9.3.08

La Danaïde, de Auguste Rodin


tédio
tédio mortal
tédio de carregar nos ombros uma existência sem grandes glórias ou grandes desgraças
uma irremediável existência mediana, nem gorda nem magra, nem alta nem baixa, nem rica nem pobre, nem alegre ou triste, entediada apenas
existência ordinária, nem vilã nem mártir, condenada ao purgatório
nenhum feito heróico, para o bem ou para o mal, nada digno de nota
nada me arrebata, nada me abate, nada
quisera eu ser a bruxa queimada, ou mesmo meu próprio carrasco
quisera eu ser da bomba estilhaço a voar pelos ares
quisera eu ser o vento dos ares, ora brisa, ora tufão
quisera eu ser a lava, o vulcão, viver em erupção
quisera eu ser a água em estado de mutação, ora gelo, ora vapor, ora em liquefação, viver me derretendo, para tornar a ser dura, e vez por outra flanar nos ares
queria ter outra vida, nascer noutro corpo,
nascer pedra
não a pedra parada na beira da estrada
pedra atirada de encontro ao policial, em plena passeata
a pedra do caminho que precisa ser tirada
a pedra rara que todos querem, diamante dos amantes da guerra
a pedra cristalina onde o futuro se espelha sob a mira da cigana
a pedra de crack que entorpece
a pedra erguida a quem bem merece
a pedra largada, caída das mãos, pois quem aqui nunca pecou, irmãos?
uma pedra sob os pés de madalena
uma pedra sob as mãos de camille claudel
ou apenas nas mãos de uma poeta, uma pena.
mas a pena que me cabe é pesar, é lamento
dor muda de querer ser tinteiro sendo bic
caneta levada por engano, o cano estourado, falhada
mas ainda assim, contrariando todas as leis do universo,
ainda assim escreve
e ainda, sim, faz versos.

3 comentários:

Anônimo disse...

dona beatriz,

poema jorro, poema copião. não pare não. ao cabo e ao fim dessa briga com a pena, quem sabe, o poema poema.
bjo, chacal

Beatriz Provasi disse...

quem sabe... beijos!

Anônimo disse...

vilão e mártir,gordo e magro,bom e mal,alegre e triste. tudo isso anda em mim,isso tudo em mim existe.sou todo contradição,natureza que o ser humano herda.sou o contrário de ti,o outro lado da mesma moeda. dudupererê