28.11.12

Pequenas infrações cotidianas


Pequenas infrações cotidianas. Meu sistemático desrespeito a todos os relógios; inclusive os que marcam as horas. Os trabalhos adiados pela urgência imperativa de contemplar esse teto branco, enquanto passo em Raio-X a lata de lixo: montes guimbas de cigarro, filtros cheios de pó de café molhado, latinhas de cerveja meio amassadas de ontem ou antes ou sei lá quando exalado um cheiro quente; algumas multas de trânsito, todas as bíblias, manuais de conduta e regras de bom comportamento. Acho que não vou conseguir a condicional, não tenho me comportado muito bem ultimamente. Apanho as chaves do carro e me meto em fuga, em alta velocidade, deixando um rastro de barulho e fumaça. Atiro peças de roupa pelo chão de algum apartamento; todo sexo bom vai deixando coisas pelo caminho; às vezes, pessoas. Atiro peças de roupa pela calçada, fazendo o motorista desavisado girar o pescoço, sambar no asfalto e beijar o poste; e depois sumo numa onda do mar de Copacabana. Atiro peças de roupa em qualquer lugar, com a mesma displicência com que atiro palavras num poema. ahhhhhhh... cotidianas infrações poéticas, como eu as amo! Como amo os loucos e os desregrados e tenho um carinho todo especial pelos suicidas convictos que em tudo diferem dos desesperados; são os que calmamente desistem, mandam o mundo à merda, e que se foda. Continuo do lado dos que continuam, com igual convicção (o mundo à merda e que se foda). Algumas contas a pagar se acumulando sobre a mesa. A lixeira transbordando, espumando, querendo devorar a casa; de hoje não passa, retiro o saco e levo pra fora. A maior de todas as produções humanas: lixo e mais lixo; em todos os sentidos. Já disse que devorei os relógios? Tenho tempo de sobra no estômago; nunca mais gastrite nervosa. E todo esse teto branco. E todas as minhas pequenas infrações cotidianas. Pode gastar seu latim com “faça isso”, “seja aquilo”, e todos os seus latidos; em terra de desempregados quem tem chefe é gado. Eu me demito, como diria um velho bebum paraguaio. Era um velho sábio.

2 comentários:

Rodrigo disse...

É isso que chamo de revolução da vida cotidiana! grande retorno!

Beatriz Provasi disse...

valeu! beijo