24.7.12

flores para os mortos

Já faz um tempo que o Rio de Janeiro me parece um grande cemitério, e os cadáveres vagam por aí exibindo suas arcadas dentárias - ossaturas sem bocas sustentando um eterno sorriso. Um grande sorriso sem fim, por toda parte, e é apenas a condição de não ter carne pra recobrir os ossos; não tem nada a ver com felicidade. Ainda procuro algum resquício de vida em alguma esquina. Noites bêbadas de desamparo vagando desesperadamente pelas ruas sem saber para onde ir, até que o sol anuncie o fim de linha e eu me enterre numa cama qualquer, que geralmente não é a minha. Há uns amigos loucos que também procuram, sem cessar. Às vezes a gente se faz companhia, e é como se trouxessem flores aos nossos túmulos solitários. A visita de quem não esquece, no grande cemitério vazio. Aqui e ali, espasmos. Pequenas contrações musculares. Pulsaçõezinhas ínfimas em meio à grande paralisia. A gente não desiste. Mete o pé em algumas portas. Nas placas de proibição. O carro na contramão, sem medo. Dizem que Deus protege os loucos e os bêbados. Se há Deus em qualquer parte, espero que isso seja verdade.


ps. esse desenho aqui é do André Kitagawa.

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