4.4.08

como é que se arruma isto?!...

minha vida anda espalhada como a roupa sobre a cama
vem passada e vai amarrotando, vem limpa e vai sujando
eu separo tudo o que é sujo, levo pra fora
mas ela volta
venho corrida da poeira da cidade
com todas as suas impurezas
ainda impregnadas na minha carne
a roupa fica sobre a cama
estampando a bagunça que está em mim
misturando a sujeira que eu trago com tudo o que eu tenho lavado
não foi sempre assim
minha vida já foi mais reta, minhas roupas na gaveta
hoje eu olho à minha volta
e estaco
não sei por onde começar
minha vida não cabe nos armários
das gavetas saltam poemas que não podem ser guardados
os sapatos misturados trazem a marca dos meus passos
tão embaralhados
que não sei mais por onde ando
tantos papéis na mesa
tantos papéis na estante
me cerco de tantos papéis
que já não sei qual é o meu
o quarto eu arrumo, eu sei
mas e essa coisa toda que se acumula em mim?
o que é limpo, o que é sujo, o que eu posso ou não devo jogar fora?
eu sou a cama em que eu não durmo
uma cama de coisas acumuladas que me fazem restar acordada
essa cama, essa estreita cama de solteiro que nem serve aos amantes
desconfortável, dura, cama de pregos, colchão d’água estourado, vazando pra tudo que é lado...
queria ser cama larga, macia, acolhedora,
cheia de calor nos pés e leveza nos travesseiros
queria piscar os olhos e ver tudo arrumado no quarto de um segundo
os desejos bem acomodados na gaveta das calcinhas
os sonhos macios perfumando as camisolas
um caminho certo repousado nos sapatos
decisões corretas alinhadas nos cabides
alegrias penduradas nos vestidos de noite
certezas, muitas certezas, todas limpinhas, bem dobradas, completando as gavetas
e um poema, um único poema, definitivo
me aguardando pronto sobre a mesa.

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