31.8.06

a festa ou ensaio de orquestra

mixagem de palavras de dez rodas de conversa
mais a música soprada pelo aparelho de som
e uns tantos ruídos de copos, e brindes, e passos,
e o vento assobiando na janela
e o trânsito por baixo transava com tudo
seu som era um sopro de fumaça
e um glub, glub no copo de chopp
seu som discreto atravessou a ruidosa sala
se embrenhou pelo corredor
e se trancou no banheiro
abafando aquela orquestra de gente em festa
silenciou
afundou a cara na água da pia
encarou o espelho
olhou em torno – nunca vira um banheiro tão grande!
fumegante, deixou-se absorver em si tendo a banheira como leito
molhar o rosto não disfarçava
secar o rosto já não adiantava
se encheu de lágrimas afundando na banheira
se afundou em pensamentos enchendo de si aquele banheiro enorme
quando bateram à porta,
molhou o rosto, secou os olhos, deu descarga e saiu
pegou outra cerveja na geladeira
acendeu outro cigarro
e soou seu som naquele ensaio de orquestra
fosse Fellini o diretor, restaria nada da festa!
mas em ruína, ali, só ela
a festa continuava...

deleted

29.8.06

sem nome

p/ ch
unhas descascadas,
batom borrado, cigarro
o tempo passava
ela
passárgada

28.8.06

Joana

Joana tinha lá seus arranhões e uns invernos que a gelavam por dentro. Mas não, definitivamente, não tinha do que se queixar. Tanta miséria à sua volta, tanta tragédia, tanta dor. E Joana apenas olhava o mar. Cada onda a se formar, erguer-se em arco e se acabar em espuma na areia da praia. E mais uma a se formar, erguer-se e se acabar. Depois outra, e outra, e outra. Em cada onda, se deixava levar. Joana estava calma. O mar, sereno. O sol, ameno. Era uma perfeita sintonia. Joana vivia um amor com gosto de rede e água de coco, com clima de tarde em Itapoã. Sabia que cedo ou tarde poderia cair da rede e quebrar o coco. Amaldiçoaria Vinícius e todas as canções de amor! Mas agora, neste momento, Joana só sabia amar e olhar o mar, amar o mar, olhar o ar, arar o amor, olhar os olhos do seu amor saindo do mar a encontrar os seus. Davi lhe dá um abraço molhado, gelado, salgado, gostoso que só! E Joana sorve um pouquinho do mar dos lábios de Davi, beijando a um só tempo seus dois amores. Joana sorri. Com a boca, com os olhos, com o corpo todo. E o sorriso que se forma em si nada mais expressa que a serena alegria de quem simplesmente se deixa sorrir.

Clarice

As unhas de esmalte arranhado já não mais a preocupavam. Clarice tinha arranhões bem mais fundos. O descascar do rubro esmalte sobre as unhas era o que lhe dava a noção do tempo decorrido. Do tempo corrido que escorria entre seus dedos e escapava de suas garras, tão compridas e inúteis pra agarrar. Clarice olhava o tempo levar a tinta de suas unhas, o tempo levar a tinta de suas unhas, o tempo levar a tinta de suas unhas. Até que o tempo quebrou uma de suas unhas na base e Clarice chorou. Diriam ser chilique de mulherzinha – Onde já se viu, chorar por uma unha quebrada?! Eles não sabiam o que realmente havia se quebrado nela. O que perdera a cor, o brilho. O que o tempo não podia levar. O que o tempo não podia trazer. Porque uma unha partida, com o tempo, cresce. Um amor que parte, só faz fenecer. Mas eles não sabiam, ah, não!, eles nunca sabem os mil cacos que podem esconder as lágrimas de uma mulher sob um caco desgarrado de suas garras.

27.8.06

Pâmela

"A flor também é ferida aberta que não se vê chorar"
Chico Buarque

Pâmela florescia com as primaveras, ardia nos verões, secava no outono, caía no inverno. Ela crescia com a lua, se enchia e minguava até fazer-se invisível. Seu sorriso era um pranto inconsolável; suas lágrimas, de tanto rir. E de tanto andar sem chão, aprendera a levitar. Andava fora de si. E podia ver-se entre os passantes, entre as passistas, em cada pista que pisava aquele corpo abandonado. Aquele corpo que não perdia o rebolado. Aquele corpo que se perdia. Pâmela via tudo lá do alto, lá de baixo, lado a lado, nunca no mesmo lugar. Pâmela, que não cansava de se procurar, só se encontrava fora de si. E quando se achava por fora, caía em si. E despencava em oito abismos de infinitos. E quanto mais lhe faltasse o ar, mais cigarros tragava para não sufocar. Só bebia para se embevecer. Só se embriagava de dor e prazer. Só, bebia. Só, se embriagava. Sempre só e ainda mais só quanto mais acompanhada. Porque Pâmela... Pâmela só levitava. Andava fora de si, a vislumbrar tudo e todos e a si mesma com certo estranhamento. Todos falavam de tudo. Pâmela calava. Porque tudo ecoava dentro de si. Nadava, nadava, nadava no nada. Ela estava distante, léguas e léguas daqui. Tão distante que poderia jamais encontrar o caminho de volta. Suas migalhas que deixara como rastro foram devoradas por aves famintas. Estava esmigalhada. Quando encontraram o corpo, tremia no frio mais frio do inverno. Era uma noite de lua nova.

23.8.06

Ratos, CEP, 1/2 Noite: Eu vou!!!

HOJE tem...



RATOS DI VERSOS....

caia nessa ratoeira!!!


Esta quarta, dia 23/08
No Beco do Rato, no início da Joaquim Silva, próximo à termas Rio Antigo, Lapa.
A partir das 19:00
Com Dan Soares, Dudu Pererê, Maristela, Karluxo, Maurição, Dalberto, Juju, Chacal e et cétera e tal...

MANIFESTO RATNIK

Nós, as malditas criaturas subterrâneas abandonadas e esquecidas através das eras.
Nós, que há tanto tempo ansiamos pela luz do sol, roendo silenciosamente o rancor retido em nossa espinha
Nós, os absurdos habitantes da meia-noite,
os invisíveis invasores do amanhã
Não estamos sós
Nós temos voz
Diversos, Ratos di Versos,
Subam pelas paredes e ratazanem a paz das famílias
É a hora e a vez
DO PULO DO RATO!!!

Dan Soares

TERÇA tem...


CEP 20.000
16 ANOS

DE POESIA E PERFORMANCE
DE ALTA VOLTAGEM E VERTIGEM
DE ALEGRIA E CONFUSÃO
DE RISOS E LÁGRIMAS
DE BEIJO NA BOCA DA INVENÇÃO
DE ROCK E MUITO GROOVIE
DE DANÇA E VÍDEO E AZARAÇÃO
DE SILÊNCIOS E BARULHOS
DE VERSOS RIMAS E APLAUSOS

ESPAÇO CULTURAL SÉRGIO PORTO
TERÇA – 29 DE AGOSTO
DE 18 ÀS 22 HS
R$6,00 (meia: R$3,00 /
até 18 hs = R$1,00)

18:00 = CONTATOS IMEDIATOS DO SEGUNDO GRAU:

COLÉGIO PEDRO II APRESENTA:
NADA CONTRA NADA (banda)
GABRIEL HITTER, GUILHERME CELESTINO (poemas)
CAROL BRUNELLI, ROMÃ NEPTUNE (cena)

19:00 = APOSTAS
19:00 = DOIDIVINAS (banda)
19:30 = QINHO E OS CARA (banda)

20:00 = DIGNOSSAUROS
20:00 = OS OUTROS (banda)
20:30 = CHACAL E MIMI LESSA (performance)
20:40 = MAURIÇÃO E CARLUXO (textos)
20:50 = TAVINHO PAES E ARNALDO BRANDÃO (cena)

21:00 = ACHADOS & PEDIDOS
21:00 = FLU ( banda)
21:30 = PATRÍCIA CARVALHO (performance)
21:40 = DUDU PERERÊ E DANIEL SOARES (cena)
21:50 = DANSA DENSA

22:00 = GRAN FINALE
???????????????????????

E na QUARTA...

VERSOS DA 1/2 NOITE

20.8.06

O ritual

Murilo a aguardava. Ele sempre a aguardava. Giulia se demorava pelo simples prazer de fazê-lo aguardar por ela. Antes de sair de casa, já totalmente pronta, fumava calmamente um cigarro, só para alongar o tempo da espera. Horas depois, batia à porta de Murilo. Era sempre o mesmo ritual. Um beijo casual, um leve roçar de lábios. Um drinque. Um longo bate-papo sobre as coisas da vida. Como se o assunto, ali, não fosse sexo. Horas depois, ele vinha da cozinha com um copo, ou voltava do banheiro, tanto faz, Giulia já o aguardava no corredor, com os braços ansiosos por tocá-lo, com a boca já se abrindo para o beijo. Giulia cravava as unhas em suas costas, enquanto Murilo cravava os dentes em seu pescoço. As mãos de Giulia deslizavam das costas para dentro das calças de Murilo. As de Murilo subiam dos joelhos apertando-lhe as coxas; uma a segurava por trás, enquanto outra lhe afastava a calcinha com os dedos penetrando a quentura úmida daquele corpo que se entregava. Giulia jogava a cabeça para trás num leve gemido, enquanto suas mãos buscavam tocá-lo mais e mais. Assim, emaranhando os braços entre seus corpos iam girando pela casa até encontrar o quarto. A camisa de Murilo ficara pelo caminho, como os sapatos de ambos. Giulia joga-se na cama com Murilo por cima a descobrir-lhe os seios com a boca, a descobrir-lhe todo o corpo com a língua. Giulia se inverte na cama para baixar as calças de Murilo, dando de cara com o objeto de seu prazer. E sua boca o faz gemer de prazer, mais e mais. Ela aperta a cabeça de Murilo entre suas coxas, eriçada. Até que suas bocas novamente se encontram, os dois já totalmente nus e aflitos por se possuírem. Giulia está por cima de Murilo. Ela pára. O encara com um olharzinho cínico e um sorriso maléfico jogado no canto da boca. Ele franze as sobrancelhas, sem compreender. Giulia estava disposta a quebrar o ritual. Ela se levanta, cata suas roupas e apesar das insistentes interrogações de Murilo, somente diz “tchau”. Murilo a aguardava. Ele sempre a aguardava. Giulia se demorava pelo simples prazer de fazê-lo aguardar por ela. Antes de sair de casa, já totalmente pronta, fumava calmamente um cigarro, só para alongar o tempo da espera. Horas depois, batia à porta de Murilo. Era sempre o mesmo ritual.

Abaixo-assinado online pelo Cinema Icaraí

A câmara dos vereadores derrubou com ampla maioria o veto do prefeito ao projeto de Wolney Trindade que acaba com o tombamento do Cinema Icaraí. Há um abaixo-assinado online contra a derrubada do veto.Vamos tentar manter o último cinema de rua de Niterói!

A balada

Vânia se arrumou the flash. Lápis, batom, brincos, espirrou um perfuminho, tacou tudo dentro da bolsa - carteira, celular, cigarro -, pegou as chaves e foi. Decidiu assim, de supetão. Pleno sábado à noite e ela sozinha dentro de casa. Não! Pegou o carro e se dirigiu para o bar mais longe. Queria distância de casa! Sem problemas. No Rio sempre se esbarra com alguém conhecido em tudo o que é lugar. Não há espaço pra solidão. Então, ela ria, e bebia, e conversava, e ia de bar em bar, e não se cansava. Nestes momentos, nem se lembrava de Igor. Embora fosse ele quem a empurrasse para as noitadas. A sua ausência a fazia presente em todos os lugares, dos mais badalados aos mais vulgares. Ele estava lá, na cerveja gelada que bebia sem cessar, nos amigos inseparáveis que fazia para nunca mais encontrar, nas línguas que roçavam a sua, nos risos nervosos de quem quer ser feliz a qualquer custo. Lá estava ele, mas ela se fazia indiferente à sua ausência. Era como se tudo aquilo pertencesse somente a ela. Ela tinha domínio pleno de sua vida. Ela, enfim, tinha a sua liberdade. Esta liberdade de fazer exatamente tudo aquilo de que não tinha vontade. A liberdade de se perder, para não se encontrar com a própria dor, a dor da perda. Ela sambava pisoteando a dor e exalando uma alegria radiante. Divertiu-se muito naquela noite. Vânia estava inabalável. Meteu a chave no trinco. Girou. Enfim, só. Estava tão cansada, que se jogou na cama de roupa e tudo. E chorou, chorou, chorou, chorou..., soluçando ainda na cadência do samba.

19.8.06

Microcontos

Seguem pequenas experiências inspiradas nuns microcontos que li de um livro organizado pelo escritor Marcelino Freire. A proposta do livro era de contos de até 50 toques (sem contar título e pontuação). Os meus passaram um pouco. Mas foram o máximo, digo, o mínimo que consegui.
- Vem cá, vem.
Foi.
- Pega esse pau, vai!
Pegou.
Levou na boca.
Era um bom cão.

No enterro

- Do pó vieste, ao pó retornarás...
A mãe desmaia.
O padre não sabia da overdose.

O suicida sádico

- Pula! Pula! ...
Hesitou. Calculou.
E jogou-se sobre a multidão, levando o coro consigo.

17.8.06

Salto alto

Um salto alto. É disso que preciso. Um salto alto para subir na vida. Um salto bem alto, para sentir-me viva. As unhas grandes, pintou-as de vermelho-sangue. As das mãos e as dos pés. Da cor do sangue que fervia-lhe na face. Pôs-se nas pontas dos pés sobre o salto mais alto que tinha. Um pretinho trançado que se fechava no tornozelo, modelando as pernas compridas e bem torneadas. Dispensou o pretinho básico para cobrir-lhe o corpo. Revirou todo o armário e quando o viu, revirou os olhos. Era este! Um vestido deslumbrante com rajadas de vermelho e preto. Um sensual decote em v a emoldurar-lhe o colo deixando os seios levemente a mostra, deixando os seios a desejar. Um frente única que lhe deixava as costas nuas até o cóccix, onde o tecido mole se acomodava em leves dobras, e se desdobrava pelo quadril dando molejo ao rebolado. Rebolou até o banheiro, onde o espelho lhe aguardava para dar o toque final. Dispensou o pó, pois queria nua sua pele da face. Apenas modelou os olhos com lápis, rímel e uma sombra clara. Cobriu a boca de vermelho-unhas. E sorriu para si. Cabelos revoltos, os deixou, como ela mesma era. Sentiu-se uma pantera. Felina e poderosa. Feroz. E desfilou seu rebolado para os cômodos da casa, largando um rastro de perfume fatal. Já na sala, ele a aguardava. Ela o pegou, encheu o copo, e o bebeu com tamanho prazer. Aquele whisky era tudo o que tinha naquela noite vazia.

14.8.06

FLIP: o OFF do OFF (ou, simplesmente, ON)

Vi Cataldo catando verso da pedra pisada em Parati e tacando tudo por ali. Vi Dudu criando verso da vida vivida, dando vida ao papel do poeta e quase perdendo a voz de tanto encontrá-la. Vi também Alex, Marcelo, Diego, Cabral, tudo que é filé de peixe, dando banquete de versos servidos de bar em bar. Vi a poesia maloqueirista regar de gíria paulista o chafariz da praça. Vi a Carpes com toda a sua Graça. Vi João Luiz e Tavinho armando o palco e acendendo a tocha pra iluminar a poesia de quem fosse. Vi poeta em cada esquina, em cada praça, em cada bar, em tudo que é lugar. Ouvi a poesia da boca do poeta, li a poesia da página do livreto. Toda a poesia me comove. Como comove a poesia do mar batendo no cais, do rio riscando pedras e formando poços, da lua cheia entrecortada pelos galhos secos da árvore como única fonte de luz, da pedra pisada, pedra pisada, pedra pisada, da caminhada na estrada, do balanço da carroça que me leva, do borbulhar da pinga fermentando antes de tornar-se pinga, a poesia da ginga, da dança, a poesia do olhar da criança índia e de toda a família vendendo sua palha no chão, enquanto passam pés, uns com pressa, outros não, e sempre algum que tropeça no vão da pedra do chão, a poesia do riso, do porre, da ponte que todo dia eu atravesso, do menino pulando da ponte na água suja, da água suja a caminho do mar, da estátua erguida que é Iemanjá, a poesia de deitar quando se tem sono, de acordar quando está sanado, a poesia de andar a esmo vendo poesia em tudo que é o mesmo, em tudo o que destoa. A poesia que se faz à toa. Sempre me comove a poesia que se move entre um pedaço de espaço e um movimento de tempo. Eu me movo na poesia de cada momento.

8.8.06

silêncios

há silêncios que me apavoram
silêncios que eu insisto em prolongar
e me apavoram
silêncios de eternidade
que podem se impor a qualquer segundo
silêncios de voz travada e respiração presa
silêncios de contenção
silêncios-represa
quando um silêncio assim me toma
sei que estou prestes a explodir
cá dentro ouço tudo ruir
uma orquestra infernal estremece meu ser
cá dentro uma soprano se exercita
com toda a sua potência vocal
cá dentro se parte um vidro de cristal

vozes

em delírio ouço vozes
que são as minhas
e me dizem como agir, o que pensar, o que falar
são muitas vozes que se contradizem
soam tão alto que desorientam
tanto me ecoam que me deixam vácuo
se impõem tão forte que me largam fraca
quando serenam
já não ajo, já não penso
quando elas calam
já não falo

7.8.06

"Ao homem que não me quis"

"De tanto não vir, João pregou-me nesta paisagem feito um crucifixo." (do conto "Natureza morta", de Ivana Arruda Leite)


Mas minha paisagem não é tão bela quanto a dela. Na verdade, não passa desta tela. Pois noutro conto ("Mulher do povo"), Ivana escreve: "Os livros são a minha salvação. Quando tudo ao redor se torna insuportável, enfio a cabeça dentro deles e espero o temporal passar." Foi o que fiz hoje. Passei a tarde lendo "Ao homem que não me quis". E foi o suficiente para querer mais, para querer ler todos os livros desta mulher! Os contos são todos maravilhosos! Gostei especialmente de "Da difícil vida das rêmoras". Gosto de ser surpreendida. E o conto tem umas reviravoltas magníficas até o final. Mas o que dá título ao livro é também uma delícia, e todos os outros. Não teve um, por mais curto e grosso que fosse, de que não tenha gostado. "Por Deus" são apenas duas frases: "Tira essa faca do meu peito e enterra o pau. É muito mais confortável." Caralho, Ivana! Que poder de síntese fantástico!
A primeira vez que vi a Ivana Arruda Leite foi em cena, no projeto "Autores em cena", no Itaú Cultural, em maio deste ano. Ela e a Índigo arrasaram com uma direção também arrasadora da Fernanda D'Umbra. Foi lá que comprei o livro dela. Mas só agora li. Tenho uma certa compulsão por comprar livros. Mas nunca tempo suficiente para ler todos. Então ele ficou na estante, aguardando o momento exato para ser lido. Lido, não. Devorado. E já virei fã de carteirinha. Ela tem também um blogue, que eu vou linkar aqui do lado:
http://www.doidivana.zip.net/ . Tá lindo, lindo. Vale muito a pena conferir!

6.8.06

Avenida Dropsie e outras deste Bronx


É no Bronx que se passa o espetáculo que vi ontem. Mais precisamente na Avenida Dropsie, que dá título à peça encenada pela Sutil Companhia de Teatro, em cartaz no Teatro Nelson Rodrigues. A Avenida Dropsie dos quadrinhos de Will Eisner, que Felipe Hirsch levou ao palco. O movimento corporal dos atores reproduzia com precisão o movimento congelado pelos traços dos quadrinhos. Era possível ver a ação quadro a quadro tal como num quadrinho. Só o trabalho dos atores poderia bastar para levar aquele universo ao palco, mas Hirsch ousou mais, muito mais. Ousou erguer um prédio de três andares, em cujas janelas víamos uma profusão de histórias individuais se chocarem naquele espaço coletivo, incomunicáveis. Ousou levantar uma quarta parede real, constituída por um telão transparente em que se projetavam os traços do próprio Will Eisner, suas falas, também ouvidas em off na voz de Gianfracesco Guarnieri, e até mesmo os pensamentos dos personagens enfileirados lado a lado dentro de um trem. Hirsch derramou sobre os atores um temporal e inundou o teatro daquele efeito de chuva próprio aos quadrinhos de Eisner. Essa plasticidade ousada e precisa do espetáculo bastaria para reproduzir aquele universo. Mas Hirsch foi muito além. Ultrapassou a superfície das relações entre as pessoas das grandes cidades. Mais do que a solidão individual em meio ao caos urbano, a peça comunicou a incomunicabilidade. E eu ali, incomunicável em meio ao teatro lotado, eu me vi ali, naquele palco, em diversas situações do dia-a-dia. Eu não me transportei para aquele universo, porque aquele universo é o meu universo. Aquele barulho, aquela agitação, aquela pressa, aquela falta de diálogo, aquela violência, aquilo tudo invade os meus sentidos a todo o momento pelas avenidas do Rio de Janeiro, pelas paulistas, pelas vidas vividas nas avenidas das grandes cidades. Eu ontem estive no Bronx. Não apenas no Bronx de Will Eisner e Felipe Hirsch. Estive no Bronx do Rio de Janeiro. Desfilando sozinha a minha invisibilidade a caminho do teatro para comprar o ingresso. Desfiando a minha incomunicabilidade a caminho do Odeon, para ver Zuzu Angel enquanto aguardava o horário da peça. Desafiando a minha solidão na saída do espetáculo para tomar umas na Lapa com um amigo que lá encontrei. Dissolvendo-me na violência que me assaltou a caminho do 100. Enfim, levei um papo com os assaltantes, pois só tinha o dinheiro pra voltar pra casa, e eles me deixaram partir em paz com meus 10 reais. Ainda lhes desejei boa sorte antes de lhes dar as costas e caminhei mais uns tantos metros sombrios mergulhada na minha solidão. Refletido na janela do ônibus, meu olhar ainda refletia todo esse universo. Das avenidas Dropsie, Rio Branco, Paulista, Amaral Peixoto, Roberto Silveira... De todas as avenidas ensolaradas e tempestuosas da minha vida.
Acabo de voltar do Bronx.
Amanhã eu explico.

2.8.06

Está dada a largada!

A maratona é a montagem do meu filme. A linha de chegada, o CEP do dia 29/08, comemorativo dos 16 anos. Comecei hoje a decupagem das fitas. Tenho cerca de 10 fitas pra decupar, contando com o material de arquivo que eu ainda tenho que gravar. Depois mapa de edição e montagem. Sendo que no meio ainda tem o meu trabalho e cinco dias de FLIP. Ufa! Vamos ver agora como está o meu preparo físico... (e mental) O que vou apresentar dia 29 será apenas a primeira versão, porque o produto final dependerá da filmagem dessa exibição. E dependendo da reação do público, eu ainda posso mudar mais alguma coisa pra versão final. Como é um centro de experimentação poética, vou experimentar o meu filme por lá! O título, resolvi tomar de empréstimo ao Chacal: "CEP - só indo, só vendo, ouvindo, vivendo". Acho ótimo porque desautoriza o próprio documentário como reprodução fiel da realidade. "Ce n'est pas une image juste; c'est juste une image", já dizia o velho Godard. Se não tivesse a frase do Chacal, acho que incluiria essa citação do Godard no filme. Talvez inclua assim mesmo, só pra dar esse ar blasé de quem cita Godard em francês...

1.8.06

FLIP 2005-2006

Ano passado foi assim. Resolvi ir com um mês de antecedência. Chamei vários amigos. Ninguém podia. Fui sozinha. Vi que tinha um evento de poesia da OFF FLIP, um concurso com um nome interessante: Cabaré Literário. Me inscrevi. Foi minha primeira aparição pública como poeta. No concurso e com a publicação de um fanzine. Quase morri de vergonha, mas saí do armário. E teve quem gostasse... Depois disso que criei o blogue, publiquei um outro fanzine, comecei a participar dos eventos de poesia no Rio. Ainda morro de vergonha. Pra falar poesia em público, é um custo. Prefiro me esconder atrás da tela. E pra falar a verdade, não me considero poeta. Só arrisco uns versos vez em quando, pra não sufocar. É terapêutico. Curioso é que depois disso comecei a ter uma preocupação maior com a forma. Antes era enxurrada, torrente de palavras. Agora, é uma coisa mais contida. Meu estilo, se é que posso dizer que tenho um estilo, mudou. Não sei se pra melhor ou pior. As enxurradas me são mais terapêuticas, e ainda as tenho. Mas elas saem mais em forma de prosa, que em verso, uma coisa sem quebra e quase sem pontuação. Gosto das tempestades, da água batendo na cara, do cheiro de terra molhada. Gosto mais de escrever assim. Acho que vou parar com o blogue e com essa preocupação chata de escritor com a recepção do leitor. A verdade é que escrevo pra mim, e não pra você que me lê. Já até me deixei levar no embalo da tempestade e mudei o rumo da prosa. Falava da FLIP, que fui sozinha e foi uma experiência marcante na minha vida. Fiquei no albergue e conheci pessoas maravilhosas, que se tornaram a minha turma lá, me apaixonei perdidamente por um jovem poeta que hoje é um amigo muito querido e de cujo trabalho admiro muito, vi tudo o que quis e deixei de ver o que todos queriam, porque Jô e Jabor tão na TV todo dia e eu nem gosto... Enfim, foi du caralho! Este ano, não estava tão empolgada. Mas ontem, uma amiga me botou uma pilha e eu embarquei. Agora, ela nem sabe se vai ou não vai. Mas eu vou. Viajar acompanhada é bom para compartilhar as coisas, mas sozinha também é muito bom, porque vc fica mais livre, leve e solta. Tem gente que vive na dependência do outro. Eu gosto de sair sozinha. Então, tá decidido. A programação da FLIP tá em www.flip.org.br e dá pra ver a da OFF FLIP em www.paraty.com.br . Vou lá ver Maria Bethânia, Ferreira Gullar, mas vou ver também Marcelino Freire e Fabiana Cozza!...