23.2.08

noite inequívoca

apague os raios da tv
apague a luz
apague a lua
apague cada poste
apague cada estrela
desligue os faróis
não coloque o pisca-alerta
feche os olhos
baixe a tela do laptop
deixe a treva me envolver
faça barulho, grite, cante, berre, buzine
emita o raio de som que quiser!
mas apague todos os raios de luz
dê férias remuneradas para o sol
ele que vá brilhar em outras galáxias!
escuridão, por deus, escuridão!
meus olhos pedem descanso
meus olhos já viram tanto
meus olhos pesam
não tenho sono
eu apagada
não quero ver
quero despencar da janela do 14o andar
num baú de noites escuras
ter 24 horas de infinita madrugada
transitar pelos becos mais sombrios
noite sem lua em mata fechada
todos os sons da mata, todos os da cidade
mas nenhuma, absolutamente nenhuma claridade!
quero enxergar a cor da solidão
quero sentir a vida em braile
já passa da meia-noite
não me acorde amanhã
[lembrete: comprar cortina nova para o quarto]
sol, não me acorde amanhã
sol, me deixe só
- alô, é do corpo de bombeiros? há um incêndio no céu! alguém, por favor, tenha a bondade de apagar o sol!
e não se esqueçam: o último a sair, desligue o interruptor.
é no escuro que os brinquedos dançam pondo medo nas crianças
me deixe dançar com meus medos, com meus brinquedos, minhas crianças...
me deixe assustar os monstros debaixo da minha cama...
se quer iluminar, que arrume outra companhia!
já pedi, por deus, me deixe

me deixe escurecer sozinha.

16.2.08

APROVADA!

Foi meu melhor presente de aniversário, embora com uns diazinhos de atraso. Fui aprovada no vestibular de teatro da Unirio! Fiquei em 30º lugar. Ainda não fui chamada, pq pro primeiro semestre são 25 vagas. Mas acho que na reclassificação, entro logo no primeiro semestre. Assim espero! Senão, daqui a 6 meses eu tô lá. O importante é que EU PASSEI! trálálá... Depois digo onde vamos comemorar! Mas vai ser sem álcool, que eu tô sem fumar! (ai, que vontade, que vontade que dá... bia, se controla! eu vou me controlar.)

13.2.08

ANIVERSÁRIO (Álvaro de Campos)

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,

Pondo grelado nas paredes,
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na louça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...