23.5.07

Produção!

Nossa, essa vida de produtora me mata como poeta!
Como escrever um belo poema depois de atravessar a Ponte Rio-Niterói sob fortes rajadas de vento com medo do carro voar pelos ares, depois pagar o triplo de estacionamento pra ficar quatro horas zanzando pelo aeroporto porque o vôo do palestrante está atrasado sem previsão de embarque. Ah, mas até que foi pontual, chegou na hora exata em que a Ponte estava engarrafada! Aí você atravessa a Ponte naquela lentidão incontornável, olhando o relógio de cinco em cinco minutos, porque tem hora marcada pra palestra começar. Aí chega, o negócio rola muito que bem, mas você ainda tem que deixar o cara no hotel depois de tomar umas e outras. Você não dorme, apaga. E pra sua felicidade extrema, acorda com o celular tocando! Aí vai buscar o cara no hotel, dá uma voltinha na cidade nublada com rajadas de chuva, que belo dia pra se contemplar a vista!, e segue pra Ponte, que pra seu êxtase supremo, está com uma das entradas fechadas e um engarrafamento monstruoso pra pegar a outra. Aí você leva uma hora só pra entrar na Ponte, caminho que se faz em menos de 5 minutos. E a Ponte tá ensaboada que é uma beleza! É espuma pra tudo que é lado e o carro sambando, e a hora passando, e o vôo marcado já quase voando, e você vai devagarinho tentando manter a calma, porque se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. E o celular toca, e furou o transporte da banda, e o celular toca, e vai rolar o transporte da banda, e o celular toca, e estamos todos entendidos, e o celular toca, e tem que confirmar o aluguel do som, e o celular toca, e a banda não vai mais se apresentar que o pai do coordenador tá no hospital. Mas você chega no aeroporto antes do horário do vôo, êh, beleza! Aí você se despede amavelmente do palestrante e liga pro cara do som pra desmarcar. Não tá. Deixa recado. Pega a Ponte de volta. Pisa fundo. Chega no local do evento. Monta tudo pra próxima palestra. Aí é que você lembra que não almoçou. Aliás, também não tomou café da manhã. Aliás, nem jantou na noite anterior. Você não tem mais um estômago. Tem um buraco negro. Aí você fuma um cigarro pra relaxar e dá um pulinho na lanchonete. Come um sanduíche, toma um coca. E volta. Aí faz uns acertos financeiros, porque seus cheques já estão na praça. Passa as notas, pega as notas. Passa no banco, vê extrato, calcula as dívidas, e tá tudo certo. Volta. Hora do debate. Falta um palestrante. Liga pra um, liga pra outro, e nada. Deixa rolar. Faz uns bicos de fotógrafa improvisada. Termina. Desmonta tudo. Guarda. Descarrega a máquina. Entrega uns documentos, redige outros, pega assinatura. O elevador pára. E sobe escada. E desce escada. Até que, enfim, dá a noite por encerrada e vai pra casa. Ainda ajeita uma papelada. Faz umas anotações na agenda. Vê e-mails. E no final de tudo resolve esvrever um poema. O que sai? Nada. Aí cê começa a escrever sobre a sua jornada. O cigarro acaba. Vai comprar e traz também uma cerveja. Aí você bebe, fuma, lembra que ainda não jantou e já são 23h31. Lembra que amanhã vai tirar o dia de folga e deixar por conta dos estagiários. Pra estudar. Pra concurso. Pro qual você não tem a menor chance de passar.
Mas aí eu me pergunto
se o poema não tá no vento
se há poema na espera
se poema pega vôo
se poema perde a hora
se poema se engarrafa
se poema se demora
será que poema pinga da chuva
será que a vista do poema nubla
e se poema faz espuma
desliza, derrapa
será que tem poema que toca toda hora
será que a gente atende
poema se resolve
poema também fura
poema não avisa
poema pisa fundo
poema realiza
poema se passa, se pega, se calcula, se paga
poema sobe, desce, assina, bebe, fuma, encerra e vai pra casa
ou será que poema é só o alimento que nutre a alma?...

17.5.07

Ontem foi a abertura do evento "Mandalas e Inconscientes" e da exposição "Mandala", no que venho trabalhando há meses, acho que desde agosto do ano passado, quando fiz o primeiro contato com o Edmar lá em Engenho de Dentro.
Neste último mês fiquei inteiramente tomada por esta produção. Dormi mal, comi mal, vivi a café e cigarros, dizem até que emagreci... Que bom que estou viva e aparentemente saudável!
Minhas idas e vindas de Engenho de Dentro aumentaram, perdi duas vezes a entrada da Linha Amarela (alguém precisa sinalizar melhor esta merda!), mas encontrei lá um trabalho tão bacana e uma receptividade tão boa que quase falei "me internem, por favor"!... Mas eu tinha que voltar pra mostrar ao povo da UFF e de Niterói o que se faz por lá!
As obras dos chamados "loucos" são trabalhos de verdadeiros artistas! Artistas que não seguem nenhuma linha ou escola ou predeterminação formal, mas apenas os seus impulsos mais íntimos, as suas dores, as suas angústias, as suas vitórias, as suas tentativas de se equilibrar em meio ao terremoto em que vivem...
As mandalas que estão expostas na UFF representam essa tentativa inconsciente de se equilibrar, são tidas como um processo de autocura, pelos traços circulares harmônicos em torno de um centro. A Dra. Nise da Silveira explica isso melhor num dos textos da exposição.
Não dá pra falar, tem que ir lá ver!
E agora eu me vou que ainda tenho muito trabalho a fazer.

5.5.07

Quem pintou a Norma?

Para os artistas do Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro


Que impulsos obscuros que movem tuas mãos?
Qual a cor da tinta que corre em tuas veias?
Que textura é essa que expressam teus olhos?
Quanto de ti tinge a tela?
Quantos de ti tingem a tela?
Que mundos giram em torno de ti?
Com que luz iluminas a terra?
Com que luz iluminas as trevas?
Como colores o cinza?
Com que cinzas que fazes o fogo?
Com que fogo me queimas a alma?
Com que loucura se cria?
Com o que se cria a loucura?
Com que tinta, em que tela, te tingiram louco?
Quem pintou o mundo assim, e não de outra forma?
Qume pintou o mundo e te deixou de fora?
Quem pintou essa tela sem cor, sem forma?
Quem pintou a norma?
Quem pintou a norma?
E se Norma fosse uma bela mulher esculpida pelas mãos de um louco?
E se de tão louco, Norma fugisse à norma e fosse mais bela que a mais bela das belas?
E a ira das menos belas se voltasse contra ela?
Ela seria banida, cercada de muros, teria as mãos amarradas ao corpo para que não pudesse acariciar?
E se ainda assim fosse bela com olhos cheios de luz?
Seria drogada e dopada para mais nada enxergar?
E se ainda restasse um lampejo de vida na estátua esculpida?
E se alguém sugerisse eletrochoque e sua luz virasse trevas?
Será que a Norma se tornaria "normal"?
Ou apenas invisível a olhos nus?
Não habituados a tanta luz?