É com profunda tristeza que te escrevo nesse
momento. Nos últimos dias vivemos momentos de horror no Rio, dignos de um Estado
ditatorial. Ainda sinto a respiração pesada pela imensa quantidade de gás
inalada ontem, e o coração apertado pelas cenas de brutalidade policial que vi e
vivi. A praça da Cinelândia virou cenário de guerra. Aliás, não de guerra,
porque uma guerra pressupõe dois exércitos armados. O que houve foi um massacre
do “exército” do Estado contra a população carioca que se manifestava em apoio
aos professores, em defesa da Educação. Contraditoriamente, uma sensação muito
boa me invade. A nossa maior arma é a resistência, e soubemos usá-la bravamente
– nós, do Ocupa Câmara Rio, que mesmo sob uma chuva torrencial de bombas
lançadas do terraço da Câmara e das ruas laterais e com duas invasões
truculentas do Choque com cães e cassetetes nas escadarias, permanecemos o tempo
todo na ocupação, garantindo a sua continuidade; e os bravos educadores e toda a
população que tomava a praça, que a cada dispersão, tomava novo fôlego e
voltava. Resistimos por cerca de 6 horas, até que a polícia fosse finalmente
embora. Nesse sentido, somos vitoriosos, sobreviventes do massacre do Estado –
que, diga-se de passagem, já ocorre há bastante tempo.
Já recebemos todo tipo de ameaça e todo tipo
de agressão – da polícia e da milícia. A repressão tem crescido – CEIV, Lei
anti-máscara, prisões políticas realizadas de forma arbitrária etc. O que nos
fortalece é sabermos pelo que estamos lutando – que está muito além de uma CPI
dos Ônibus de verdade ou de um Plano de Cargos e Salários decente para a
Educação, mas que essas questões pontuais, pela forma como são tratadas,
evidenciam. Nossa luta é por valores sólidos e constantemente esmagados pelo
poder econômico aliado à repressão do Estado: Justiça, Democracia, Liberdade de
Expressão. A Câmara e a ALERJ, que deveriam representar a voz do povo, estão de
portas fechadas, os ouvidos velados para a nossa voz, enfiando bombas nas nossas
gargantas. A Justiça permanece de olhos vendados, não para ser igualitária,
“fazer o bem sem olhar a quem”, mas para ignorar os desmandos do Poder, para não
nos ver. Cabral e Paes permanecem mascarados, com seus discursos prontos para a
mídia, e blindados pela força policial.
Há ainda algo que é nossa arma (como a
resistência) e nos fortalece (como a consciência): nossa solidariedade. E agora
me vêm lágrimas aos olhos, porque em meio a tantas cenas de horror, socorri e
fui socorrida, muitas vezes por desconhecidos, que vinham com leite de magnésia
e soro fisiológico acalmar a ardência nos olhos e a falta de ar, fui retirada de
lugares de conflito por estar tão perplexa e desnorteada que fiquei paralisada,
protegi e fui protegida, não por aqueles que deveriam garantir a nossa segurança
– esses nos atacavam –, mas pela própria população. Nós cuidamos da nossa
proteção, cuidamos uns dos outros, e eu fico honestamente muito emocionada com
tudo isso. Uma rede de advogados, socorristas e mídia independente se formou ao
longo das manifestações, e nos dão suporte com seus conhecimentos profissionais
e sua coragem – muitos são igualmente agredidos e desrespeitados pela polícia e
pelo Estado. Resistem. Resistimos.
E em meio a tudo isso, eu me pergunto onde
está a classe artística, que já foi tão combativa em outros tempos sombrios.
Talvez com o rabo preso em editais do Governo, veículos de comunicação ou
empresas patrocinadoras. Talvez com medo. E quem disse que nós não temos medo?
Ninguém quer ser o próximo Amarildo. Mas muitos outros Amarildos virão enquanto
nos calarmos. O medo não calará a nossa voz. E a dos cantores? E a dos atores?
Só ecoarão a portas fechadas entre as paredes dos teatros e casas de shows? Como
Arnaldo Brandão já deve ter lhe dito, eu sou poeta e performer, e não vejo outra
forma de usar a arte nesse momento que não seja como arma de combate. A minha
poesia chuta bombas de gás de volta para a polícia. É uma poesia que vê os
pombos desnorteados sem saber para onde voar enquanto chovem bombas do alto do
prédio. Não poderia ser diferente, pois antes de ser poeta, sou um ser HUMANO.
Me dirijo a você, Caetano, pois foi um dos poucos artistas conhecidos do grande
público que teve coragem de se manifestar em apoio às lutas populares.
Gostaria que toda a minha carta fosse em agradecimento à
menção que fez em sua coluna de domingo no Jornal O Globo ao meu convite, em
nome do Ocupa Câmara Rio, para que trouxesse a sua música e a sua presença para
a Cinelândia, somando-se à nossa luta. Mas foi preciso dizer mais, e há ainda
muito que não foi dito. Agradeço imensamente as suas declarações de apoio a nós,
aos professores, aos ninjas, aos mascarados, a todos que permanecem firmes na
luta. Suas declarações podem ajudar a mudar a opinião pública construída pela
grande mídia e pelo discurso dos representantes do Estado de que somos todos um
bando de “vândalos” e de que merecemos ser massacrados (como foram os
professores na violenta desocupação do interior da Câmara na madrugada de domingo –
vândalos?!). Lembro, ainda, que você, como um artista de projeção internacional,
pode ajudar a divulgar ao mundo o que estamos vivendo. Por tudo isso, querido,
reforço o convite. Venha quando puder – permanecemos aqui – RESISTIMOS. Mas
venha somar sua voz à nossa, porque estão fazendo de tudo para nos calar.
Seguem abaixo os meus contatos.
Com amor,
Beatriz Provasi
Ocupa Câmara Rio, 02/10/2013.
COLUNA DO CAETANO NO GLOBO DO ÚLTIMO DOMINGO:
http://oglobo.globo.com/cultura/marina-onibus-professores-10190508#ixzz2gWE57WYd
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