28.1.06

Guiguis versus Genis

Nem toda Geni é puta; nem toda Guigui, boneca. Mas entre uma e outra, escolho a primeira. Guigui é pré-fabricada, tem molde certinho, produto de massa, tudo de borracha. Geni se esborracha, se entrega pra massa, não é nenhum modelo, o mundo a fabrica. Mas é humana pra caralho!
Por isso, faço aqui minha homenagem a todas as Genis, seja a de Chico, a de Nelson ou a Geni que vive dentro da cada mulher de carne-osso-aura-e-alma.

Darlene Glória como a Geni do filme "Toda nudez será castigada",
adaptado e dirigido por Arnaldo Jabor


Geni e o Zepelim
(Chico Buarque)

De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Com os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir

Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo - Mudei de idéia
- Quando vi nesta cidade
- Tanto horror e iniqüidade
- Resolvi tudo explodir
- Mas posso evitar o drama
- Se aquela formosa dama
- Esta noite me servir

Essa dama era Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela
- e isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão

Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni

Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir


Joga pedra na Geni
Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Patrícia Selonk como a Geni da peça "Toda nudez será castigada",
dirigida por Paulo de Moraes (Armazém Cia. de Teatro)

Trechos de Toda nudez será castigada
(Nelson Rodrigues)

GENI – Foi minha mãe, quando eu tinha 12 anos. Um dia minha mãe me mandou comprar não sei o quê. Nem me lembro. Eu me demorei. E quando cheguei, minha mãe gritou: - “Tu vai morrer de câncer no seio!” Minha própria mãe me disse isso. Você ainda se admira que eu tenha caído na zona? Toda mulher já foi menina. Eu, não. Eu posso dizer de boca cheia que nunca fui menina.

[...]

GENI – Eu não abandono homem que está por baixo! (Na ânsia de convencê-lo) Ninguém me conhece, mas eu me conheço. Herculano, eu preciso ter pena. O meu amor é pena. Eu estou morrendo de pena. Juro, Herculano! Pena de ti e do teu filho!

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