31.3.08

todas elas

para as mulheres do poemática
para ivana arruda leite

a santa e a puta me habitam
na casa que sou
ora mosteiro
ora pardieiro
pouco bate a luz do sol
tenho hábitos noturnos
e hábitos de freira
hábitos me vestem de negro
coabitam na vastidão do escuro
ora clausura, convento
ora vento, raio, tufão
ora sussurro de palavras, oração
e o verbo se solta, o sangue ferve, vira verve
elas sentam juntas no meu colo para tomar chá
com pedrinhas de açúcar e tilintar de colheres
há pouco o que se falar
são mulheres
outras vêm brincar no jardim dos meus cabelos
são ainda crianças a me fazer tranças embutidas
uma me faz cócegas nos pés
só para eu dar risada sem motivo
todas moram em mim
as pequenas dormem cedo
a santa reza antes de deitar
a puta se deita acordada
há pouco o que se falar
todas têm medo
do escuro, de deus, do desassossego
todas rezam na hora do aperto
e guardam, sempre, a navalha entre os dedos

3 comentários:

Cecília Borges disse...

Essas nossas mil mulheres, Beatriz!
Tão únicas dentro de um corpo só.

Beijo!

Anônimo disse...

quanto mais te leio, mas eu gosto. esse é de tirar o fôlego. parabéns, chacal

Anônimo disse...

Este foi o primeiro contato que tive com você. Me encantei. Maravilhoso.bj