4.7.11

ESSES PÁSSAROS MORTOS E OUTRAS PEDRAS AGUDAS



é que pássaros amanheceram cantando no meu peito
essa música aguda, fina, tão estridente, como uma dor
e eu que pus grades e cadeados e joguei a chave fora
eu que não gosto de pássaros enjaulados
eu que não gosto de ser acordada por canto de pássaros
no meu sono de 100 anos de buzinas, derrapagens e alta velocidade
por que você plantou esse pássaro pra definhar no meu peito?
eu que nunca lembro de regar as plantas
eu que dependo da água da chuva até pra chorar
que a terra dos meus olhos está seca, muito seca
que meus olhos são um imenso sertão de carcaças ao sol
que toda a minha água foi sugada por um bando de pássaros insaciáveis
que me fizeram de ninho antes dessas gaiolas
seu pássaro está morrendo e vai apodrecer aqui dentro
cercado por altos muros de pedra de torres longínquas
que meu coração é mais rocha que emoção
é preciso cavar um túnel com explosivos
e o pássaro já está exalando odores de morte
e os explosivos são dores menos agudas e mais fortes
e vão deixando buracos cada vez mais fundos
mas você não se importa com isso, não é mesmo?
achou bonito instalar esse maldito pássaro no meu peito
me colocar numa galeria ou no meio da rua
e dizer que é performance ou instalação
e posar de artista contemporâneo quando o corpo é meu
e eu queria apenas esculpir uma coisa bonita na minha rocha-coração
como um pássaro silencioso de asas paradas
aquele seu sorriso quando não havia nada a ser dito
meus olhos por trás da chuva disfarçando possíveis lágrimas
qualquer coisa bonita, parada e sem som de cantos ou de explosão
mas tudo é sempre movimento e som
e eu joguei a chave fora

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