5.10.10

olhar indiscreto

hoje um cego olhou pra mim
tenho certeza que aqueles grandes olhos azuis me miravam
um olhar quase incômodo, desses que só quem não vê olha
indiscreto, direto, penetrante
tive a certeza de que ele me via
e mais do que a mim, um quê da minha alma
não fosse a bengala arrastando no asfalto, tesc tesc tesc tesc
eu jamais lhe saberia cego.
aquele olhar me desconsertou
como se me desvendasse algo que até eu desconhecia
as pessoas não se olham no meio da rua
não se faz isso, não, isso não se faz!
a gente fixa um ponto à nossa frente e vai...
ninguém existe, são vultos inconsistentes
fantasmas vagando, robôs, sombras, vultos... só vultos
a gente percebe os vultos, desvia, fixa o ponto e vai...
ninguém se esbarra e ninguém se vê
é muito bem planejado
tudo muito bem planejado
evitamos qualquer contato
e assim estamos protegidos, estamos a salvo
e de repente aqueles olhos em cima de mim
aqueles grandes olhos azuis saltando o muro
quebrando a corrente
de repente, aqueles olhos me vendo
olhos de um homem cego
me fazendo ver
outros olhos no meio da rua
me fazendo perder o meu ponto fixo
o meu ir...
o equilíbrio dos meus passos firmes
e então, eu tateando no escuro
perdida, sem cão guia, sem direção
alguns segundos, e retomei o ponto fixo
mas alguma coisa aconteceu ali
algo como uma visão
fantasmas criando carne,
dentes, músculos, veias,
coração.

Um comentário:

Seiji Kimura disse...

Crash