26.11.09

BEIJOS SELADOS, BEIJOS SILENTES, E O QUE NÃO SE PODE CALAR
SOBRE O SHOW DA KARLA SABAH
("CALA A BOCA E ME BEIJA")

No Tribunal de Justiça, enquanto aguardávamos o convite do João pra falar poesia, ouvi alguém comentar sobre a responsabilidade que era subir no palco do Canecão – será que a Betina daria conta? Não titubeei. Betina é das melhores performers de poesia que eu conheço. Ela tem de sobra algo que é fundamental: cara-de-pau. Ela tá pouco se lixando se a pessoa vai sorrir ou vai torcer o nariz, ela pára uma pessoa no meio da rua com a sua POESIA QUE PÁRA e manda um poema com toda a certeza que ela tem naquelas letras. Ela se entrega com todo o seu corpo, com toda a sua alma, pra qualquer um. É a Geni dos poetas! E deixa na vontade comandantes de Zepelins que não entendem a sua arte. Betina é assim. É uma menina que brinca. Já viram uma criança brincar? Ela acredita em todas as suas fantasias, e ai do adulto que não embarcar! Ela tem certeza dos monstros que vai enfrentar, e confia que com aquela capinha é capaz de voar. E voa... quando salta de cima do sofá. Betina é assim. Então eu sabia. E foi assim que ela abriu o show da Karla Sabah. “Eu sou a Betina, uma menina...”


A menina não estava sozinha. A seu lado, um coroa vidrado na gatinha. Tavinho devia estar mais inseguro que ela, apesar de sua longa estrada. Assim, como ficam os coroas com gostosas bem mais novas e cheias de atitude, meio desconsertados... Encontrei Tavinho mais cedo transtornado pelo esporro que tinha tomado da BB por tê-la feito borrar a unha. Que nem a criança que acabou de levar uma bronca da mãe porque fez coisa errada. Tavinho seria um desses moleques bem agitados, que não pára quieto um só segundo, que é a mãe desviar o olho e ele já virou o mundo de pernas pro ar, construiu um foguete com utensílios de cozinha e já está pronto pra embarcar! E embarca... Depois volta cheio de novidades, e já marcou com o ET dono de um bar um show de poetas no meio do Sistema Solar! Tavinho é assim. E ai de quem não acompanhar! E lá estava ele no palco dizendo: “Eu só posso ser aquilo que eu sou 24 horas por dia”. Tavinho é assim. É o que ele é. E é tudo o que ele queria.



Um pouco antes eu adentrava o Canecão, junto com a minha irmã, Aninha, com um convite que dizia “Setor B, Mesa 364”. O que eu procurava era o meu lugar, e não essa indicação. O meu lugar que era junto com Marcela, Maysa, Fernão, Juju, Eliana, Tito, Adriana, Maristela, Dalberto, Ricardo, Bayard, Luiz etc etc etc. Estavam todos lá, os poetas, aglomerando mesas que não era “as suas”, pra verem juntos aquilo que seria um acontecimento poético-musical no palco de peso do Canecão. Os poetas, acostumados a viver em guetos, eventinhos de poetas para poetas, vibrando com aquela janela, portão, grade, porta de garagem, porta aberta, escancarada, dando passagem pra palavra. E foi assim que, extasiados, vimos Betina entrar. Depois Tavinho. Num bate-bola lindo! Um dando o passe pro outro marcar. Preparando o território pra Karla Sabah.



Karlinha entrou gostosa, falando o poema que ela deu o título de Madame Kaos. O show foi todo lindo, ela brilhou! No final os poetas foram todos pra linha de frente, pra beira do palco, dançar, como boa vanguarda, convidando o público todo a se levantar. E no bis do “Cala a boca e me beija”, num momento me deu um estalo, é agora: subi no palco e fui caminhando com os braços abertos em direção à Karlinha, que feliz em me ver, retribuiu o meu beijo, um estalinho, um abraço, outro estalinho, e a minha saída calmamente do palco. Não poderia sair dali sem atender ao pedido que ela me fazia no outdoor, sempre que eu passava na frente do Canecão, durante uma semana inteira, e que ela reiterava com a sua linda voz na primeira execução da música e durante todo o bis. Um beijo que diz “eu te amo” em silêncio. E fica ecoando...

Fotos: Maysa Britto

Nenhum comentário: