas. De claridades noturnas você sai por aí como um lobo atrás da caça. Teus segredos se desfazem, mas tudo permanece em aberto. E você nem nota que a sarjeta é tua liturgia bela pulsação de delírios. Tira essas roupas que incomodam tua existência e anda com teus pés descalços. Que tudo que sobrou foi uma música tocando baixinha, uma música que talvez nem exista mais. Pisa de leve sobre tais ruínas. Quem sabe assim pelo menos a noite possa parar de morrer. Coloca tua máscara, anda com tua classe de príncipe sobre teu reino depredado. Tira esse relógio da parede, utiliza teu relógio imaginário. Recolhe tuas migalhas, veste tua capa de abismo. Veste teu manto de loucura e sai pela noite. (e quem sabe desse jeito um dia a noite possa parar de morrer)

Augusto de Guimaraens Cavalcanti,
em "Poemas para se ler ao meio-dia"
Rio de Janeiro: 7Letras, 2006

hey, Jack!

Hey, Jack, o mundo é mesmo esse carrossel de estradas desencontradas pra lugar nenhum. Fica frio. O trem vai passar fora dos trilhos das nossas mentes fazendo a curva para o infinito. A gente se esbarra naquela esquina que não consta no mapa. A gente conhece os caminhos de tudo que não é mapa, atalho ou trilha. Os caminhos mais perversos, como o sorriso sádico das estrelas do deserto. Já passamos por aqui, estamos dando voltas. A estrada é sempre essa desesperança. Mãos nos bolsos, cigarro de palha no canto da boca, olhar esquecido no céu ou no chão. Tanto faz, tudo são distâncias. Ajeita a aba do chapéu do pensamento e segue o rastro da tarde. O rastro dos lençóis brancos nos varais da tarde. Vara as noites em busca de acenos de adeus. Todas as mãos andam muito ocupadas em colheitas de grãos de ilusão perdida. Vara as madrugadas. Nenhuma mão te acena adeus e você segue indo embora. Há muito já percebeu que teu lugar é do lado de fora. Hey, Jack, o mundo é assim mesmo, esse avesso. Vísceras expostas. Essas aves de rapina são o canto dos teus pássaros, o eco nos teus tímpanos. Você não vai dançar, Jack? Há muito já perdeu os passos nos pés do abismo. Tua música é um vrruuummm de carros na pista. Um crash de batida beat. vrruumm crash beat. Dança, Jack! vrruuummm crash beat, Jack dance. A pista te chama. A pista te vrruuummm. Leva longe, fora, out, Jack. vrruummm crash beat, Jack dance. Out, Jack. Leva longe, fora, out, Jack. Jack dance. Hey, Jack, o mundo é mesmo esse som de acordes desencontrados pra lugar nenhum.

só fui comprar cigarros.

na ida, um baita susto com a própria sombra
na volta, fuga desesperada de uma barata
ao fundo, uma sirene de polícia corta a madrugada
tenho largado a alma escondida debaixo da cama
volto já, baby, volto já
só fui comprar cigarros...
se eu não voltar.
é só aquela velha história do cara que saiu pra comprar cigarros.
sombras, baratas, sirenes, rajadas de tiro na alma.
me assustei com o boneco do papai noel na portaria do prédio – por que fazem isso com as crianças?
bozo, fofão e o disco da xuxa rodando ao contrário – muito medo de palhaços!
susto é coisa que não larga da gente – da infância até a madrugada.
e os monstros embaixo da cama?
onde eu fui largar a minha alma?!
susto é coisa que.
coisa de não ter fim

29.11.10

Enquanto poesia houver, vamos nessa.

eu que me balanço em tantas entrelinhas dessas histórias. e que tenho por ele um amor eterno. que já passou da fase do amor romântico, suicida e homicida. que já passou da fase da raiva e da rima. que já passou por tantos percalços, por tantos tropeços. até chegar na calmaria de um amor eterno. sem dúvidas, sem dívidas. dádivas, apenas. e seus sufixos de vidas divas. terminei o livro com uma sensação muito boa de que caminhamos juntos. sem pressa. "Enquanto poesia houver, vamos nessa." tô falando do "Uma história à margem". tô falando do Chacal. tô falando dos seus uivos através dos tempos. dos seus quase 40 anos de rock e poesia. de samba e corda bamba. de invenção da vida e produção de acontecimentos. escrevi pra ele assim: "muito bonito, não o quê - o quê é fato - mas o como vc escreveu - isso é poesia!" um carro varando a noite com o motor ligado. vrruummm... e dando carona pr'um monte de gente. vrruummm... todos os ruídos dentro do poema. a ginga e a gíria. o corpo e a voz do poeta. tudo lá e a porta aberta pra quem quiser chegar. e eu pulando pra dentro do carro. mesmo quando numa bifurcação vai cada um prum lado. a gente sabe que a via volta a ser uma lá na frente. vrruummm... e o motor continua ligado. e eu tô com o dedão em riste pegando carona nesse on the road. em todos os carros, em tantos caminhos, abertos por uma certa brasília 76. allez up, meu amigo! saudações siderais, firme no leme que a reta é torta e vida longa ao pernalonga!


com a fala, o poeta:

ROCK POESIA

O grande mito da nossa geração sempre foi a cantor de banda de rock. Os grandes rituais pops. As multidões. Cenografias. Figurinos. O som, a dança e o verbo. Fomos criados com isso. Ao vivo e através de filmes e discos. Acho que o palco foi a minha folha em branco, onde tudo era escrito entre gritos e sussurros. Pelo menos aquele era nosso desejo secreto: escrever com o corpo e a voz em ligação direta com a plateia. E nós, nefelibatas de Copacabana, estávamos conseguindo juntar o prazer do verbo ao frenesi do palco. E a pegada era rock and roll, trilha sonora da nossa geração, nascida e criada à base de bate estaca e serra elétrica. (Assim foi minha infância e adolescência na rua Xavier da Silveira, em Copacabana. Meu edifício foi dos primeiros do quarteirão. Depois dele, era só a derrubada de casas e a subida de prédios). Não tínhamos como retornar ao soneto e seu remanso. Não havia silêncio para tanto. Éramos poetas da segunda metade do século XX e não negávamos fogo.
Era assim que entrávamos para fazer os recitais, como se por trás estivesse nos acompanhando uma banda de rock. Os poemas viravam letras. E na ânsia de todos em falar, cada um procurava ser rápido e incisivo como um corte, como anjo em vôo cego. Era bom falar naquela adrenalina que, afinal, era a vida que se levava. Como dizia Bernardo Vilhena: “Vida louca, vida breve, se eu não posso te levar, quero que você me leve”.
(...)

Chacal, em "Uma história à margem"
Rio de Janeiro: 7Letras, 2010

28.11.10

estou surpreendentemente feliz. o rio em guerra e os fascistas dando as caras - coisas que me entristecem e tal. mas estou surpreendentemente feliz. por ouvir uma voz e o som de uma risada. eu não preciso de mais nada. só essa voz, essa risada. dizer vem pra cá, o rio tá muito perigoso, vem pra cá se refugiar comigo. vem se refugiar comigo embaixo dos lençóis. fazer barricadas de travesseiros. vem se refugiar comigo nesse canto seguro da minha alma que ainda consegue ficar feliz. há muito tempo que ele está esperando vc chegar com esse seu passo lento. esse seu passo calmo, pisando leve, pra não machucar. você não precisa telefonar. apenas permaneça sorrindo. eu tenho radares para os teus risos. eu vou te encontrar e te trazer pra esse canto seguro. com todos os teus papagaios, cachorros, pais e filhos. eu também tenho um canto seguro na minha alma para os teus filhos. tenho um canto seguro pra tudo o que vier contigo. vem se refugiar. tá tudo muito perigoso. eu te protejo de tudo. só preciso q vc me proteja de mim. quando estou triste. mas hoje eu estou feliz.

26.11.10

como os olhos de um morto

apenas fecha os olhos da noite, como os olhos de um morto. e finge que a sarjeta não está ali te pedindo um beijo. você, que sempre acaba beijando a lona. que beija os pés da loucura. e sempre acaba lambendo as lágrimas pra matar a sede. apenas fecha os olhos da noite e dorme. mesmo que os demônios sejam os carneirinhos que você conta quando o sono não vem. e que eles estejam saltando pra dentro da sua alma. mesmo que a cama seja pequena demais pra sua solidão. você tem muitos travesseiros. aproveita o abraço dos travesseiros. eles nunca te abandonam. estão sempre fofos aguardando que você venha receber sua dose diária de demônios. você se lembra dos beijos da sarjeta. ela nunca te abandona, não é mesmo? como aquela música ligada no repeat na sua cabeça. de onde veio? não sai da cabeça. você e os beijos da sarjeta, calçando os sapatos da loucura e pisando a noite. onde foi que eu ouvi essa música? não sai da cabeça. você encarando os olhos da noite e os demônios correndo pra debaixo da cama. você com o inferno nos olhos. na noite arregalada, cheia de sustos. você sabe que a manhã sempre começa com pássaros cantando na sua janela, orquestra de espantar fantasmas. mas você já está bêbada demais para ouvir. a música deu stop na sua cabeça. apenas afunda nos travesseiros, sem sentir mais nada. nem precisa fechar os olhos da dor. ela morre dormindo. sempre depois de uma longa agonia. e você ainda se orgulha de vencer pelo cansaço? apenas fecha os olhos da noite, como os olhos de um morto. teus demônios não te arrastam pro inferno. e os piores pesadelos estão do lado de fora. sua mãe sempre disse “dorme com os anjos”. acredita. mães não mentem por mal.

25.11.10

e-mail q mandei pra uma amiga sobre essa merda toda, sobre o poema q escrevi, "a bomba vai explodir"

o foda é que eles querem apagar o fogo mas não vão no foco do incêndio: o ser humano. enquanto tratarem tudo sempre como caso de polícia, a violência não vai ter fim. eles reprimem aqui, a coisa explode acolá. vai ser sempre assim. enquanto não perceberem que tem que apagar é o fogo de dentro da alma. e como se apaga, se a gente vive num capitalismo selvagem? se é olho por olho, dente por dente, o que prega o sistema sempre? não apaga... o ódio é disseminado em tudo que é canto. aí depois a gente se espanta, que "eles" são uns monstros. a gente se esquece de olhar pros monstros que tão dentro da gente, o tempo todo, assombrando em silêncio. e que a gente também riscou o fósforo em algum momento. é foda! difícil vislumbrar saída... se os nossos poemas desativarem algumas bombas em algumas almas, já tá valendo alguma coisa, né? espero que sim.

anjos

só queríamos ser anjos
tocadores de harpas
mas tem uma guitarra
arranhando o coração

anjos não ouvem rock, não cantam blues
não têm essa tristeza saltando da cara
não tremem de corpo e alma
de fúria ou de medo
diante do espelho

anjos não têm
esses olhos vermelhos

24.11.10

a bomba vai explodir

eu não queria estar aqui
quando o fogo for inevitável
o desespero se cobrir de chamas
e cada gesto for incendiário
estamos em contagem regressiva - 10, 9, 8...
a bomba vai explodir
já tem passageiros se lançando da janela
eles sabem que o fogo é inevitável
já olharam nos olhos
dos que carregam a explosão nos olhos
o fogo nos olhos
o pavio queimando na ponta dos dedos
a bomba vai explodir a qualquer momento - 7, 6, 5...
não adianta correr
o pavio é um rabo arrastando no asfalto
uma hora a fagulha te alcança
a bomba vai explodir em você
em nós
em todo mundo
o pé no acelerador não te leva pra longe do desassossego
há bombas em toda parte
no entorno e no dentro
não adianta chorar - pedir a deus e o diabo
lágrimas não apagam o fogo dos olhos
não há extintores à vista
a bomba vai explodir
e de que adianta o alarme de incêndio?
os noticiários?
as penitenciárias de segurança máxima?
tudo são fogueiras da inquisição
o fogo está aumentando
vai nos alcançar
a bomba vai explodir
acabem com as armas de destruição em massa - mesmo assim
bastam 2 gravetos pra fazer o fogo
bastam 2 olhos ardendo
o resto é ação do vento
há muitos olhos ardendo
a bomba vai explodir a qualquer momento - 4, 3, 2...
muitas almas queimando
muito vento
o inferno é aqui
a bomba vai explodir
os super-heróis estão presos nas telas de cinema
chame as tropas, os bombeiros, os esquadrões anti-bomba, as autoridades máximas e os serviços de inteligência
eles não saberão dizer:
como se apaga esse fogo de dentro da alma?
a bomba vai explodir.

21.11.10

Maratonas poéticas

Então eu voltei viva. Estou viva. Depois de uma viagem à São Paulo, intensa como aquela cidade. Uma pneumonia, que mal curava eu já me metia em shows e viagens. Um super show do Arnaldo Brandão. FLIPORTO em Olinda. Poesia nas escolas. etc etc etc. Foi assim. São Paulo teve a Bienal, a foto aí em cima é de uma instação que eu achei o máximo, meio casa meio labiritno, com as portas e paredes e tapetes feitas com capas de livros e discos, e dentro uma sala de leitura, onde eu deixei um exemplar do meu livro na seção de azuis. Trata-se da obra "Longe daqui, aqui mesmo", dos artistas Marilá Dardot e Fabio Morais. Muito bacana.


Aí teve também o lançamento do meu livro lá, que essa foto expressa lindamente. O carinho dos amigos e dos amigos dos amigos. Uma delícia! Aí a pneumonia na volta, e logo que eu consegui me levantar da cama, ainda com a saúde fragilizada, minha participação no show do Arnaldo Brandão, esse músico foda pra caralho e amigo dos mais queridos, que o Vitor Vogel flagrou nessa foto lindíssima, digna de capa de álbum:

Infelizmente eu não pude ficar até o final do show. Nunca imaginei que eu fosse achar ruim um lugar onde se pudesse fumar - que ironia! O fato é que tinha um monte de gente fumando lá dentro e eu ainda me recuperando da pneumonia tive que me mandar logo depois da minha participação. Uma pena, o show tava muito bom! Casa cheia, vários amigos. Mas eu tinha que estar bem no dia seguinte pra embarcar pra Olinda. Não me restou alternativa a não ser poupar os pulmões... e ir pra casa dormir.


Aí lá fui eu pra FLIPORTO, em Olinda, ainda tomando um monte de remédios, sem poder beber, sem poder fumar, mas com fôlego suficiente pra falar poemas, e é isso o que importa. Com essa turma do Corujão da Poesia, que na foto abaixo posa para uma propaganda de óculos escuros:


Estava praticamente uma santa, como comprovam essas fotos com Betina Kopp, minha irmã poética, na porta da Igreja:


"Deus, dai-me forças", eu rezava pra conseguir resistir firme e forte sem cerveja e sem cigarro naqueles dias...


 Aí lá fui eu falar poesia em bar à base de água e refrigerantes. E lá fomos nós em cortejo falar poesia na casa de Alceu Valença, que nos recebeu com flores lançadas da sacada... lindo!   


Sempre acho muito foda poder trabalhar com poesia. Viajar, ser remunerada pra falar poesia. Muito foda estar em companhia de amigos poetas, músicos, nos apresentando em eventos de grande porte tipo a FLIPORTO, ou em escolas, dentro de delegacias e hospitais psiquiátricos, nos palcos de casas de shows, a poesia nos leva pros lugares mais diversos... e isso é do caralho! Nem sempre rola grana. A gente faz por puro tesão. Mas quando rola, dá aquela sensação de que o nosso trabalho é reconhecido, valorizado, dá aquela esperança de que é possível viver de arte... e quem sabe daqui há um tempo, vai ser o meu rosto pintado assim, como o da Clarice Lispector, num evento em minha homenagem:


Enquanto isso não acontece, eu me contento em posar ao lado de celebridades, como nesta foto com a maior celebridade presente na FLIPORTO, conhecido como Bé:


 Em pensar que eu já comi carne de bode... nunca mais! Me apaixonei por esse bodinho presente numa festa improvisada no último dia num casarão de Olinda - dia que por sinal, eu voltei a beber e a fumar. Missão cumprida, fim dos antibióticos, volto à minha vida desregrada... Quer dizer, mais ou menos. Porque mal voltei de Olinda, já tinha um trabalho agendado em algumas escolas, poesia para alunos de 15 anos, num horário ingrato que me obrigou a dormir cedo e ficar pianinha a semana inteira. 


O trabalho nas escolas foi muito, mas muito foda! Levar poesia contemporânea e ver a garotada se interessando por Juju Hollanda, Chacal, Mário Bortolotto, Augusto de Guimarães Cavalcanti, Luiz Felipe Leprevost, Patricia Carvalho Oliveira, Adriana Monteiro de Barros, Maria Rezende, Michel Melamed... Falar, além dos meus, poemas de Tavinho Paes, Chacal, Leminski, Marcela Giannini... Muito foda ver que a garotada se interessa, sim! Só não encontra na escola poetas que falem a sua língua. Porra, que saco Álvares de Azevedo, que chama tesão de volúpia, puta de meretirz, putaria de "saturnal" (esse só com nota de rodapé pra entender... e mesmo assim traduz como orgia. e a gente sabe que não tem nada como uma boa putaria!), e enche os poemas de "oh donzela!"... Tá, bacana que eles têm que estudar romantismo e todos os outros movimentos literários. Tem que estudar mesmo, não tem jeito. Mas como é bom levar pra eles outras referências que não estão no currículo escolar, e ver que isso gera interesse, incentivar o gosto pela leitura. O que eu mais li na adolescência foi Nelson Rodrigues, que eu fui conhecer num curso de teatro. Meu colégio nunca mencionou esse nome, nunca! Um dos maiores dramaturgos brasileiros passou despercebido na escola... As escolas ainda fazem isso, criam tabus, autores e assuntos que não são tocados. Na terceira escola que eu fui, os poemas com palavrões foram censurados e eu tive que recolher alguns livros - tava livre demais pra ser verdade! Mas ainda assim tô tendo uma margem de liberdade muito bacana pra trabalhar com a garotada, e tô muito, mas muito feliz com esse trabalho! Um daqueles trabalhos que você fala, porra, isso vale muito a pena, isso faz uma puta diferença no mundo! Segue um poema do Chacal que tá abrindo a minha apresentação nas escolas:

DESABUTINO

quem quer saber de um poeta na idade do rock
um cara que se cobre de penas e letras lentas
que passa sábado a noite embriagado
chorando que nem criança a solidão

quem quer saber de namoro na idade do pó
um romance romântico de cuba
cheio de dúvidas e desvarios
tal a balada de neil sedaka

quem quer saber de mim na cidade do arrepio
um poeta sem eira na beira de um calipso neurótico
um orfeu fudido sem ficha nem ninguém pra ligar
num dos 527 orelhões dessa cidade vazia

E aqui vai um vídeo da minha apresentação com o Arnaldo no ano passado, na Cinamathèque:



E aí depois dessa postagem eu abro o meu e-mail e preciso voltar aqui para um adendo, porque recebi uma mensagem de um garoto de uma das escolas que eu visitei, parabenizando o meu trabalho e coisa e tal, e me mandando um link para os seus poemas, entre os quais encontro imagens lindas tipo "ela sorri pra você como um anjo sentindo pena de uma criança" ou "você é só mais um punhado de areia para enterrar minha solidão"... O nome dele é Diogo de Souza Barros e seus poemas estão em http://recantodasletras.uol.com.br/autores/diogosbar . O mais legal de tudo é essa troca! Em outra escola foi o coordenador, com quem troquei livros, Douglas Fagundes Murta, autor de versos como esses: "Existe um ponto além de nós / Seguramos a segunda-feira nos olhos. // Nós dois no escuro e perplexos / Desejamos o chão." Bonito isso, né?!

eu quero um pai!

acho lindo um cara se recusar a sair comigo porque vai passar o fim de semana com os filhos. gostaria que ele não tivesse filhos a me disputar o fim de semana. mas ele os tem e eu acho realmente bonito ele se dedicar aos filhos. não desejo a ninguém um pai ausente, sei o que já sofri com isso. outro dia virei para um amigo, bem mais novo que eu por sinal, e disse "estou carente de pai, me adota?", e ele me deu colo e me cuidou. a gente sempre precisa de colo de pai, a gente sempre carrega uma criança dentro da gente que quer correr pra cama da mãe quando tem pesadelos. nem sempre a cama da mãe está lá. nem sempre o colo do pai. então admiro quando um pai está. tive vontade de pedir a ele "me adota?" e brincar com os filhos dele de ser a irmã mais nova. eu queria ele como pai. essa relação eterna, indestrutível. os seus fins de semana, os seus natais. os passeios no parque e os pique-nics. as tardes no clube, os almoços de domingo. todos esses momentos, eu os queria. mais que as noites embriagadas e o sexo selvagem. um cafuné nos cabelos e histórias de princesa pra embalar meu sono. só isso. me adota?

9.11.10

UMAS COISAS QUE TIRAM A MINHA RESPIRAÇÃO (ACÁ NO HAY SUSPIROS)

Eu queria estar fumando um cigarro, que é um maldito hábito que eu tenho, além de ser um vício, um maldito hábito fumar enquanto escrevo no computador. Mas hoje o médico diagnosticou: pneumonia. E isso me fodeu a vida! Estava fumando dois por dia, por causa da febre e tudo o mais, mas agora nem isso. Nem um maldito, um mísero cigarro. Shit! – como dizem nos filmes. Voltei de São Paulo com esta merda pregada no pulmão. Veja bem, não é cirrose, embora eu tenha me esforçado muito por secar cada garrafa de álcool que aparecesse na minha frente. Ok, não foi tanto esforço assim. Mas não é nada disso. Não é gastrite, nada. É pneumonia. Isso quer dizer que o que me fez mal foi nada mais nada menos do que respirar. Ok, ok, respirar o ar da cidade de São Paulo não é pra qualquer um, tem que ter estômago, ou pulmão, sei lá, tem que ter colhão! Eu não tive... Caí de cama. Me espatifei. Essas coisas. Pulmão detonado. No smoking. O Ministério da Saúde adverte: São Paulo faz mal à saúde.


Mas há coisas agradáveis em São Paulo, como os passeios noturnos pela Praça Roosevelt, onde o meu carro foi saqueado. Eu entendo. O lançamento do meu livro 2 dias antes tinha sido sucesso absoluto e uma gangue de literatos dessa Praça – famosa por seus teatros e por imbecis que atiram em dramaturgos – arrombou o meu carro com o único objetivo de levar meus livros – claro! Só que na pressa, eles tentaram levar o carro. Não conseguiram. E ao saírem ainda aos tropeços nem perceberam que levavam junto uma câmera de vídeo digital e umas roupinhas de grife numa sacolinha vagabunda de supermercado... coisas inúteis e sem o menor valor. O que importa são os livros!, bien sur, os livros! – que encontram-se agora literalmente lançados em algum lugar de São Paulo... Alguém pode negar que o lançamento foi um sucesso?!

Mas São Paulo tem umas figuras bem interessantes. Engraçado que a maioria não é de São Paulo. De São Paulo, mesmo, só os meus amigos Franco e Vini... (e nossos planos ON THE ROAD pelo Nordeste...) Fiquei na casa do meu amigo Pedro Tostes, que é carioca, mas mora lá há anos, já se apaulistanou. Ele diz que o sotaque típico do paulistano é nordestino – é o que mais se ouve por lá. Ele que me apresentou o escritor Xico Sá lá no Parlapatões, e o cara resolveu declarar toda a sua repentina paixão bêbada por mim, atirando-se ao chão para beijar meus pés e coisas do tipo. Claro que no dia seguinte ele não ia lembrar de nada, e certamente não lembrou, e se ele não lembrou, ele não fez! - eu não rompo com esse código ético dos bêbados. Então isso pode ser apenas fruto da minha imaginação... que seja. A melhor frase que ouvi, ao rebater que não, eu não era, definitivamente, a mulher mais linda do universo, embora me considerasse até muito bonita e coisa e tal, a melhor da noite foi “-beleza é ritmo, baby!”. E isso valeu aquele encontro cheio de ritmo, baforadas de cigarro entre frases certeiras, que terminou com ele me dizendo que então iria pegar uma puta, depois de perceber que embora eu estivesse me divertindo, não, eu não iria trepar com ele por umas frases de efeito. Ah, sim, o Xico Sá não é de São Paulo, não lembro de onde ele é, mas não é paulistano. Assim como o Mário Bortolotto, que tem a maior cara de paulista, mas é de Londrina. O Mário eu encontrei na Mercearia no dia do lançamento do meu livro e fiquei com a séria impressão de que ele não estava lá por causa disso, mas por acaso mesmo, embora eu tivesse mandado convite, sei lá, ele devia saber que tava rolando... mas não tava com cara de que tava lá por isso. Só o cumprimentei no balcão, a tempo dele me apresentar a nova namorada dele, e no more. Achei meio esquisito mas o cara tava com a namorada e os caras ficam mesmo meio esquisitos quanto estão com as namoradas, então tá tranqüilo. Lémdomais, ele já tem o livro.

No smoking. É única coisa que me deixa pirada.


No smoking e esse repouso forçado. Peguei uns filmes. Peguei muitos filmes. Vi quatro no DVD esse fim de semana, e 2 na televisão. Prefiro não comentar os da TV...
Mas vi o DEAD MAN, do Jim Jarmusch, que era um dos que eu ainda não tinha visto dele, e que é com o Johnny Depp, um dos meus atores preferidos, e foi um pouco cansativo porque eu estava lesada com a febre, mas ele também tava fodido no filme então deu pra eu me identificar um pouco - e tinha umas cenas que eram pura poesia... E aí eu vi um outro que era com outro dos meus atores preferidos, o Clint Eastwood, dele mesmo, GRAN TORINO, que é porrada e eu achei do caralho.
E vi ainda SHORT CUTS, do Robert Altman, que em algum nível subconsciente me remeteu ao grande ENSAIO DE ORQUESTRA, do Fellini, que sabe-se lá por que é um dos meus filmes preferidos – talvez pela contundência daquela coisa toda anárquica e visceral que faz da gente artistas ou simplesmente pessoas que vivem de verdade as suas vidas em vez de esperar pacientemente pela morte como naquela música do Raul Seixas que o cara se senta “no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar”... não, na verdade ele NÃO se senta.
Na verdade o terremoto de SHORT CUTS me lembrou a demolição de ENSAIO DE ORQUESTRA, foi só isso. Mas tem sempre uma cena que basta pra você falar, que foda! Embora tivesse muita coisa ali no meio. E o terremoto não fosse nada. Apenas uma sensação extremamente necessária praquele filme todo fazer sentido pra mim. Alguém morreu e foi só isso. A vida segue seu curso. Ou não. Tanto faz. A gente tem que continuar e é o que acontece.
O outro filme foi um do Woody Allen que eu ainda não tinha visto, O QUE HÁ, TIGRESA?, em que ele faz uma dublagem louca de um filme de ação japonês bem ao estilo dele, que eu, particularmente, adoro. Aí hoje peguei mais 3 dele, porque eu tô afim de dar risada, e stund-up comedy não funciona comigo. Definitivamente. Então é isso, eu tô aqui, fodida, no smoking, no drinking, no street, no fucking... cama e inalação daquelas maquininhas de bronquite de criança. Eu aqui fodida e tudo o que eu quero é dar risada. É o que faz sentido pra mim. Alguém morreu e foi só isso. A vida segue seu curso. Ou não. Tanto faz. A gente tem que continuar e é o que acontece.