28.5.06

Todo dia, tudo sempre igual. Roupa seca no varal que ele esqueceu de tirar. Na geladeira, só maçãs e água. Uma vela sempre acesa em seu pequeno altar. Um livro aberto na cabeceira da cama, parado na mesma página há dias. E eu a esperar, esperar, esperar... Chego a me exasperar, porque ele não vem!... Mas afinal, estou rodeada dele por todos os cantos da casa. Em tudo vejo suas pequenas manias que eu amo. No jeito de ajeitar os livros, na forma de compor o altar, nas quinquilharias espalhadas por cada cômodo da casa, coisinhas inúteis que ele adora comprar, novidades que o divertem como criança. Quase posso ver seu sorriso de criança pra cima e pra baixo com o brinquedinho novo! Quase o tenho em meu colo, nos meus braços. Quase. Espero. Exaspero. Amo. Completamente. Eu, como criança. Como criança que ganha o presente dos seus sonhos. Como criança que o tem em suas mãos e não pode brincar. Como criança sapeca que, à menor distração dos adultos que a reprimem, ataca seu brinquedo com tamanha fúria e êxtase, que quase sem querer, o quebra com as próprias mãos, espalhando os cacos em seu colo. Criança desolada que olha os cacos de seu sonho. Que se fere a juntar os cacos no colo, sem cola pra juntar. Como criança que chora alto toda a sua dor, toda a dor do mundo nos soluços estrondosos dessa criança. Ele ouve de onde está. Ele chega, me põe no colo, me aperta, me nina, "minha menina", "minha menina", e eu amoleço em seus braços. A gente, meio criança, meio cobra criada, aposta todas as fichas nesse jogo que a gente inventou. Um jogo que em tese não tem vencedor. Até que se descobre uma carta na manga. Até que um se sente uma carta fora do baralho. Até que um se acha perdendo, ou perdido, bagunça o jogo e vai-se embora. O tabuleiro expõe o jogo revirado. E cada um num canto, como criança abandonada, sai por aí a pedir esmolas. "Ei, moço, me dá um trocadinho do seu, que eu perdi o meu amor".

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