15.7.06

E o contorno do céu

Da janela do meu apartamento, eu vejo prédios claros e o contorno do céu.
Sei que detrás deles, se ergue o pão de açúcar lá do outro lado da baía.
Sei que dentro deles, vive gente.
Sei que em algum canto de algum quarto de algum apartamento de algum prédio, uma mulher se espreme e chora, e chora espremida no canto porque não vê lugar que a caiba no mundo.
Noutro canto, uma senhora se acomoda, pensa em Deus e na família, dá graças pelo pão de cada dia e vai preparar o almoço para o senhor seu marido.
Em outro apê, uma jovem faz sexo com um cara que jamais verá e não se incomoda, e goza.
Numa sala qualquer, uma criança cresce com os olhos vidrados na TV.
Em algum lugar, alguém lê.
Em algum último andar, o prédio vem abaixo numa briga irreversível.
Noutro piso, alguém comenta sobre a violência, que “tá demais”.
Alguém também se violenta num emprego que não lhe satisfaz.
Alguém diz que é feliz com olhos de mágoa.
Alguém pensa em revolução jogado no sofá da sala.
Alguém dá de comer aos pombos.
Alguém se serve aos urubus.
Alguém morre de um ataque fulminante.
Alguém morre um pouquinho a cada dia.
Alguém simplesmente escreve sobre o que vê.

E tudo o que vejo claro são prédios e o contorno do céu.

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