27.8.06

Pâmela

"A flor também é ferida aberta que não se vê chorar"
Chico Buarque

Pâmela florescia com as primaveras, ardia nos verões, secava no outono, caía no inverno. Ela crescia com a lua, se enchia e minguava até fazer-se invisível. Seu sorriso era um pranto inconsolável; suas lágrimas, de tanto rir. E de tanto andar sem chão, aprendera a levitar. Andava fora de si. E podia ver-se entre os passantes, entre as passistas, em cada pista que pisava aquele corpo abandonado. Aquele corpo que não perdia o rebolado. Aquele corpo que se perdia. Pâmela via tudo lá do alto, lá de baixo, lado a lado, nunca no mesmo lugar. Pâmela, que não cansava de se procurar, só se encontrava fora de si. E quando se achava por fora, caía em si. E despencava em oito abismos de infinitos. E quanto mais lhe faltasse o ar, mais cigarros tragava para não sufocar. Só bebia para se embevecer. Só se embriagava de dor e prazer. Só, bebia. Só, se embriagava. Sempre só e ainda mais só quanto mais acompanhada. Porque Pâmela... Pâmela só levitava. Andava fora de si, a vislumbrar tudo e todos e a si mesma com certo estranhamento. Todos falavam de tudo. Pâmela calava. Porque tudo ecoava dentro de si. Nadava, nadava, nadava no nada. Ela estava distante, léguas e léguas daqui. Tão distante que poderia jamais encontrar o caminho de volta. Suas migalhas que deixara como rastro foram devoradas por aves famintas. Estava esmigalhada. Quando encontraram o corpo, tremia no frio mais frio do inverno. Era uma noite de lua nova.

2 comentários:

Anônimo disse...

...e nessas horas que se chega ao êxtase (acho que já disse essa palavra por aqui), ler seus textos me tira o fôlego, me lavam a alma, me deixa impaciente tentando encontrar um meio de continuar preso neles!

Beatriz Provasi disse...

Nossa, Saulo, obrigada! Beijos e até terça!