11.11.06

A Inocência d'Os Satyros

Sábado passado tive a oportunidade de ver uma montagem do grupo de teatro Os Satyros em São Paulo: "Inocência", da dramaturga alemã Dea Loher, com direção de Rodolfo García Vázquez. Poderia aqui discorrer sobre uma série de efeitos que engrandeceram o espetáculo, sobretudo as projeções de variados ângulos sobre as mais inusitadas telas (inclusive um guarda-chuva aberto) interagindo com a cena. Mas não. Apesar de à primeira vista os efeitos visuais e sonoros utilizados chamarem a atenção para a criatividade da montagem pela variedade de combinação de elementos cênicos, uma semana depois, não é isso o que fica.
O que fica?
Uma angústia.
Uma angústia que se planta na garganta durante a peça e lá permanece se fazendo cada vez mais sentida. Porque a falta de perspectiva daquelas personagens é a nossa falta de perspectiva. São personagens que se encontram em situações sem saída. E que nem a sorte de encontrar dinheiro pode lhes trazer conforto para as suas necessidades e desejos. Há os que não encontram sentido na vida e se suicidam. E os que permanecem vivos, de que adianta? Estão mortos por dentro. E o angustiante é perceber o quanto deles há em nós. O quanto vamos sendo amputados aos poucos como uma das personagens, só que não fisicamente, vamos tendo a alma amputada e vamos levando a vida em frente ou seja lá na direção que for por força do hábito, mesmo que nosso desejo seja mandar tudo pelos ares.
A peça é de uma melancolia tremenda. O amor não se realiza. É sempre uma falta. Há sempre algo que falta. Uma ausência. Absoluta (Cléo de Páris), a personagem cega, não é privada apenas da visão, é privada do amor. E o que Fadoul (Ivam Cabral) quer lhe dar é a visão. Ele não consegue lhe dar o amor. Nem a visão. Não há comunhão entre as personagens. Elas se cruzam, mas permanecem sós. É tão angustiante perceber o quanto disso tem em nossas vidas! O quanto estamos sós. O quanto somos preenchidos por ausências. O quanto estamos mortos, amputados, anestesiados. O quanto disso tudo há em nós, o quanto de nossa humanidade dilacerada foi lançada àquela arena do Teatro dos Satyros.
O pior é que eu não sei o que fazer dessa angústia. Escrevo para tentar dissipá-la. Mas sei que ela está em mim, sempre pronta a se plantar em minha garganta. E ela se planta, sempre que me ponho a pensar sobre o mundo. Sempre que alguma coisa me instiga e eu volto a perguntar que mundo é esse, meu deus, que mundo é esse?!?... Qual o sentido da existência?... Qual a razão da vida?... Pra que tudo isso? Por quê?... Poderia ser de outro modo? Como?... O que posso fazer?... Que podemos fazer?...

4 comentários:

ana rüsche disse...

oi, beatriz!

vi teu comment no do Laerte.

Pois é, não dá para assistir a peça sem querer falar alguma coisa, não?! maravilhosa, a melhor que vi esse ano, irei mais muitas vezes. é isso mesmo.

um grande beijo

e se estiver pela pça roosevelt, avisa! ;)

Beatriz Provasi disse...

Muito boa a peça e muito boa a sua poesia! Espero voltar pra lá em breve. Beijos!

Anônimo disse...

Linda Bia... emocionantes suas palavras e sua sensibilidade. é difícil mesmo entender algo da vida e não preenchê-la com tantas ausências. adorei achar seu blog! beijo grande

Beatriz Provasi disse...

Oi Cléo, que bom que veio! Queria que soubesse o impacto que "Inocência" me causou. Teatro bom é assim, te faz sentir e pensar para além do momento de recepção dos espetáculo. Se pudesse, não perdia mais uma peça dos Satyros!... Beijos!