29.5.06

Porque eu sou feita de sombra e luz, às vezes me pego assombrada com minha própria sombra, a me soprar ventos no ouvido como alma penada. Tem um medo em mim que me persegue, um medo de mim, um medo do que eu posso trazer à luz, do que eu posso iluminar, porque toda a luz deixa vultos envoltos em sombra, em toda luz, toda luz há sombra.

28.5.06

Todo dia, tudo sempre igual. Roupa seca no varal que ele esqueceu de tirar. Na geladeira, só maçãs e água. Uma vela sempre acesa em seu pequeno altar. Um livro aberto na cabeceira da cama, parado na mesma página há dias. E eu a esperar, esperar, esperar... Chego a me exasperar, porque ele não vem!... Mas afinal, estou rodeada dele por todos os cantos da casa. Em tudo vejo suas pequenas manias que eu amo. No jeito de ajeitar os livros, na forma de compor o altar, nas quinquilharias espalhadas por cada cômodo da casa, coisinhas inúteis que ele adora comprar, novidades que o divertem como criança. Quase posso ver seu sorriso de criança pra cima e pra baixo com o brinquedinho novo! Quase o tenho em meu colo, nos meus braços. Quase. Espero. Exaspero. Amo. Completamente. Eu, como criança. Como criança que ganha o presente dos seus sonhos. Como criança que o tem em suas mãos e não pode brincar. Como criança sapeca que, à menor distração dos adultos que a reprimem, ataca seu brinquedo com tamanha fúria e êxtase, que quase sem querer, o quebra com as próprias mãos, espalhando os cacos em seu colo. Criança desolada que olha os cacos de seu sonho. Que se fere a juntar os cacos no colo, sem cola pra juntar. Como criança que chora alto toda a sua dor, toda a dor do mundo nos soluços estrondosos dessa criança. Ele ouve de onde está. Ele chega, me põe no colo, me aperta, me nina, "minha menina", "minha menina", e eu amoleço em seus braços. A gente, meio criança, meio cobra criada, aposta todas as fichas nesse jogo que a gente inventou. Um jogo que em tese não tem vencedor. Até que se descobre uma carta na manga. Até que um se sente uma carta fora do baralho. Até que um se acha perdendo, ou perdido, bagunça o jogo e vai-se embora. O tabuleiro expõe o jogo revirado. E cada um num canto, como criança abandonada, sai por aí a pedir esmolas. "Ei, moço, me dá um trocadinho do seu, que eu perdi o meu amor".

26.5.06

Bendita Palavra Maldita

Ontem começou o Bendita Palavra Maldita, evento que Chacal tá produzindo no SESC de Copacabana. São quatro noites de performances poéticas, di grátis. Cada dia, dois artistas se apresentam. Ontem, teve Botika e Fausto Fawcett, com participação de Renata Davies. Ponto alto pra Renata Davies, como a "Faveloura com brinco de pérola". A moça já tinha me chamado atenção na peça do Fawcett, "Cidade Vampira". Ela passa uma espontaneidade incrível! O Fawcett e o Botika também estiveram muito bem, claro! O Fawcett tá sempre bem, com aquele jeitão dele meio debochado! O Botika eu nunca tinha visto. Gostei. Principalmente ele de Lucas Frizzo jogado no puff vermelho contando sua história de amor com a Malu... Mader. Hoje tem mais. Hoje tem Alex Hamburger e Domingos Guimaraens. Amanhã, Chacal e Omar Salomão. Domingo, Viviane Mosé e Maria Rezende. Sempre às 20h. Até lá!

23.5.06

"Chovia, sim... E quando chove em cima das igrejas, os anjos escorrem pelas paredes..." (da "Valsa nº. 6", de Nelson Rodrigues)
Chovia...
E quando chove, lhe invade uma estranha nostalgia.
Ela pára a contemplar a enxurrada, hipnotizada por cada gota, cada gota, cada gota....
Dir-se-ia que tinha ficado louca.
Nada, absolutamente nada desviava a sua atenção do temporal.
Ela se entregava à chuva...
Como se sua alma fosse feita de nuvens, águas, raios e trovoadas...
Ela era bela e forte como a tempestade.
E como a tempestade, devastadora.
E não estava nem aí pra isso, ou aquilo.
Ela simplesmente era. Como a tempestade é o que é e ponto.
Quando chove, me invade uma estranha nostalgia.

Dir-se-ia que esta mulher fui eu quando jovem. Dir-se-ia...

21.5.06

recém ex-fumante

ainda no clima "mudar de vida", acabo de tomar uma decisão: parei de fumar! torno público, para ser cobrada. se bem que nunca quis ser coerente... mas agora é sério, há alguns minutos que não fumo mais. a crise de abstinência ainda não começou. mas eu sei que ela virá. já parei outras vezes. mas agora é sério. e eu sei que ela virá. e que eu vou pensar em pedir um cigarrinho pra alguém dizendo pra mim "só mais este, é o último". e que isso é mentira. e que eu não me engano. então, não vou botar mais um cigarro na boca. nem um trago, nada. e vou me contorcer. e vou ficar inquieta. agitada. tensa. mau humorada. irritada. e vou bater as pernas. e vou apertar as mãos. e vou ficar sem saber o que fazer com as mãos. e vou segurar uma caneta como se fosse cigarro, ao sentir que me falta algo entre os dedos. e vou puxar o ar pela boca, como se fosse fumaça. vou encher os pulmões de ar e soltar. tsss... pffff... inspira. expira. e eu vou pirar!... mas vou parar de fumar!

porque assim:
1. vou sentir cheiros;
2. vou sentir gostos;
3. vou ter mais fôlego para beijar, dançar, fazer trilhas etc;
4. vou ter meu próprio cheiro;
5. vou ter hálito de pasta de dente;
6. minhas unhas não ficarão mais amareladas e quebradiças;
7. meus dentes ficarão mais brancos;
8. minha rinite alérgica mais amena;
9. meus pulmões mais limpos;
10. minha voz menos rouca;
11. vou gastar menos dinheiro;
12. minha casa ficará mais limpa e cheirosa;
13. não ficarei irritada com placas de proibido fumar;
14. serei uma mulher mais independente;
15. serei uma mulher mais saudável.

e pra isso, eu vou:
1. passar um tempo sem tomar café;
2. dar um tempo na bebida alcóolica;
3. mascar chicletes o tempo todo;
4. beber água, muita água;
5. me afastar um pouco dos amigos fumantes ou fazer aquela proposta clássica: "vamos parar juntos?"
6. quando a vontade apertar, fumar daquele que não me vicia, só pra sentir o gostinho de tragar.

se algum ex-fumante bem sucedido tiver mais alguma dica ou quiser me deixar uma palavra de incentivo, por favor, comente. todo apoio nessa hora é bem vindo. só não gosto de ex-fumante chato que vira antitabagista de plantão!

18.5.06

abrem-se as portas do armário:

eu tava que nem aquela música do zeca baleiro, triste, tristinha, mais sem graça que a top model magrela na passarela, eu tava só, sozinha, mais solitária que um paulistano, que um canastrão na hora que cai o pano... mas hoje eu recebi um telegrama. não, não, não recebi telegrama nenhum. ninguém disse que me ama. quer dizer, eu disse que me amo. por isso hoje eu acordei com uma vontade danada de mandar flores ao delegado, de bater na porta do vizinho e desejar bom dia, de beijar o português da padaria. porque eu disse que me amo e não vou mais perder meu precioso tempo de criação artística enfurnada na burocracia do serviço público! é isso mesmo. eu sou funcionária pública concursada e vou chutar o balde! foda-se a estabilidade! foda-se! eu quero viver na corda bamba, porque equilibrismo é arte!... acorda, bamba! cansei de beladormecer! vou assumir de uma vez por todas, vou sair do armário: eu sou artista! pronto, falei. desculpa, mãe. mas é isso o que eu sou. eu sei que você preferia que eu tivesse terminado o curso de jornalismo e apresentasse o jornal nacional. mas olha, mãe, eu agora tenho nível superior: bacharel em cinema! táqui o diploma. eu sou cineasta. eu tô fazendo o meu filme. olha, mãe, roteiro e direção: beatriz tavares. olha o crétido. vê o filme. tá du caralho! eu sou poeta. olha só. tenho até um blogue! e tenho fôlego pra falar poesia até dar um nó nas cordas vocais! e eu ainda quero mais. eu sou produtora cultural. porque a partir de agora, eu vou me produzir. eu jogo o cabelo pra trás, poderosa, ergo a cabeça e faço o que eu quero! e eu quero mais... eu vou voltar a fazer teatro. nunca devia ter parado. eu sou atriz. eu amo o palco, os refletores na cara, as cortinas se abrindo, o friozinho na barriga e meeeeerdaaaaa... eu armo a cena. e agora eu tenho um projeto. eu tô segura. e quando eu tô segura, ninguém me segura. vai ser um espetáculo!

e abrem-se as cortinas do palco:

17.5.06

HOJE: RATOS DI VERSOS

SEXTA: FILÉ DE PEIXE

ponte aérea

a caminho das nuvens, cá do alto, vejo o rio de luzes com seus mil afluentes entre morros e mares, e morro de amores!...
...
sobre as nuvens cinzentas que recobrem são paulo, estou eu a contemplar a lua de perto!... quase posso tocá-la... perfuro as nuvens e pouso no concreto.

truque de olhares

às vezes o olho com um olhar enigmático, só para ouvi-lo se perguntar em silêncio no que será que estou pensando. depois, sorrio, satisfeita. porque naquele exato momento tenho a certeza absoluta de que ele pensou em mim.
mal chego de são paulo, aquela coisa toda - quase uma viagem de lua de mel, mas com direito a milhões de interferências muito bem vindas, rever vários amigos, fazer outros tantos, autores em cena no itaú cultural, nossos passos na paulista, "de perto ninguém é ninguém", diz a faixa da luta antimanicomial, e a gente se aproxima, e mistura cerveja com boazinha na praça roosevelt e termina a noite na "balada" do satyros 2, e come um japonês na liberdade (uma comida, não um homem, não confundam; e a liberdade, infelizmente, ainda é só um bairro de sampa, assim como o paraíso), e chopp vai e chopp vem na vila madalena, a cidade se apavora e se recolhe, eu peço pizza pra não contrariar a política nacional, a pizza de são paulo é a melhor do mundo, não resisto, vou terminar em pizza e me acabo, consigo encontrar o sérgio bianchi pra entregar a minha monografia sobre o filme dele e adoro o jeito deslocado que ele tem até mesmo dentro de sua própria casa ao receber alguém que o admira, meio sem jeito, meio irritado, meio querendo ser simpático, aí vou pra usp me reunir com o ismail xavier que diz pela segunda vez que não poderá me orientar no mestrado e minha vontade é de chorar e não me escorre nenhuma lágrima, só me resta um aperto, uma tristeza que não me sai, aí fudeu, trocaram a minha passagem e eu disse que vou processar a bra, me estressei no aeroporto, mas cheguei em casa, cansada e triste, apesar daquela coisa toda -, o fato é que mal chego de sampa e tá rolando essa coisa toda: chacal dá oficina no sesc como parte da programação do bendita palavra maldita (http://benditapalavramaldita.zip.net), dudu e daniel produzem a estréia dos ratos di versos na lapa (www.verbologue.zip.net), alex topini organiza o filé de peixe (mando a divulgação amanhã), e eu querendo estar em tudo ao mesmo tempo agora. mas só estou triste. é foda.

7.5.06

2 eventos e 1 observação

Ai, que canseira!... Ser hiper-ativa não é mole, não. Mal termino a faculdade e já arrumo zilhões de atividades pra consumir minhas energias, que às vezes parecem se esgotar, mas se renovam sempre! Então, lá vamos nós:

Amanhã, dia 08/05, tem Dizer Poesia na Livraria Ver e Dicto, em Niterói (Rua Moreira César, 158 - Icaraí). Se não me engano, é por volta das 20h.

No mesmo horário é o Planeta Letra, no Planetário do Gávea.

Queria me partir ao meio, mandar o corpo prum lado e a alma pro outro da Baía de Guanabara. Mas a minha poesia é de corpo e alma, e desta vez ficará atracada em Niterói.

Uma observação: Hoje observei um tucano. Troquei uma idéia com o tucano. Descobri que o tucano troca o bico. O tucano é o bicho! Não devia ser símbolo do PSDB. O tucano estava preso numa gaiola, o que é uma pena, não a de ave, mas a de pesar. O tucano não devia ficar preso em gaiolas ou em símbolos partidários. O tucano devia trocar o bico por aí, equanto eu troco as penas a duras pernas...

2.5.06

p/ Fabiano Reis

Agradeço a participação de todos os poetas que mandaram sugestões de versos para fechar meu poema incongruente. A escolha não foi tão fácil quanto seria escrever declarações de amor para todos vocês! Mas acabei ficando com a saída pela tangente do Fabiano Reis. E eis a primeira parte do prêmio:

Fabiano, resolvi fazer minha declaração de amor a ti em forma de poema, baseado na estrutura de um poema teu que eu gosto muito. Lá vai...

Será que você passou por mim sem me ver?
Será que eu já te encontrei sem perceber?

Será que quando dorme você sonha em me achar?
Será que acordado, vive a me procurar?

Será que imagina o meu rosto
como eu o teu?

E olha tantos olhares
a fixar o meu?
Será que seremos nós, você e eu?

E quando formos um, será o pecado nosso paraíso?
e nosso maior inferno
será a ira de deus?

Será infinito enquanto dura?
Será que essa ânsia louca de te amar
será que tem cura?

Quanto de mim
será que você
quer em si?

Planeta Letra no AJB

Ontem rolou o Planeta Letra no Arte Jovem Brasileira! O Planeta Letra é foda! O Arte Jovem é foda! Conclusão: foi foda ao quadrado!!! Estiveram lá as figurinhas das fotos abaixo falando seus poemas:

euzinha










karluxo












chacal












maristela












nietszche









dudu









daniel se perdeu pelas estradas...
tavinho tava vindo e não veio...
maurição não apareceu...
...

O Planeta Letra é uma reunião de poetas para falar poesia que rola toda segunda-feira no bar do Planetário da Gávea.

No Arte Jovem rolou ainda show do Caô de Raiz, que eu sempre adoro!, uma performance de música e poesia com Érica Alves e Henrique Monnerat, que foi show!, a exibição do filme Criaturas, da Marcinha Brêtas, que eu ainda não tinha visto e amei!, entre outras atrações... e amigos, muitos amigos! todos sempre batendo ponto nas noites de São Domingos...

Resultado do Concurso

Ele tanto insistiu, que conseguiu! O prêmio é dele: Fabiano Reis! Republico abaixo o poema com o novo verso. Em breve, publico a declaração de amor sincera ao poeta vencedor. O beijo apaixonado ainda aguarda algum encontro.

incongruente

vem zumbir no meu ouvido
que adora o meu sorriso
e só me faz ranger os dentes

ele chega sorrateiro
me promete o mundo inteiro
depois faz que não entende

me devora na surdina
diz que eu sou sua menina
e logo sai pela tangente

diz que é química ou sei lá
que o meu corpo é o seu lar
e vai-se embora de repente

sempre repete:
só se encontra em minha pele
mas só me repele, só me repele

ele é meu mosquito e meu repelente.