26.10.11

FIOS

Examino demoradamente um emaranhado de fios sobre a mesa. Sem nenhuma intenção. Sem nenhuma reflexão profunda. Apenas eles estão ali parados sob o meu olhar, nessa inclinação de cabeça que eu poderia chamar de tristeza ou desolação ou simplesmente sensação do vazio. E é apenas uma inclinação de cabeça que faz meu olhar repousar nesses fios. Os fios me parecem então, de súbito, tristemente embolados. Como que presos uns aos outros. Sem saída. E isso ainda não quer dizer nada. Eu não quero. Apenas me parecem fios presos e desajeitadamente caídos sobre a mesa, desligados, sem utilidade, embolados, esquecidos. Pobres fios! Me compadeço de sua inutilidade, de sua falta de jeito, de sua falta de graça. Fios desmoronados da noite no centro dos meus olhos. Sem curtos-circuitos, sem nenhuma carga elétrica, nenhum impulso, pulsão de vida. Fios como que mortos, seus corpos retorcidos e insepultos, agredindo o meu olhar distraído. Posso desembolar esses fios, e seguir desembolando os outros fios da mesa, e todos os fios da casa, e todos os fios da rua, e todos os fios do mundo, mecanicamente e desesperadamente, como para me salvar da morte, ou como quem segue vivendo, tanto faz. Não vou desembolar fio algum. Sempre haverá algo retorcido e tristemente largado em algum lugar para a gente esquecer um olhar, numa leve inclinação de cabeça que eu poderia chamar de tristeza ou desolação ou sensação do vazio. E é só uma inclinação de cabeça.

Um comentário:

Anônimo disse...

apenas isso.
o vazio
que não consegue ser apenas.
por isso é vazio.
porque não contém um monte de coisas que estão ali. no onde que for