25.5.08

Clarice & Beatriz

Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem - pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela - apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. Seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez.
Depois, de tanto ele relinchar, sinto cócegas na garganta e o sorriso se alargar. E é desse meu riso selvagem que o cavalo cria asas e sobrevoa a humanidade. À noite ele volta pra casa, pro meu corpo que se abre: me traz coisas do mundo, me dá suas asas, e toda a sua liberdade...!

A primeira parte do texto é da Clarice Lispector, que falei no CAPS que leva seu nome. A segunda ela me soprou ao ouvido depois, sob a lua cheia, quando olhava sozinha o mar do Arpoador... Vou falar nossa parceria no CEP 20.000!

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