30.8.10

NÃO DE DEMÔNIOS, NEM DE DOMINGOS

não vou falar de demônios e nem de domingos - que são primos
não vou falar de abraços partidos
de sonhos atropelados
pelo trânsino alucinado do rio de janeiro
nem isso
não vou falar de quartos vazios
ou de camas apertadas de solteiro
onde mal cabe um
não vou falar de quadros tortos na parede
de papéis amassados na lixeira
de coisas que eu não quero arrumar
não hoje
não nunca
não quero arrumar as coisas
deixem-nas ser como são
tortas e desajeitadas
barreira caída na estrada
sinal amarelo piscante
carro na contramão
batida, estilhaço, confusão
me deixa ser assim
cupim de luz que vai pra luz se queima e morre
eu quero o calor das coisas fugidias
gurjão de frango com cerveja
poema em papel de mesa
aviãozinho de papel e bolinha de sabão
coisas que estouram ou caem no chão
coisas que voam
que eu não seja um pássaro ou borboleta ou nada bonito
cupim também tem asas, e até baratas!
coisas que eu tenho nojo voam e por que não eu?
ouço carros zunindo no asfalto
e hoje a lua esteve vermelha - sorrindo sorriso largo
tudo se impõe aos meus sentidos "com uma tal aleluia"
(clarice falou isso: com uma tal aleluia - achei lindo!)
tudo se faz grito
eu apenas ouço atenta essas vozes
de demônios e de domingos
e isso é meu pleno vôo
meu atravessar de paredes
meus enigmas e meus labirintos
tudo isso é rock'n roll e é cadência do samba
eu sou todos os ritmos
tudo me atravessa e eu per-passo
sou a corda bamba, o trapézio e o tecido
todos os riscos
e sou também o palhaço, o mágico e o elefante
todas as graças do circo
sou tudo o que me circunda
a roda viva e a ciranda
e eu já fui apenas uma menina de tranças
encantada com o mundo
hoje eu sou um mundo
deslumbrado com a menina de tranças

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