6.8.06

Avenida Dropsie e outras deste Bronx


É no Bronx que se passa o espetáculo que vi ontem. Mais precisamente na Avenida Dropsie, que dá título à peça encenada pela Sutil Companhia de Teatro, em cartaz no Teatro Nelson Rodrigues. A Avenida Dropsie dos quadrinhos de Will Eisner, que Felipe Hirsch levou ao palco. O movimento corporal dos atores reproduzia com precisão o movimento congelado pelos traços dos quadrinhos. Era possível ver a ação quadro a quadro tal como num quadrinho. Só o trabalho dos atores poderia bastar para levar aquele universo ao palco, mas Hirsch ousou mais, muito mais. Ousou erguer um prédio de três andares, em cujas janelas víamos uma profusão de histórias individuais se chocarem naquele espaço coletivo, incomunicáveis. Ousou levantar uma quarta parede real, constituída por um telão transparente em que se projetavam os traços do próprio Will Eisner, suas falas, também ouvidas em off na voz de Gianfracesco Guarnieri, e até mesmo os pensamentos dos personagens enfileirados lado a lado dentro de um trem. Hirsch derramou sobre os atores um temporal e inundou o teatro daquele efeito de chuva próprio aos quadrinhos de Eisner. Essa plasticidade ousada e precisa do espetáculo bastaria para reproduzir aquele universo. Mas Hirsch foi muito além. Ultrapassou a superfície das relações entre as pessoas das grandes cidades. Mais do que a solidão individual em meio ao caos urbano, a peça comunicou a incomunicabilidade. E eu ali, incomunicável em meio ao teatro lotado, eu me vi ali, naquele palco, em diversas situações do dia-a-dia. Eu não me transportei para aquele universo, porque aquele universo é o meu universo. Aquele barulho, aquela agitação, aquela pressa, aquela falta de diálogo, aquela violência, aquilo tudo invade os meus sentidos a todo o momento pelas avenidas do Rio de Janeiro, pelas paulistas, pelas vidas vividas nas avenidas das grandes cidades. Eu ontem estive no Bronx. Não apenas no Bronx de Will Eisner e Felipe Hirsch. Estive no Bronx do Rio de Janeiro. Desfilando sozinha a minha invisibilidade a caminho do teatro para comprar o ingresso. Desfiando a minha incomunicabilidade a caminho do Odeon, para ver Zuzu Angel enquanto aguardava o horário da peça. Desafiando a minha solidão na saída do espetáculo para tomar umas na Lapa com um amigo que lá encontrei. Dissolvendo-me na violência que me assaltou a caminho do 100. Enfim, levei um papo com os assaltantes, pois só tinha o dinheiro pra voltar pra casa, e eles me deixaram partir em paz com meus 10 reais. Ainda lhes desejei boa sorte antes de lhes dar as costas e caminhei mais uns tantos metros sombrios mergulhada na minha solidão. Refletido na janela do ônibus, meu olhar ainda refletia todo esse universo. Das avenidas Dropsie, Rio Branco, Paulista, Amaral Peixoto, Roberto Silveira... De todas as avenidas ensolaradas e tempestuosas da minha vida.

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