15.9.07

DESPERTA

parece tudo tão banal
todos com seus sorrisos de superfície
em rostos de expressão vazia
nenhuma dor comove
a própria dor só dói em quem dói
a morte é um número
ou um espetáculo brutal
quando há requintes de brutalidade
arrastando corpos pelas ruas do rio
há o choque, há o espanto,
alguém se comove, alguém se move
aí vem um, dois, três casos a mais
e as mortes por arrastamento tornam-se também banais
como as balas perdidas, batidas, as bombas,
ou a eterna espera nas filas dos hospitais
e se a morte não mais comove
o que dizer da vida?!
essa vida que só há
em oposição à morte
porque respira
fora isso,
há vermes já nos comendo os corpos
urubus a bailar sobre nossas cabeças
estamos fechados como um caixão
paralisados sob a terra de apatia que nos cobre
mas aqui há a televisão ligada
e mais alguma distração
há shows de rock sem nenhuma indignação
aqui tem uma placa que diz sorria
e você sorri
simplesmente sorri
como se só lhe restassem os ossos
e a mandíbula por si só saltasse
largo sorriso de sono eterno
eu digo desperta!
e eu mesma odeio despertadores
como odeio alarmes
e trancas
sirenes
grades, blindagens, câmeras e fogos de artifício
mas como despertar se ainda não dormi?
meus olhos ardem ardor da noite adentrando o dia
doem a luz do sol na retina
e os sons de buzina e as britadeiras
zumbidos demais nos meus ouvidos
o choro da criança, o grito, o apito do guarda
e ainda tem um mosquito pousando seu som quando me deito
que vem me dizer desaforos
desaforos, como fosse eu o inseto!
você aí nesse edredom macio
e lá fora se treme de frio
e me diz que a culpa é minha – minha?!
mas que fiz eu, meu deus, pra esfriar a noite de alguém?!
eu, que não sou ninguém?! que fiz eu? o que não fiz?
o que não fiz que não aqueceu um coração
o que não fiz pra amaciar as almas
o que não fiz por aquele corpo estirado no chão
se estava vivo ou morto, não sei, eu passo
vai ver era um bêbado e o que eu tenho com isso?
não posso ser eu a catar da rua os cacos que eu não quebrei
eu mesma estou quebrada e quem me cata?
eu estou caída e quem me eleva?
os outros passam
vai ver sou uma bêbada e o que eles têm com isso?
cada um com seus cacos e todos viram farelo na poeira das ruas
farelo na poeira das ruas, é o que somos, farelo
mas o farelo..., o farelo com o vento voa
até o farelo ganha os ares!
e nós permanecemos pés fincados no abismo
tudo pesa demais sobre nossa leveza
quando virá um vento nos levantar? quando?
quando nos ergueremos do sono eterno?
ou poderemos, enfim, pousar a cabeça no travesseiro
ouvir da noite um boa noite
e dormir?

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