30.12.06

Meu médico

Como pode me tocar com essa precisão científica?
Como pode com seus olhos me radiografar a alma?
Como pode num beijo me curar de todos os males?
Como pode ser remédio e droga que vicia?
Eu me interno no seu colo
Eu me trato com seu corpo
Colado ao meu
Nunca me volte olhos frios de laudo terminal
Nem me diga que eu vou ficar bem sem você
Gosto do jeito que me trata

De você, não quero receber alta

Meu laudo médico

Disseram-me que poetas são pessoas confusas e complicadas.
Se eu pudesse escolher, seria algo como um médico radiologista.
Eu veria o interior das pessoas sem precisar olhá-las nos olhos.
Daria um laudo sem precisar dirigir-lhes a fala.
E sumiria no labirinto de corredores frios e brancos sem deixar rastros de sangue ou de lágrimas pelo chão...
Eu seria simples e racional, como um gráfico, uma técnica, uma fórmula matemática.
Teria os olhos secos e frios de quem entrega a morte num envelope como cartão de natal.
Mas eu sou poeta, e tudo o que eu faço é quebrar a pele, rasgar o osso, trançar as veias, jorrar as vísceras pra fora quentes e vivas com todas as suas secreções de sangue e lágrimas manchando o chão, o teto, as paredes e todos os caminhos perdidos do teu labirinto enquanto eu vago a te procurar.

Este envelope que você traz nos olhos quando me olha, este envelope que você traz na boca quando me fala, este envelope contém a minha morte que você trás nas mãos quando me acena adeus.

28.12.06

A mais doce mensagem de Ano Novo!

Ninguém merece virar o ano de TPM! Minha retrospectiva 2006 é um fracasso de público e de crítica! As previsões pra 2007 são um tanto macabras! Enquanto todos comemoram eu só tenho vontade de não existir! Pra piorar a situação, meu namorado, agora ex, aceitou me perder porque era mais cômodo. E eu tenho certeza de que ele me aceitaria de volta de bom grado se eu caísse no colo dele como um presente de papai noel. Só que papai noel não vem me buscar no seu trenó e eu que não arredo mais o pé de onde estiver pra ir atrás de homem nenhum! No final das contas, são todos uns imbecis que não valem nada! Ou uns covardes! Ou uns acomodados! Porque eu iria para o Rio Grande do Sul feliz da vida encontrar um homem por quem me apaixonei... Mas pra que, não é mesmo, querido?! Pra que investir numa relação que não tem futuro?! Melhor anular logo o presente... Parece brincadeira o quanto eu tenho chorado por coisas tão insignificantes, enquanto neguinho morre queimado em ônibus no Rio de Janeiro... Eu choro porque enquanto incendeiam um ônibus, um jornal estampa "incendiam" na manchete e aquilo me dói tanto, tanto. Eu choro porque tem um imbecil que ganha dinheiro pra escrever merda, enquanto eu com toda a minha inteligência e arrogância tô na merda! Eu choro porque eu não consigo sair da inércia. Eu não consigo correr atrás de um bom emprego, eu não consigo sair da casa da minha mãe, eu não consigo sequer comprar um carro! Fodam-se os homens! Ninguém precisa de homem pra ser feliz! Mas precisa de um trabalho legal, dinheiro no bolso, casa própria e carrinho na garagem, ah, sim, disso precisa, sim! Ninguém é feliz dependendo dos outros. Nem financeiramente, nem emocionalmente. Aliás, ninguém é feliz e ponto final. Não dá pra ser feliz nesse mundo. Dá até pra se enganar em alguns momentos. Mas a realidade sempre dá um jeito de se impor. Se querem saber, eu não estou nem um pouco nesse clima "feliz 2007". Pra mim 2007 vai ser uma merda, talvez ainda pior que 2006. Eu vou fazer 26 anos me sentindo uma fracassada. Já velha e frustrada por tudo o que eu não fui. E eu não quero que ninguém me dê parabéns. Por favor, no meu aniversário, me dêem os pêsames. E quando eu morrer, bebam todas por mim!

24.12.06

Clima de natal, versão 2006

Chega o natal com seus transeuntes em transe consumidos pelo consumo. Papai Noel vem aos montes, nos shoppings, nas ruas, nas lojas, nas bancas. Gente e luz é que não pára de piscar em tudo quanto é lugar. Eu ando trenó sem rena, sem rumo, vagando a esmo. Eu ando nevando em sol de 40 graus. Aí vem o natal com seu pisca-pisca, eu apago. Mas o natal também tem suas surpresas escondidas no pé da árvore, guardadas no sapatinho, entrando pela chaminé, pulando a janela, arrombando a porta! Que venham natais aos montes, em todos os dias do ano, que venham mais natais, mil e um natais iguais, que venham mais, muitos mais, que venha sempre o natal que te traz!

19.12.06

Meu primeiro livro!


Não é um romance, não é de contos, nem de poesias. Meu primeiro livro é de reportagens! São várias reportagens realizadas em todos os cantos do país por diversos repórteres ligados ao coletivo Intervozes (link ao lado), tendo como elo as lutas pela democratização da comunicação no período da redemocratização do Brasil (década de 80). São as "Vozes da Democracia"! Eu assino duas reportagens com o meu amigo mais que querido Lucio Mello, que já recebeu o livro e disse que está uma lindeza! Eu ainda não recebi, mas outro grande amigo, Tonho Biondi, me disse que já deve estar pra chegar (Tô ansiosa, Tonho!). Aliás, o Tonho é uma figura fantástica sem a qual esse livro possivelmente não teria se tornado realidade. É o cara que corre atrás da paradas e realiza! Trabalha até demais, como um bom paulistano! Tanto que nem consegui encontrá-lo das últimas vezes que estive em São Paulo... O Lucio tá em Brasília... E eu aqui no Rio louca pra brindar com esses dois amores da minha vida! Louca pra brindar com o povo todo do Intervozes que eu não vejo faz um tempão! O que eu sinto é um misto de felicidade, memória e saudade... Um brinde ao livro e a todos vocês, meus queridos amigos!

Ps: Ontem teve lançamento em São Paulo e hoje terá em Brasília. O do Rio ainda não está marcado. Deve ficar pro ano que vem... Eu aviso aqui.


16.12.06

Chico! Chico! Sempre Chico!

Já dediquei muitos poemas para as minhas paixões, tenham elas durado um ano ou um dia. Mas há paixões que se eternizam. E desde que eu me entendo por gente, sou completamente apaixonada por Chico Buarque! Esta semana enfrentei uma fila absurda e paguei um preço absurdo por um ingresso para o show do Chico em janeiro no Canecão. Comprei na primeira mesa do setor B, na cara do palco! E se tudo correr bem, consigo entregar pro Chico o poema que dediquei a ele e que se segue:

Beatriz de Chico

Por que, meu deus, por quê?
nem mesmo por um triz
Chico nunca vai me cantar Beatriz,
nem olhar bem nos olhos meus,
mesmo que seu olhar seja de adeus...
Joga a pedra na Geni
e a Januária pela janela!
Cala a boca da Bárbara!
a Ana é de Amsterdam
a Joana, francesa - d’accord?!
Acorda!
a Rita levou seu sorriso
a Rosa, o seu projeto de vida
Iracema voou
Carolina não viu
Madalena lá do mar
te deixou a ver navios
Até a Renata Maria se desvaneceu!...
Ah, meu guri, quem te viu, quem te vê
deixa a banda passar...
deixa o barco correr...
Àtenas com as outras mulheres!
A Luíza fora do Tom
Eu, mesmo fora do tom,
te dei meus olhos pra tomares conta
agora canta
canta a sua atriz
me canta,
nem que seja num sambinha feliz...

(e eu te levo para sempre, sim,

te ensino a não andar com os pés no chão...)

15.12.06

Meus poetas ocultos

Quarta rolou a penúltima edição do ano do Ratos di Versos no Beco dos Ratos, Lapa, Rio, Brasil. A edição histórica, a mais aguardada do ano, a edição em que foram revelados os poetas ocultos! O poeta oculto é uma apropriação reconfigurada do tradicional amigo oculto pelos poetas: em vez de presente, poesia. Cada um escreveu um poema originalíssimo para o seu poeta oculto e recebeu um para si! Foi a roda de poesia mais emocionante da qual já participei! No que me cabe, confesso que fiquei com os olhos cheios d'água quando fui me vendo desenhar nos lindos versos do Gean, lidos com aquela doçura passional da Juju! Lindo! Amei! E também amei escrever para o Dalberto, que não é dos meus amigos mais próximos, mas uma figura que eu muito admiro e um poeta de boca cheia! Salve Dalberto! Salve Gean! Salve Juju! Salve Maristela! Salve Carluxo! Salve Dudu! Salve Daniel e Piti! Salve Nietzsche e Tiça! Salve Saulo! Salve também os que não estavam lá, Chacal, Maurição, Tavinho, Alex Topini e Cataldo! Salve todos os amigos poetas ocultos ou declarados!
E eis as minhas poesias:

de Bia Tavares para Dalberto Gomes

das entranhas rasgadas da terra
surge um suntuoso dragão
que cospe poemas de fogo
e raios de trovão
reina entre feras intrépidas
e entes mitológicos
suas temíveis presas
se soltam em largos sorrisos
pois que tão grande se fez
apenas para que lhe coubesse
um enorme coração
quando pés no chão
custa-lhe arrastar a pesada cauda
pela aspereza do mundo
mas a natureza sabe o que faz!
deu-lhe asas
e fogo nas ventas
fez-lhe poeta
entre poetas

de Gean Queiroz para Bia Tavares

Percorrer as ruas do mundo
De mãos dadas com todos os nossos heróis
Das letras e das telas
Ela faz cinema como quem pinta uma página em branco
Ela escreve versos como quem filma a alma das flores
Ela não esconde as dores
Ela não teme as ruas escuras
Seja na Avenida Dropsie
Ou nos becos sujos da Lapa
Ela cruza as longas pontes
Ignora as distâncias
Para nos brindar com vistas panorâmicas
De seus olhos verdes
Ela está à solta numa noite qualquer
Armada de visões macroscópicas de nosso tempo
Ela registra o vento
Ela edita os sentimentos
Abre sorrisos amplos de idéias
Que mundo é esse em que ela vive?
Garota esperta, afastou a nicotina de sua vida
Mas vive entorpecida de elogios
O mundo a rodeia embevecido
A liberdade sopra profecias em seus ouvidos
Enquanto as águias voam ao seu redor
Ela está plena de incompletudes
Carrega um vazio repleto de tudo
Ela faz cinema para eternizar o instante de suas incertezas
Ela não quer ficar pra sempre
Mas que seja enquanto esteja
Venha sempre com sua câmera de raio x das essências
Venha com seus poemas e seu olhar transparente
Venha com seu sorriso em transformação
Sua timidez
E sua admirável ousadia
Ela é do CEP
Ela é dos Ratos
Ela é dos Versos da Meia-Noite
Ela é Almodóvar
Ela vai pra Cannes
Ela escreverá um best-seller
Ela cruza a ponte
Ela vai longe
Muito além do horizonte
Ela atravessa a noite
Ela ilumina o dia
Perto de nós
Sempre
Simplesmente
Bia.

8.12.06

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um rager de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua , como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansaradas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos.
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei o quê moderno
- não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto, remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pregada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instante divino o Esteves voltou-se e viu-me
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus, ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

Fernando Pessoa

30.11.06

Poeta oculto

Ontem teve Ratos di Versos e lá sorteamos o poeta oculto, uma idéia iluminada que eu tive desde a última edição do evento. Funciona assim: cada um escreve um poema dedicado à pessoa que tirou e no próximo Ratos di Versos no Beco dos Ratos, dia 13, cada um lê o poema que fez e o resto do pessoal tem que adivinhar pra quem é. Cada um faz um poema pra alguém e ganha um dedicado a si e todo mundo ganha uma confraternização de fim de ano bastante criativa! Legal, né?! Fica aí a idéia pra quem quiser copiar. Alguma coisa boa a gente tem que inventar nessa época infernal que é fim de ano às vésperas do Natal!

24.11.06

Os pentelhinhos e suas professoras encravadas

Não tenho a menor paciência com criança. Mas a verdade é que o problema não está na criança, e sim nos educadores. Os pais, mães e professores são todos uns imbecis que tratam as crianças como idiotas e de fato as idiotizam. Ok, ok, não são todos, tenho amigas professoras e amigas mães que são excelentes educadoras e conheço crianças que são seres humanos. Mas eu vivo em outro mundo, vamos combinar. Eu falava “caralho” muito antes de saber o que era um e as minhas Barbies todas trepavam e eram muito bem comidas pelos meus Kens. Nem por isso eu trepei cedo. Aliás, trepei até bem tarde pra minha geração. Agora onde já se viu uma professora retirar as crianças da sala de cinema e ir se queixar porque o ator pronunciou a palavra “viado” e “viado” é palavrão?! Ora, faça-me o favor! “Viado” só é palavrão nessas mentes deturpadas que acreditam que homossexualismo é doença, e, pior, contagiosa. Assim essa ilustre professora já começa a formar seres preconceituosos e homossexuais enrustidos no meio dessas crianças. É por isso que o mundo não evolui. Êta, gentinha medíocre! Se as crianças soubessem o quanto essa gente grande é pequena... Às vezes eu digo que eu não entendo de criança. Mas não! Eu não entendo é de adulto!
A cena descrita acima aconteceu durante o 1º Salão da Leitura de Niterói, numa das sessões de curtas que eu produzi. E olha que eu ainda me preocupei em organizar os filmes de acordo com a faixa etária do público! Imagine se essa mulher visse os filmes da noite... Ia ficar horrorizada com as cenas de sexo, já que há muito tempo não deve saber o que é isso, se é que algum dia soube, coitada.

22.11.06

Tatoo águia

Uma águia bate suas asas em mim
Quer pousar no meu ombro esquerdo feito tatuagem
Eu digo venha, tatue em mim sua liberdade
Ela passa por mim num rasante e se vai
Soprando um vento em meus ouvidos
A liberdade fica no ar

15.11.06

As asas dos suicidas

Não saberia dizer o que fazer para ser uma companhia verdadeira. Eu, de corpo presente, não estou aqui. Não nasci para completar ninguém. Cresci só fazendo aumentar minha incompletude. Tem gente que sabe, desde criancinha, o que vai ser quando crescer. Tem gente que tem sonhos inabaláveis e plenamente alcançáveis. Tem gente que até se julga feliz. Há mulheres que se julgam completas com marido e filhos. Eu nunca quis saber de carregar marido nas costas nem filhos agarrados às pernas. Tenho o ventre seco. Carregado de desejo. Mas oco. Um ventre feito para contrações sexuais, e não para gerar e guardar vida. Este vazio eu não quero preencher. Sou plena em minha incompletude.
Admiro os que se completam. Os que seguem o ciclo da vida sem muitas dúvidas. Os que crêem em Deus. Os que crêem na humanidade. Admiro os que crêem. E me solidarizo com os que duvidam. Os que duvidam, como eu, também não me são boas companhias. Os que duvidam, como eu, também se calam. Os que duvidam têm olhares traiçoeiros, têm olheiras, têm insônias, têm angústias, são instáveis, são péssimas companhias, são temíveis influências nefastas. Os que duvidam são infelizes e padecem de uma melancolia quase doce dos suicidas que só morrem porque não conseguem voar.
Eu gostaria de ser companhia para as pessoas que amo, de me sentir preenchida pelo amor que me dedicam. Mas o amor também tem seus grilhões e eu tenho medo de ser aprisionada. Então eu vôo com as asas negadas aos suicidas para bem longe daqui. Eu vôo com essa sensação de cair. Esse abismo sob os pés no chão.
Eu sequer posso me dizer má companhia, porque não chego a ser companhia pra ninguém. Os livros me fazem companhia, os filmes me fazem companhia, até peças de teatro me fazem companhia, mas pessoas de corpo presente, não. Pessoas de corpo presente são muito abruptas e imprevisíveis. Pessoas me assustam e me fazem me recolher em mim. Talvez seja por isso que eu goste tanto de arte. A arte é uma mediação entre as pessoas e eu. Entre o escritor e eu, há o livro. Entre o poeta e eu, o poema. Entre o ator e eu, o personagem. Entre o cineasta e eu, há imagens projetadas na tela. Entre o músico e eu, há a letra e há a melodia. Entre o artista e eu, há a arte. E é ela que sempre me acompanha e pra quem me entrego inteira.
Entre mim e você, há este texto, há esta tela. Mas te asseguro que aqui eu sou inteira como não me verás em lugar algum. Aqui não tenho medo de beirar o ridículo com essa minha mania de escrever umas baboseiras piegas pra caralho só pra exorcizar meus demônios quando me pego melancólica numa noite qualquer. Aqui, e somente aqui, eu posso ser uma companhia (boa ou má, pouco importa) para você que me lê. Escrever é dar um drible na solidão, mesmo que o passe saia errado e o gol seja impedido. Acho que é isso. E não há mais o que eu possa fazer para ser uma companhia verdadeira. Eu, de corpo ausente, estou aqui.

11.11.06

A Inocência d'Os Satyros

Sábado passado tive a oportunidade de ver uma montagem do grupo de teatro Os Satyros em São Paulo: "Inocência", da dramaturga alemã Dea Loher, com direção de Rodolfo García Vázquez. Poderia aqui discorrer sobre uma série de efeitos que engrandeceram o espetáculo, sobretudo as projeções de variados ângulos sobre as mais inusitadas telas (inclusive um guarda-chuva aberto) interagindo com a cena. Mas não. Apesar de à primeira vista os efeitos visuais e sonoros utilizados chamarem a atenção para a criatividade da montagem pela variedade de combinação de elementos cênicos, uma semana depois, não é isso o que fica.
O que fica?
Uma angústia.
Uma angústia que se planta na garganta durante a peça e lá permanece se fazendo cada vez mais sentida. Porque a falta de perspectiva daquelas personagens é a nossa falta de perspectiva. São personagens que se encontram em situações sem saída. E que nem a sorte de encontrar dinheiro pode lhes trazer conforto para as suas necessidades e desejos. Há os que não encontram sentido na vida e se suicidam. E os que permanecem vivos, de que adianta? Estão mortos por dentro. E o angustiante é perceber o quanto deles há em nós. O quanto vamos sendo amputados aos poucos como uma das personagens, só que não fisicamente, vamos tendo a alma amputada e vamos levando a vida em frente ou seja lá na direção que for por força do hábito, mesmo que nosso desejo seja mandar tudo pelos ares.
A peça é de uma melancolia tremenda. O amor não se realiza. É sempre uma falta. Há sempre algo que falta. Uma ausência. Absoluta (Cléo de Páris), a personagem cega, não é privada apenas da visão, é privada do amor. E o que Fadoul (Ivam Cabral) quer lhe dar é a visão. Ele não consegue lhe dar o amor. Nem a visão. Não há comunhão entre as personagens. Elas se cruzam, mas permanecem sós. É tão angustiante perceber o quanto disso tem em nossas vidas! O quanto estamos sós. O quanto somos preenchidos por ausências. O quanto estamos mortos, amputados, anestesiados. O quanto disso tudo há em nós, o quanto de nossa humanidade dilacerada foi lançada àquela arena do Teatro dos Satyros.
O pior é que eu não sei o que fazer dessa angústia. Escrevo para tentar dissipá-la. Mas sei que ela está em mim, sempre pronta a se plantar em minha garganta. E ela se planta, sempre que me ponho a pensar sobre o mundo. Sempre que alguma coisa me instiga e eu volto a perguntar que mundo é esse, meu deus, que mundo é esse?!?... Qual o sentido da existência?... Qual a razão da vida?... Pra que tudo isso? Por quê?... Poderia ser de outro modo? Como?... O que posso fazer?... Que podemos fazer?...

10.11.06

Um Almodóvar meia-bomba

Hoje fui ver "Volver" e não é daqueles filmes que dá vontade de voltar. Sempre gostei de filmes que me surpreendessem. E depois de estudar cinema e aprender a decodificar as narrativas fílmicas clássicas, os filmes quase todos se tornaram muito previsíveis. Almodóvar era a excessão. Uma das. A. Um dos diretores de cinema que mais se destacava por surpreender e chocar o espectador. Não encontrei esse Almodóvar em "Volver". É um bom filme. Mas achei um tanto previsível. No meio do filme eu já sabia o que tinha acontecido, a relação entre a mãe e a filha, o pai, a neta e a mãe da outra. A história toda já tava clara pra mim antes de ser explicitada no filme. E isso não é instigante. Isso é pouco Almodóvar pra mim. O primeiro filme que vi do Almodóvar foi "Maus hábitos", no Cine Arte UFF. Aquele filme pra mim foi uma porrada! Saí do filme chocada! Almodóvar pra mim é isso e ponto final. Não posso me contentar com pouco. Fosse de qualquer outro diretor o filme, eu o teria adorado. Mas de Almodóvar eu espero muito mais. Enfim, achei frustrante. Um Almodóvar meia-bomba que não explode.

9.11.06

"En la lucha de classes
todas las armas son buenas
piedras, noches, poemas"
Leminsky

Eis a frase de abertura da vinheta do Festival Latino Americano da Classe Obrera, que apresentamos ontem e hoje no Espaço Cultural do ICHF. Amanhã e depois, a programação se completa na Sala de Projeção do IACS.
E vem aí o Cineclube Gragoatá - a mais bela vista, quer olhe pra tela, quer olhe pro mar!... Um projeto gestado em mesa de bar, mas que vai sair do papel do guardanapo em breve, muito breve, no cinema mais perto da Baía de Guanabara!... Até já!

29.10.06

geração

Eu vivo uma geração sem expoentes
Uma geração de estrelas cadentes que sequer se sustentaram no céu para dar-nos suas quedas em espetáculo celestial
Uma geração de trevas ofuscada pelas luzes eletrificadas que explodem retinas
A minha geração ficou no meio do caminho entre a que foi e a que talvez virá – virá?
Nem sexo, drogas e rock’n roll nem açaí com guaraná
Uma geração big mac fast food self service coca diet com entrega a domicílio que cresceu na frente da TV
Eu não sei da internet o tanto que ela sabe de mim nem li tantos livros assim
Vivo entre o passado e o futuro a semente estéril de uma geração imprensada em cima do muro
E eu aqui deslocada sem estourar numa ploc, sem entender nada de rock, achando que a minha vida é um pit stop
Onde é que isso tudo vai parar?
Sei lá, acho que a minha geração perdeu a hora, saca? Tava dormindo e não ouviu o despertador tocar. Acordou meio-dia no meio da vida na casa dos pais achando que viver ou morrer tanto faz.
É uma geração que não dá poema. Não rima nem arrebata. Não ladra nem morde. Jamais daria um uivo. E nem consegue arrancar suspiros ou suspender respirações.
Sendo fruto de uma geração que não representa nada, nem a minha própria geração eu sou capaz de representar.
Eu vivo na contramão de uma geração que não tem fluxo pra lugar algum.
Então, como é que eu posso dar em algum lugar?

Não, meu bem, eu não quero acordar. Me deixe dormir até meio-dia no meio da vida na casa dos pais achando que viver ou morrer tanto faz. Eu desliguei o despertador, então, faça o favor, não me acorde, meu bem. A minha geração dorme de olhos abertos, mas eu, meu bem, eu só quero sonhar. Me deixe sonhar que nesse meio do caminho eu ao menos sou pedra, e não terra pisada como o resto da estrada.

26.10.06

A marquinha do biquíni e outras marcas

Mais fácil tirar a roupa, que despir as defesas da alma
Desfilo nua pelo teu quarto, pela tua sala, pela tua mente
Mostro uma curva em cada curva e uma pinta em cada quina do teu apartamento
Deixo à mostra todos os meus pêlos e cada trecho depilado da minha pele
Cada marca de sol, cada marca do tempo, cada marca de corte, cada tatuagem que deixei de fazer você pode ver
Mas há tatuagens que fiz e não há remoção nem a laser, tatuagens que fiz sem querer, ou sabendo que ia doer, há muitas marcas que você não pode ver
Tenho marcas cobertas e recobertas por fortes muradas calcadas de silêncios
Um dia, sem querer, eu tropeço e a toalha cai
Me vejo verdadeiramente nua na sua frente
Me embaraço
Você chega sem delicadeza e me faz uma tatuagem a mais
Eu urro de dor, choro, me descabelo,
Sabia que não podia confiar, que convivência é dor pungente, é marca na alma pulsante em carne viva
Você me olha como se não compreendesse
Meu deus, não vê que estou nua? Não vê que você me tatua?
Eu me revisto de novos silêncios ainda mais cerrados
E eis que você é mais uma marca em mim que você não pode ver

25.10.06

Vou me apresentar com o grupo da oficina da Patricia Carvalho-Oliveira nesta sexta a partir das 19h no Ateliê Performático (Av, Pasteur 453 - Urca - casa branca e laranja na frente da Unirio).

23.10.06

Plataforma

Olho você dormir
Corpo frágil sobre a cama
Chego perto, certifico-me que você ainda respira...
Fico ali parada um tempo
Tento compreender o ciclo da existência
A pele enruga. O corpo despenca. Os órgãos se fragilizam
O ser se isola do todo, do convívio
Começa a viver só dentro de sua casca
Que vai ficando frágil como uma casca de ovo
Olho para você de novo
O amor sai pelos meus olhos e molha a minha pele
Queria parar o tempo
Impedir que as folhas do outono caíssem
Impedir que você partisse
O que é esse planeta afinal
Senão uma plataforma de chegadas e partidas?
Paramos aqui como paramos numa lanchonete à beira da estrada
Nos abastecemos de experiências
Mas sentirei falta
Dos beijos delicados
Das mãos expressivas
Dos olhos bola-de-gude cor-do-céu
Dos cabelos de algodão
E da pele desenhada pelas linhas da vida
Penso se há algo que eu queria te dizer e nada me vem à cabeça
Tudo e nada às vezes parecem a mesma coisa
Te amo para sempre
Sua ida já está marcada?
Sua passagem já foi comprada?
Prefiro esta imagem
Te ver sentadinha no avião indo embora
Do que ver o corpo botar a alma para fora

Patricia Carvalho Oliveira,
no livro "Passaporte 8574"

Da oficina da Patricia

Eu levo comigo a avó da Pati "sentadinha no avião indo embora", o anjo da Dani com essência de baunilha plantando sementes de girassol, o filho abençoado que o ventre da Maria guardará, levo a leveza do Danilo na ponta dos pés sapateado por um interior conturbado, eu levo a paz do pai da Fabi que é um aconchego cheio de saudade, do Jamil levo comigo o impulso para o primeiro passo naquela difícil caminhada, do Rugero eu levo o silêncio que mais me comunica coletividade e nossos gestos cheios de identidade, eu levo do Ruy com grande perplexidade a quebra de um ritmo acelerado que nos aponta outro tempo mais lento e mais denso, da Betina levo as mãos que acariciam e o sorriso de menina que acaricia mais ainda, da Tchuca levo algo que me toca, da Rosália o poema certo na hora certa, da Pati tímida um olhar incerto e um mundo mágico cheio de possibilidades...
Não sei o que deixei de mim. Talvez pouco, muito pouco, ou quase nada. Estava inteira, mas dilacerada. Estava intensa, mas calada. Eu me olhava no espelho tão partida! Eu me sentia tartaruga tão sem casco! Mas ali, encolhidinha naquele canto, senti que podia observar sem ser observada. Senti que podia receber sem perder nada. Não queria me doar assim tão perdida. Não sei o que deixei de mim. Talvez pouco, muito pouco, ou quase nada. O que não deixei foi o que perdi... despejei nas lágrimas que já verti.

18.10.06

Acrobática e Performática

Hoje fiz uma aula de acrobacias aéreas, que provavelmente substituirão a academia, já que trabalham o corpo sem sofrimento, ao contrário, com muita alegria e leveza!... É uma delícia subir no tecido e se pendurar de cabeça pra baixo e rodopiar e se esticar e se encolher... O trapézio não é uma delícia porque dói as mãos e eu ainda não tenho força suficiente nos braços pra girar o corpo para cima e subir nele. A lira eu não tentei. Na corda indiana eu subi um pouco, mas sem girar. Sobe segurando a corda com os pés que nem faz no tecido. Não é difícil. Dói um pouco o pé que serve de base e os braços. Mas não tem mistério. Com treino e dedicação, em breve eu já serei uma acrobata (aérea eu sempre fui)!
No final de semana vou fazer uma oficina de performance e teatro físico com a Patrícia Carvalho-Oliveira, que é fabulosa! Vai ser um intensivão sábado e domingo com montagem de performance e tudo!
Eu não devia contar para não estragar a surpresa, mas o que eu quero mesmo é fazer uma performance poética com acrobacias aéreas! Vou ensaiar o "Número da paixão" do Chacal dependurada no tecido e quando falar que "capiturarei, enfim, com a cabeça espatifada nos escombros do meu próprio coração" eu me deixo desenrolar do tecido em queda livre até quase me esparramar no chão. Vai ser lindo! Divino! Maravilhoso! Aguardem. A qualquer momento, numa noite qualquer...

16.10.06

Smile

não cabem em minha boca larga
sorrisos contidos de quem é feliz
só sei alastrar sorrisos de muitos dentes
riso nervoso, histérico, gargalhadas tenebrosas
só sei rir em desgraça com toda a graça das minhas covinhas
essas covas sonsas que me jazem no rosto
e me exumam de mim
a cada vez que morro,

busco abrigo nas covas de um largo sorriso

14.10.06

sem paixão
tudo se passa
como se não fosse
tenho uma plantação de sustos suspensos
que me regam de sombras

eu os cultivo porque dão bons frutos
salvo alguma praga ou mau agouro
colho todo ano excelentes suspiros

10.10.06

cada lágrima é um sonho aguado
sal diluído que já não salga
desesperança que deságua
pelos sulcos da face
rio que corre pro mar
e se confunde
cada lágrima é algo
que se amálgama
e já não é o que era
uma lágrima é o que
já era

8.10.06

Fotos do Magoo

O Marcelo Valle, que conheci na faculdade pelo apelido de Magoo, é um excelente fotógrafo e está com um fotologue, que linkei aqui do lado. Segue uma de suas obras primas: a vista do MAC, em Niterói, registrada com rara beleza e com a colaboração da natureza que pintou o céu em vários tons.

2.10.06

Ex-fumante

Mais de uma semana já. Uma semana sem fumar. É vero. Nem um mísero cigarrinho. Nem um traguinho só. Nada. Mais de uma semana sem fumar nada. Nem chiclete de nicotina eu masco mais. Quero meu organismo limpo dessa droga maldita. Não é fácil. Tem horas que bate aquela abstinência e parece que o corpo todo é tomado pela mesma vontade impetuosa. Mas eu não me rendo. Nem minha irmã fumando do meu lado me enfraquece mais. Eu fico oscilando entre a academia de ginástica e o armário da minha casa lotado de guloseimas... Eu malho e como, como e malho, malho e como, como e malho... Mas fumar eu não fumo mais!

É hora de aLULAr o voto!

Dois dos meus se elegeram: Chico Alencar pra federal e Marcelo Freixo pra estadual. Meu querido Paulo Eduardo Gomes, pra quem destinei meu voto no último momento, não entrou por pouco. A Jandira perder pro Dornelles foi uma surpresinha desagradável. O resto já era esperado.
Agora, vamos pro segundo turno. Heloísa já deu o recado. É claro que ela não vai apoiar o Lula abertamente, porque seria uma incoerência. Embora eu, particularmente, acredite que uma organização partidária tem que saber jogar o jogo político. O PSOL devia negociar seu apoio ao Lula fazendo-o dar uma guinada à esquerda. Lula, desesperado, faria negócio. E pra esquerda seria um ótimo negócio: impedir uma possível vitória do Alckmin e trazer o Governo Lula mais para a esquerda. Mas não, em vez disso a esquerda gosta de engalfinhar. Pelo menos Heloísa mandou bem ao falar que não apoiaria nenhum dos candidatos, mas que seus eleitores são homens e mulheres livres e não precisam de sua indicação para saber em quem votar. E que eleitor de Heloísa que vai votar em Alckmin? Eu farei campanha pra Lula. Acho uma ignorância dizer que Lula é a mesma coisa que FHC (ou pior), como parte da esquerda anda anunciando por aí. E uma puta irresponsabilidade se omitir, se anular e deixar a direita crescer nesse momento. Agora é hora de aLULAr o voto!

30.9.06

"O Sol há de brilhar mais uma vez, a luz há de chegar aos corações"

Nunca acreditei que eleição mudasse o mundo. Acho que sempre tive um instinto meio anarquista. Enquanto as pessoas ao apertar umas teclas de quatro em quatro anos transferirem sua responsabilidade para outrem e passarem o resto da vida inertes, não adianta, nada vai mudar. Enquanto o voto nulo for a única forma de protesto adotada, não adianta, nada vai mudar. Não adianta, nada vai mudar enquanto toda a esperança ou desesperança girar em torno do processo eleitoral para uma instituição falida, viciada e corrompida que é o Estado. É em nossa prática cotidiana que a gente constrói um outro mundo. É o que adianta. É o que pode mudar. Ninguém transforma o mundo sem se transformar a si mesmo. Tem uma frase não me lembro de quem que diz algo mais ou menos assim: quem fala em revolução e não a pratica em seu cotidiano traz na boca um cadáver. É o que eu penso dos meus queridos companheiros revolucionários de gabinete, que bradam a revolução aos quatro cantos do mundo com seus punhos erguidos, mas esquecem de revolucionar a sua própria casa. Têm hálito de cadáver quando falam. Bom, tá dado o meu recado. Amanhã é um dia. Mas o amanhã se faz dia-a-dia. Não aposto todas as fichas na eleição. Mas também não a descarto. Se der pra eleger alguém que possa contribuir... Vamos lá! Vou investir no PSOL. É o que há de novo. O PT eu já tentei. Não deu. Seguem minhas apostas:

Presidente
Heloísa Helena - 50


Governador
Milton Temer - 50

Senadora
Jandira Feghali - 651
(Abro uma exceção p/ ela, apesar do PCdoB)


Deputado Federal
Chico Alencar - 5050

Deputado Estadual
Paulo Eduardo Gomes - 50001
ou Marcelo Freixo - 50123


Obs.: Não sou contra o voto nulo, absolutamente. Se houver segundo turno pro Governo do Estado, entre Sérgio Cabral e Marcelo Crivela ou Denise Frossard, voto nulo com convicção.

27.9.06

Quarta. Contabilidade: 4 chicletes na segunda, 2 chicletes na terça. Hoje vou mascar só um, à noite. Por conta disso, já tive uma crise braba de abstinência regada a lágrimas entre risos digna de uma boa TPM!... Isso porque nenhum acumpunturista da Unimed pode me atender. Aí eu fiquei pensando, que merda, o mundo também não colabora! Aí eu chorei que nem uma idiota e fiquei rindo da minha cara de idiota. Foda-se! Amanhã não vou mascar chiclete nenhum. Vou passar mais tempo na academia.

26.9.06

Manhã de terça. Café puro (puro não de sem açúcar, mas de sem cigarro). 1h de alongamento. 1h de dança de salão. 2h mascando a mesma goma de nicotina que desde a primeira mordida já tem gosto de goma mascada por 2 horas. + 1h de leitura. algumas horas de trabalho. 10 refeições por dia. 8h de sono. E já serão 48 horas como ex-fumante!

25.9.06

O dia das privações

Manhã de segunda-feira. Compro uma caixa de Nicorette e vou malhar. Inacreditável, eu sei. Mas eis a minha manhã de segunda-feira. Goma de nicotina e 30 min. de bicicleta ergométrica.
A goma de nicotina é uma bela porcaria. R$33 uma caixa com 30. Exatamente 11 vezes mais caro que uma caixa de cigarro com 20. Então, além de me controlar pra não fumar, eu ainda fico me controlando pra não mascar a porcaria da goma, pq é muito cara. O sabor de menta passa longe. Tem gosto de chiclete mascado que já perdeu o sabor. E eu continuo com vontade de fumar. Bela porcaria!
A Master é que é uma maravilha! Vc paga um valor fixo de mesalidade e pode fazer o que quiser, na hora que quiser, quantas vezes quiser. Uma academia self service. E além de musculação, ergometria e ginásticas dos mais variados tipos - bodys, powers e afins -, ainda tem alongamento, yoga e dança de salão!... Tem até boxe tailandês!... Vamos ver quanto tempo dura esse meu entusiasmo... Meu recorde de permanência em academia até o momento é de um mês, e isso há não sei quantos anos atrás! Vamos ver se com dança de salão e boxe tailandês eu consigo quebrar meu recorde...
Pra fechar a manhã, ainda encurtei mais um pouco os cabelos.
Me sinto mais leve. Uma pluma.
Uma pluma mascando um chiclete sem gosto morta de vontade de acender um cigarrinho.

24.9.06

musifest 2

nada aguardo
nem me guardo
eu me deixo compor
ou descompor
nos acordes
de teus dedos

musifest

o som do sax
um trago do Red Label
ou do Carlton Red
tudo me esfumaça
nessa noite embriagada
de vermelho sangue
puro sangue
puro som

23.9.06

Dia novo, vida nova. Houve um tempo que eu fiz terapia. Eu pagava pra chorar no ouvido de alguém que não podia se queixar das minhas lamentações. Achava curiosa essa relação. Mas, enfim, eu estava mal. Achei que pudesse me ajudar. Com o tempo, eu estava me sentindo ótima. A caminho da terapia, quase uma hora de van (era em Botafogo - e pra 50min. de sessão!), eu ia pensando o que dizer, tentando inventar um drama interessante. Não tinha nada de relevante pra falar. Me sentia bem. Me sentia feliz. Fechei a conta e não voltei mais. Não sei se foi a terapia ou o tempo que me ajudou. Acho que foi o tempo. Nunca mais fiz terapia. Quer dizer, faço ao meu modo sem gastar um tostão. Eu choro, eu escrevo, eu desabafo, deixo o tempo passar e de repente me sinto ótima. Nem lembro mais por que eu chorava e quando leio as linhas dramáticas e derramadas que escrevi, caio na gargalhada.
Eu também gosto de dar umas reviravoltas na minha vida. Dar uma sacudida pra ver se ela se ajeita de outro modo. Ela sempre se ajeita de outro modo. Não há motivos pra desespero. Quando vc chega no fundo do poço, vc pode dar impulso pra subir. É clichê, eu sei. Mas é verdade. O pior é ficar planando no meio do poço. Ah, não, isso não! Odeio meios termos. Não há nada pior do que o mais ou menos. Do que o mais ou menos acomodado. Eu não consigo me acomodar ao mais ou menos. Pra mim é ora menos, ora mais. E já tá mais que na hora do ora mais!
Esta semana foi exaustiva no trabalho e emocionalmente desgastante. Uma semana de trabalho e solidão. De falta de companheirismo de onde ele mais devia brotar. Ontem eu quase vim do trabalho pra casa, descansar de tudo. Mas quase que por inércia eu fui levada a ficar na rua. Um amigo foi me buscar no trabalho, porque queria conversar sobre um projeto. Fomos pro bar. No meio do caminho tinha o show da Pop Goiaba. Fui lá dar um abraço no Cláudio Salles, esse gigante que invade os quintais e sacode as goiabeiras pra manter uma rádio livre no ar e agitar a vida cultural dessa pacata cidade provinciana que é Niterói. Curti o show do Fred Martins, que é sempre um encanto! Aí encontrei uns amigos da época do movimento estudantil que eu não via há séculos e acabei me animando pra ir à festa do Marcelo Freixo, candidato a deputado estadual pelo PSOL, na Estudantina. A festa em si era uma droga. Uma ploc mal desenhada. Mas encontrei tantos amigos queridos por lá que me senti recompensada. Tomei um copo de whisky e vim embora pra casa, bem mais leve e levemente embriagada.
Hoje acordei com vontade de mudar. Dar aquela sacudida de que falei. Cortei o cabelo curtinho. É o primeiro passo. A primeira coisa que mudo na minha vida é sempre o cabelo. O resto acompanha o movimento das madeixas. (Em maio, quando me formei, cortei franja. Acho que queria me sentir mais nova.) Agora elas estão curtas e leves, da cor natural, com o repicado rebelde de sempre. Já tive os cabelos ruivos, louros, negros... Agora ele está todo no castanho natural, pq cortei o que restava de tinta preta desbotada nas pontas. Tá tão natural que eu senti vontade de parar de fumar. Já testei meu limite hoje, mas lembrei que à noite tenho um queijos e vinhos e os vinhos me suscitarão cigarros. Amanhã tomarei umas cervejas no aniversário do meu ex-namorado. Então, paro de fumar na segunda. Segunda é o dia das privações. Então, vou também entrar numa academia de ginástica. Ah, vou! Desta vez eu começo o verão com cinturinha de pilão. E hálito de pasta de dente. E sem aparelho, pq o meu ortodontista me prometeu. Enfim, vou me sentir mais bonita e mais saudável. E mais forte pra pegar impulso lá do fundo e subir renovada!... É como eu estava dizendo: Cabelo novo, vida nova!

Ah, se eu morasse em São Paulo!...

Saudades dos poetas lindos que conheci em Paraty!... Caco, Berimba, Pedro... Vontade de ouvir a poesia maloqueirista com aquele sotaque que eu tanto desgosto... Eles fazem o C.A.I.-MAL, que me cairia muito bem este fim de semana se eu pudesse estar em São Paulo. A filipeta segue abaixo e tem um link aqui do lado. Se algum paulista visitar este blogue, fica a dica.

22.9.06

Estou abraçada por uma solidão melancólica e fria, uma solidão tão cheia de tudo, tão exausta... mas não é uma solidão desesperada, é uma solidão calma, serena, quase doce, uma solidão resignada e triste de diário perdido num pequeno baú esquecido no sótão de uma enorme casa desabitada. Uma solidão reconfortante de matéria inanimada. De desgaste. De erosão. Se me fosse dado escolher, me deixaria de bom grado corroer por esta solidão até atingir a inexistência plena. Não ser nada. Aniquilar a minha existência de todas as consciências alheias. Aniquilar-me a consciência da minha própria existência. Ser o não-ser. Extremar a solidão até um clímax de pura anestesia.

20.9.06

Hoje e Sexta

Hoje tem Ratos di Versos, mas eu não consegui colar a filipeta aqui. O link tá aí do lado pra quem quiser conferir.

Sexta tem show de Re-volta da Pop Goiaba. Segue abaixo o e-mail do Cláudio Salles com as coordenadas:

SHOW RE-VOLTA DA RÁDIO POP GOIABA

FAROFA CARIOCA _ CLAUDIO SALLES & OS @LIENSFRED MARTINS - MARACABOCLO – DINO RANGEL E MAZINHO VENTURA – SARAVÁ GROOVE – RENATO ROCKET – CHARLES TEONY ( Ex Mundo Livre ). PATRÍCIA BOECHAT.

Local
Praça de São Domingos
Dia
Sexta 22 de setembro de 2006
Horário
18 HORAS

INVADINDO OS QUINTAIS E SACUDINDO AS GOIABEIRAS

Um espetáculo de diversão e diversidade com muito Rock, MPB, Jazz , Samba Funk, Mangue Eletrônico e Regional . Este é o grito de liberdade e diversidade que marca a volta da Rádio Pop Goiaba UFF, recebendo os calouros da UFF, na entrada da primavera de 2006.

Já tendo lançado em 2000 um cd pelo selo Niterói Discos, o Movimento Pop Goiaba nascido dentro do bairro universitário de Niterói, São Domingos, completa 8 anos de atividades culturais, tendo inclusive ganho um prêmio de Direitos Humanos pela sua luta em defesa da Democratização dos Meios de Comunicação no Brasil .

A Rádio Pop Goiaba UFF, é um projeto de extensão da Universidade Federal Fluminense, ligada à Proex e ao NUFEP, está de volta em 105,9 FM e também pela Internet no endereço : www.radiopopgoiaba.uff.br, graças a uma parceria com a Fundação Euclides da Cunha e ao NTI .

A festa que acontece precedendo as eleições ganha um toque de protesto, pois apesar da rádio já ter a tua concessão assinada pelo Presidente Lula, ainda enfrenta processos judiciais de crime contra as telecomunicações, e multas de mais de R$ 2000,00 ( dois mil reais), tendo inclusive seu presidente o músico, jornalista e professor universitário Claudio Salles que prestar depoimentos na Polícia Federal. no próximo dia 3 de outubro. A festa que tem todos estes ingredientes promete ser um grande ato pela Democratização dos meios de Comunicação ( Rádio e Tv Digital) , pelas Rádios Comunitárias, pelas Universitárias ( que não existem no Rio de Janeiro), Contra o Jabá e por uma política pública Municipal de Cultura que atenda também os artistas da cidade e não só aos projetos "internacionais" da prefeitura de Niterói.

O Show terá início às 18 horas com a seguinte programação :

1) Abertura ao som do Mangue eletrônico do grupo Sarava Groove do Rio de Janeiro : composto por Leo Tuchermann – Guitarra e arranjos. ( ex: colorama – Bossa Cuca Nova), Maurício Braga – Batera.( Batrista da Lan Lan e Moinho da Bahia ), Dj Ciro – grooves e percussão. ( Dj Produtor Favela Chic) e o percussionista Bruno Carrera (do grupo Salvatore).

2) Jazz Brasil com o guitarrista Dino Rangel e o baixista Mazinho Ventura . Dino Rangel foi aluno dos guitarristas Mike Stern e John Abercrombie, gravou com nomes como Helmir Deodato e Itamara Koorax e Simone Guimarães. Mazinho Ventura foi baixista de Ivan Lins, Beth Carvalho, João Donato, Marcos Vale , Marcio Montarroios, e Heitor Tp, entre outros .

3) Um dos maiores ícones da nova MPB, Fred Martins não poderia faltar a esta festa já que é um dos principais fundadores do Pop Goiaba e abriu em 2000 o cd coletânea do Movimento.

4) Cláudio Salles & os @liens . principal articulador do Pop Goiaba o compositor, guitarrista cantor apresentará algumas das músicas que estarão no seu cd de estréia que será lançado ainda este ano. Dentre os @liens convocados para a apresentação já estão confirmados o baterista Ayres dÁthaide ( Canamaré), Johanne Russel nos Vocais, Daniel Boechat (Percussão) , mas o ainda contará com várias participações como de Charles Teony ex integrande do Mundo Livre, Também do Baixista Renato Roqueti e das cantora Patrícia Boechat e Ana Paula Guadagnini.

5) Farofa Carioca – Um dos grupos mais revolucionários da música carioca dos últimos anos, esta banda que lançou o cantor Seu Jorge e apresentou uma sonoridade especial de Samba Funk na MPB, vem à Niterói na base do 0800 para confraternizar com os músicos do movimento e apresentar em primeira mão algumas das músicas que estão sendo gravadas para o novo cd.

6) Encerrando a festa no meio da multidão o grupo Maracaboclo promete botar a Multidão para dançar, apresentando a grande música regional brasileira de Pernambuco.

Além dos shows musicais também estão previstas as participações de Malabares ,de vários djs, e também de outros movimentos culturais como ARTE JOVEM BRASILEIRA

17.9.06

corro entre gente que eu não sei o nome que eu não vejo o rosto que eu não sinto a dor que eu não sei de nada nem quero saber quem sabe que a pressa é a alma dos nossos negócios a nossa alma perdida entre o preto e o branco de pedras portuguesas calçadas descalças de passos leves livres soltos...
meus passos solteiros se vão casados com o tempo marcando a cadência da decadência se perdem no vão entre o ir e o para o deslugar algum...
meus passos pesados afundam o asfalto me afundam no mar de piche avançam o sinal sempre verde verde verde sem esperança...
eu corro descarregando a descarga elétrica que eu tomo na veia pico na veia todo dia todo me pico em espasmos epiléticos...
eu passo meus passos para o passado para o passado para o passado eu passo para o passado que o presente não me apresenta o futuro o futuro a Deus pertence e Ele também não há quem me apresente...
quando eu chegar lá onde quer que seja no meu passo apressado entre vultos passados sem nome sem rosto sem nada atravessada por ruas avançada por sinais desterrada por aterros tragada por fumaça náufraga no mar do tempo em ressaca... quando eu passar por lá a vida passou por mim e eu corria tanto que nem vi...
mas eu paro. de repente. sem aviso prévio. eu paro o tempo. encaro seus olhos de furacão. indago seu nome. questiono a que veio. para onde me leva? não vou mais com você. é você quem vai comigo. e eu sigo afundando passos leves na areia... um cafuné de brisa me emaranhando os cabelos... o mar me beijando os pés...
se eu já sei para onde vou? não. ainda não. talvez nem nunca saiba. mas ao menos eu sei como!...

10.9.06

O fabuloso kit de blindagem!

há os que blindam carros, casas, cápsulas corporais
porque balas perdidas podem nos sangrar o corpo
mas há, sobretudo, os que blindam corações
para que crianças perdidas não os sangrem a alma

eu sangro um tanto de tudo!

5.9.06

Um diálogo entre mim e eu

- O que você é?
- Poeta, e você?
- Eu sou o Pateta, prazer.
- O do desenho animado?
- Não, daqui mesmo.
- Cê tá maluca? Pateta é um personagem!
- Como assim? Eu existo.
- Tem certeza?
(pausa)

- ...Não, e você?...

1.9.06

Rato bom é rato vivo!

p/ todas as ratas e ratos di versos

Certa vez, matei um rato. Quer dizer, participei de sua morte. Foi preciso montar um esquema de guerra para aniquilá-lo! Minha primeira reação à aparição daquele inseto asqueroso (sim, eu sei que rato não é inseto, mas essas classificações da biologia não me servem, já que ele se aproxima mais de uma barata do que de um mamífero qualquer!), pois minha primeira reação foi subir na cadeira e gritar, tal qual eu sempre havia visto nos desenhos que animaram minha infância!
– Um rato!
– Um rato!
- Ali!
- Ele foi por ali!
Tínhamos acabado de chegar, eu e meu namorado. Os outros rapazes que moravam com ele na república deviam estar ainda na faculdade. Pois foi meu namorado à caça do bichano pelos quartos, enquanto eu ululava sobre a cadeira da sala de jantar. Durante um bom tempo ele revirou o quarto à procura daquele invasor indesejado. Achou num dos quartos. Mas não conseguia pegá-lo. Ele pulava e soltava uns ganidos, uns guinchos estridentes, era muito ágil e perspicaz, seu corpo mole se adaptava a qualquer buraco em que se escondia naquela fuga desesperada. Respirei fundo, tomei coragem, e resolvi ajudar na captura. Os outros rapazes foram chegando e ajudaram a montar a estratégia de guerra. Arrastamos todos os móveis para o fundo da sala, formando um corredor e liberando a passagem para a porta da rua; fechamos as dos demais cômodos. Então seria mole. Era só fazer com que o bicho saísse do quarto e ele só teria um caminho: o da porta pra fora!
Enquanto uns se empenhavam em fazê-lo sair do apartamento, outro aguardava no corredor do prédio com uma vassoura. Eu subi no sofá do lado da sala que estava protegido pela barricada e lá fiquei observando a movimentação dos soldados. Pois não é que o bicho ao sair do quarto deu um salto acrobático digno de Daiane dos Santos, ultrapassou a barricada e foi se enfiar no meio dos entulhos todos que arrastamos para o fundo da sala?! Ao passo que ele pulou pra cá, eu pulei pra lá soltando também meu guincho estridente! Caralho, e agora?!
Foi mais uma hora pra fazer ele sair de lá. E eu já no corredor do prédio pronta pra correr, pude presenciar o momento exato em que ele meteu as fuças pra fora e foi certeiramente golpeado pela vassoura, voou alto, bateu no teto e caiu no chão em espasmos fatais. Mas rato é que nem mosca na sopa, “cê mata um e vem outro em seu lugar”. E não é que hoje eu me deparo com outros ratos?! Ratos vivos, muito vivos! Não insetos! Mamíferos, que mamam em muitas fontes. Ratos ágeis, perspicazes, como aquele. Ratos duros na queda, que se enfiam em qualquer buraco, que fazem inúmeras acrobacias e fazem ecoar seus bramidos. Ratos que me fazem subir na cadeira e gritar. Não de medo, pavor ou asco. De alegria! Ratos que me fazem gritar poesia...
Obs.: Cada clique num "rato" dá no blogue de um rato, e clicando em qualquer "ratos", dá no blogue dos Ratos di Versos.

31.8.06

a festa ou ensaio de orquestra

mixagem de palavras de dez rodas de conversa
mais a música soprada pelo aparelho de som
e uns tantos ruídos de copos, e brindes, e passos,
e o vento assobiando na janela
e o trânsito por baixo transava com tudo
seu som era um sopro de fumaça
e um glub, glub no copo de chopp
seu som discreto atravessou a ruidosa sala
se embrenhou pelo corredor
e se trancou no banheiro
abafando aquela orquestra de gente em festa
silenciou
afundou a cara na água da pia
encarou o espelho
olhou em torno – nunca vira um banheiro tão grande!
fumegante, deixou-se absorver em si tendo a banheira como leito
molhar o rosto não disfarçava
secar o rosto já não adiantava
se encheu de lágrimas afundando na banheira
se afundou em pensamentos enchendo de si aquele banheiro enorme
quando bateram à porta,
molhou o rosto, secou os olhos, deu descarga e saiu
pegou outra cerveja na geladeira
acendeu outro cigarro
e soou seu som naquele ensaio de orquestra
fosse Fellini o diretor, restaria nada da festa!
mas em ruína, ali, só ela
a festa continuava...

deleted

29.8.06

sem nome

p/ ch
unhas descascadas,
batom borrado, cigarro
o tempo passava
ela
passárgada

28.8.06

Joana

Joana tinha lá seus arranhões e uns invernos que a gelavam por dentro. Mas não, definitivamente, não tinha do que se queixar. Tanta miséria à sua volta, tanta tragédia, tanta dor. E Joana apenas olhava o mar. Cada onda a se formar, erguer-se em arco e se acabar em espuma na areia da praia. E mais uma a se formar, erguer-se e se acabar. Depois outra, e outra, e outra. Em cada onda, se deixava levar. Joana estava calma. O mar, sereno. O sol, ameno. Era uma perfeita sintonia. Joana vivia um amor com gosto de rede e água de coco, com clima de tarde em Itapoã. Sabia que cedo ou tarde poderia cair da rede e quebrar o coco. Amaldiçoaria Vinícius e todas as canções de amor! Mas agora, neste momento, Joana só sabia amar e olhar o mar, amar o mar, olhar o ar, arar o amor, olhar os olhos do seu amor saindo do mar a encontrar os seus. Davi lhe dá um abraço molhado, gelado, salgado, gostoso que só! E Joana sorve um pouquinho do mar dos lábios de Davi, beijando a um só tempo seus dois amores. Joana sorri. Com a boca, com os olhos, com o corpo todo. E o sorriso que se forma em si nada mais expressa que a serena alegria de quem simplesmente se deixa sorrir.

Clarice

As unhas de esmalte arranhado já não mais a preocupavam. Clarice tinha arranhões bem mais fundos. O descascar do rubro esmalte sobre as unhas era o que lhe dava a noção do tempo decorrido. Do tempo corrido que escorria entre seus dedos e escapava de suas garras, tão compridas e inúteis pra agarrar. Clarice olhava o tempo levar a tinta de suas unhas, o tempo levar a tinta de suas unhas, o tempo levar a tinta de suas unhas. Até que o tempo quebrou uma de suas unhas na base e Clarice chorou. Diriam ser chilique de mulherzinha – Onde já se viu, chorar por uma unha quebrada?! Eles não sabiam o que realmente havia se quebrado nela. O que perdera a cor, o brilho. O que o tempo não podia levar. O que o tempo não podia trazer. Porque uma unha partida, com o tempo, cresce. Um amor que parte, só faz fenecer. Mas eles não sabiam, ah, não!, eles nunca sabem os mil cacos que podem esconder as lágrimas de uma mulher sob um caco desgarrado de suas garras.

27.8.06

Pâmela

"A flor também é ferida aberta que não se vê chorar"
Chico Buarque

Pâmela florescia com as primaveras, ardia nos verões, secava no outono, caía no inverno. Ela crescia com a lua, se enchia e minguava até fazer-se invisível. Seu sorriso era um pranto inconsolável; suas lágrimas, de tanto rir. E de tanto andar sem chão, aprendera a levitar. Andava fora de si. E podia ver-se entre os passantes, entre as passistas, em cada pista que pisava aquele corpo abandonado. Aquele corpo que não perdia o rebolado. Aquele corpo que se perdia. Pâmela via tudo lá do alto, lá de baixo, lado a lado, nunca no mesmo lugar. Pâmela, que não cansava de se procurar, só se encontrava fora de si. E quando se achava por fora, caía em si. E despencava em oito abismos de infinitos. E quanto mais lhe faltasse o ar, mais cigarros tragava para não sufocar. Só bebia para se embevecer. Só se embriagava de dor e prazer. Só, bebia. Só, se embriagava. Sempre só e ainda mais só quanto mais acompanhada. Porque Pâmela... Pâmela só levitava. Andava fora de si, a vislumbrar tudo e todos e a si mesma com certo estranhamento. Todos falavam de tudo. Pâmela calava. Porque tudo ecoava dentro de si. Nadava, nadava, nadava no nada. Ela estava distante, léguas e léguas daqui. Tão distante que poderia jamais encontrar o caminho de volta. Suas migalhas que deixara como rastro foram devoradas por aves famintas. Estava esmigalhada. Quando encontraram o corpo, tremia no frio mais frio do inverno. Era uma noite de lua nova.

23.8.06

Ratos, CEP, 1/2 Noite: Eu vou!!!

HOJE tem...



RATOS DI VERSOS....

caia nessa ratoeira!!!


Esta quarta, dia 23/08
No Beco do Rato, no início da Joaquim Silva, próximo à termas Rio Antigo, Lapa.
A partir das 19:00
Com Dan Soares, Dudu Pererê, Maristela, Karluxo, Maurição, Dalberto, Juju, Chacal e et cétera e tal...

MANIFESTO RATNIK

Nós, as malditas criaturas subterrâneas abandonadas e esquecidas através das eras.
Nós, que há tanto tempo ansiamos pela luz do sol, roendo silenciosamente o rancor retido em nossa espinha
Nós, os absurdos habitantes da meia-noite,
os invisíveis invasores do amanhã
Não estamos sós
Nós temos voz
Diversos, Ratos di Versos,
Subam pelas paredes e ratazanem a paz das famílias
É a hora e a vez
DO PULO DO RATO!!!

Dan Soares

TERÇA tem...


CEP 20.000
16 ANOS

DE POESIA E PERFORMANCE
DE ALTA VOLTAGEM E VERTIGEM
DE ALEGRIA E CONFUSÃO
DE RISOS E LÁGRIMAS
DE BEIJO NA BOCA DA INVENÇÃO
DE ROCK E MUITO GROOVIE
DE DANÇA E VÍDEO E AZARAÇÃO
DE SILÊNCIOS E BARULHOS
DE VERSOS RIMAS E APLAUSOS

ESPAÇO CULTURAL SÉRGIO PORTO
TERÇA – 29 DE AGOSTO
DE 18 ÀS 22 HS
R$6,00 (meia: R$3,00 /
até 18 hs = R$1,00)

18:00 = CONTATOS IMEDIATOS DO SEGUNDO GRAU:

COLÉGIO PEDRO II APRESENTA:
NADA CONTRA NADA (banda)
GABRIEL HITTER, GUILHERME CELESTINO (poemas)
CAROL BRUNELLI, ROMÃ NEPTUNE (cena)

19:00 = APOSTAS
19:00 = DOIDIVINAS (banda)
19:30 = QINHO E OS CARA (banda)

20:00 = DIGNOSSAUROS
20:00 = OS OUTROS (banda)
20:30 = CHACAL E MIMI LESSA (performance)
20:40 = MAURIÇÃO E CARLUXO (textos)
20:50 = TAVINHO PAES E ARNALDO BRANDÃO (cena)

21:00 = ACHADOS & PEDIDOS
21:00 = FLU ( banda)
21:30 = PATRÍCIA CARVALHO (performance)
21:40 = DUDU PERERÊ E DANIEL SOARES (cena)
21:50 = DANSA DENSA

22:00 = GRAN FINALE
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E na QUARTA...

VERSOS DA 1/2 NOITE

20.8.06

O ritual

Murilo a aguardava. Ele sempre a aguardava. Giulia se demorava pelo simples prazer de fazê-lo aguardar por ela. Antes de sair de casa, já totalmente pronta, fumava calmamente um cigarro, só para alongar o tempo da espera. Horas depois, batia à porta de Murilo. Era sempre o mesmo ritual. Um beijo casual, um leve roçar de lábios. Um drinque. Um longo bate-papo sobre as coisas da vida. Como se o assunto, ali, não fosse sexo. Horas depois, ele vinha da cozinha com um copo, ou voltava do banheiro, tanto faz, Giulia já o aguardava no corredor, com os braços ansiosos por tocá-lo, com a boca já se abrindo para o beijo. Giulia cravava as unhas em suas costas, enquanto Murilo cravava os dentes em seu pescoço. As mãos de Giulia deslizavam das costas para dentro das calças de Murilo. As de Murilo subiam dos joelhos apertando-lhe as coxas; uma a segurava por trás, enquanto outra lhe afastava a calcinha com os dedos penetrando a quentura úmida daquele corpo que se entregava. Giulia jogava a cabeça para trás num leve gemido, enquanto suas mãos buscavam tocá-lo mais e mais. Assim, emaranhando os braços entre seus corpos iam girando pela casa até encontrar o quarto. A camisa de Murilo ficara pelo caminho, como os sapatos de ambos. Giulia joga-se na cama com Murilo por cima a descobrir-lhe os seios com a boca, a descobrir-lhe todo o corpo com a língua. Giulia se inverte na cama para baixar as calças de Murilo, dando de cara com o objeto de seu prazer. E sua boca o faz gemer de prazer, mais e mais. Ela aperta a cabeça de Murilo entre suas coxas, eriçada. Até que suas bocas novamente se encontram, os dois já totalmente nus e aflitos por se possuírem. Giulia está por cima de Murilo. Ela pára. O encara com um olharzinho cínico e um sorriso maléfico jogado no canto da boca. Ele franze as sobrancelhas, sem compreender. Giulia estava disposta a quebrar o ritual. Ela se levanta, cata suas roupas e apesar das insistentes interrogações de Murilo, somente diz “tchau”. Murilo a aguardava. Ele sempre a aguardava. Giulia se demorava pelo simples prazer de fazê-lo aguardar por ela. Antes de sair de casa, já totalmente pronta, fumava calmamente um cigarro, só para alongar o tempo da espera. Horas depois, batia à porta de Murilo. Era sempre o mesmo ritual.

Abaixo-assinado online pelo Cinema Icaraí

A câmara dos vereadores derrubou com ampla maioria o veto do prefeito ao projeto de Wolney Trindade que acaba com o tombamento do Cinema Icaraí. Há um abaixo-assinado online contra a derrubada do veto.Vamos tentar manter o último cinema de rua de Niterói!

A balada

Vânia se arrumou the flash. Lápis, batom, brincos, espirrou um perfuminho, tacou tudo dentro da bolsa - carteira, celular, cigarro -, pegou as chaves e foi. Decidiu assim, de supetão. Pleno sábado à noite e ela sozinha dentro de casa. Não! Pegou o carro e se dirigiu para o bar mais longe. Queria distância de casa! Sem problemas. No Rio sempre se esbarra com alguém conhecido em tudo o que é lugar. Não há espaço pra solidão. Então, ela ria, e bebia, e conversava, e ia de bar em bar, e não se cansava. Nestes momentos, nem se lembrava de Igor. Embora fosse ele quem a empurrasse para as noitadas. A sua ausência a fazia presente em todos os lugares, dos mais badalados aos mais vulgares. Ele estava lá, na cerveja gelada que bebia sem cessar, nos amigos inseparáveis que fazia para nunca mais encontrar, nas línguas que roçavam a sua, nos risos nervosos de quem quer ser feliz a qualquer custo. Lá estava ele, mas ela se fazia indiferente à sua ausência. Era como se tudo aquilo pertencesse somente a ela. Ela tinha domínio pleno de sua vida. Ela, enfim, tinha a sua liberdade. Esta liberdade de fazer exatamente tudo aquilo de que não tinha vontade. A liberdade de se perder, para não se encontrar com a própria dor, a dor da perda. Ela sambava pisoteando a dor e exalando uma alegria radiante. Divertiu-se muito naquela noite. Vânia estava inabalável. Meteu a chave no trinco. Girou. Enfim, só. Estava tão cansada, que se jogou na cama de roupa e tudo. E chorou, chorou, chorou, chorou..., soluçando ainda na cadência do samba.

19.8.06

Microcontos

Seguem pequenas experiências inspiradas nuns microcontos que li de um livro organizado pelo escritor Marcelino Freire. A proposta do livro era de contos de até 50 toques (sem contar título e pontuação). Os meus passaram um pouco. Mas foram o máximo, digo, o mínimo que consegui.
- Vem cá, vem.
Foi.
- Pega esse pau, vai!
Pegou.
Levou na boca.
Era um bom cão.

No enterro

- Do pó vieste, ao pó retornarás...
A mãe desmaia.
O padre não sabia da overdose.

O suicida sádico

- Pula! Pula! ...
Hesitou. Calculou.
E jogou-se sobre a multidão, levando o coro consigo.

17.8.06

Salto alto

Um salto alto. É disso que preciso. Um salto alto para subir na vida. Um salto bem alto, para sentir-me viva. As unhas grandes, pintou-as de vermelho-sangue. As das mãos e as dos pés. Da cor do sangue que fervia-lhe na face. Pôs-se nas pontas dos pés sobre o salto mais alto que tinha. Um pretinho trançado que se fechava no tornozelo, modelando as pernas compridas e bem torneadas. Dispensou o pretinho básico para cobrir-lhe o corpo. Revirou todo o armário e quando o viu, revirou os olhos. Era este! Um vestido deslumbrante com rajadas de vermelho e preto. Um sensual decote em v a emoldurar-lhe o colo deixando os seios levemente a mostra, deixando os seios a desejar. Um frente única que lhe deixava as costas nuas até o cóccix, onde o tecido mole se acomodava em leves dobras, e se desdobrava pelo quadril dando molejo ao rebolado. Rebolou até o banheiro, onde o espelho lhe aguardava para dar o toque final. Dispensou o pó, pois queria nua sua pele da face. Apenas modelou os olhos com lápis, rímel e uma sombra clara. Cobriu a boca de vermelho-unhas. E sorriu para si. Cabelos revoltos, os deixou, como ela mesma era. Sentiu-se uma pantera. Felina e poderosa. Feroz. E desfilou seu rebolado para os cômodos da casa, largando um rastro de perfume fatal. Já na sala, ele a aguardava. Ela o pegou, encheu o copo, e o bebeu com tamanho prazer. Aquele whisky era tudo o que tinha naquela noite vazia.

14.8.06

FLIP: o OFF do OFF (ou, simplesmente, ON)

Vi Cataldo catando verso da pedra pisada em Parati e tacando tudo por ali. Vi Dudu criando verso da vida vivida, dando vida ao papel do poeta e quase perdendo a voz de tanto encontrá-la. Vi também Alex, Marcelo, Diego, Cabral, tudo que é filé de peixe, dando banquete de versos servidos de bar em bar. Vi a poesia maloqueirista regar de gíria paulista o chafariz da praça. Vi a Carpes com toda a sua Graça. Vi João Luiz e Tavinho armando o palco e acendendo a tocha pra iluminar a poesia de quem fosse. Vi poeta em cada esquina, em cada praça, em cada bar, em tudo que é lugar. Ouvi a poesia da boca do poeta, li a poesia da página do livreto. Toda a poesia me comove. Como comove a poesia do mar batendo no cais, do rio riscando pedras e formando poços, da lua cheia entrecortada pelos galhos secos da árvore como única fonte de luz, da pedra pisada, pedra pisada, pedra pisada, da caminhada na estrada, do balanço da carroça que me leva, do borbulhar da pinga fermentando antes de tornar-se pinga, a poesia da ginga, da dança, a poesia do olhar da criança índia e de toda a família vendendo sua palha no chão, enquanto passam pés, uns com pressa, outros não, e sempre algum que tropeça no vão da pedra do chão, a poesia do riso, do porre, da ponte que todo dia eu atravesso, do menino pulando da ponte na água suja, da água suja a caminho do mar, da estátua erguida que é Iemanjá, a poesia de deitar quando se tem sono, de acordar quando está sanado, a poesia de andar a esmo vendo poesia em tudo que é o mesmo, em tudo o que destoa. A poesia que se faz à toa. Sempre me comove a poesia que se move entre um pedaço de espaço e um movimento de tempo. Eu me movo na poesia de cada momento.

8.8.06

silêncios

há silêncios que me apavoram
silêncios que eu insisto em prolongar
e me apavoram
silêncios de eternidade
que podem se impor a qualquer segundo
silêncios de voz travada e respiração presa
silêncios de contenção
silêncios-represa
quando um silêncio assim me toma
sei que estou prestes a explodir
cá dentro ouço tudo ruir
uma orquestra infernal estremece meu ser
cá dentro uma soprano se exercita
com toda a sua potência vocal
cá dentro se parte um vidro de cristal

vozes

em delírio ouço vozes
que são as minhas
e me dizem como agir, o que pensar, o que falar
são muitas vozes que se contradizem
soam tão alto que desorientam
tanto me ecoam que me deixam vácuo
se impõem tão forte que me largam fraca
quando serenam
já não ajo, já não penso
quando elas calam
já não falo

7.8.06

"Ao homem que não me quis"

"De tanto não vir, João pregou-me nesta paisagem feito um crucifixo." (do conto "Natureza morta", de Ivana Arruda Leite)


Mas minha paisagem não é tão bela quanto a dela. Na verdade, não passa desta tela. Pois noutro conto ("Mulher do povo"), Ivana escreve: "Os livros são a minha salvação. Quando tudo ao redor se torna insuportável, enfio a cabeça dentro deles e espero o temporal passar." Foi o que fiz hoje. Passei a tarde lendo "Ao homem que não me quis". E foi o suficiente para querer mais, para querer ler todos os livros desta mulher! Os contos são todos maravilhosos! Gostei especialmente de "Da difícil vida das rêmoras". Gosto de ser surpreendida. E o conto tem umas reviravoltas magníficas até o final. Mas o que dá título ao livro é também uma delícia, e todos os outros. Não teve um, por mais curto e grosso que fosse, de que não tenha gostado. "Por Deus" são apenas duas frases: "Tira essa faca do meu peito e enterra o pau. É muito mais confortável." Caralho, Ivana! Que poder de síntese fantástico!
A primeira vez que vi a Ivana Arruda Leite foi em cena, no projeto "Autores em cena", no Itaú Cultural, em maio deste ano. Ela e a Índigo arrasaram com uma direção também arrasadora da Fernanda D'Umbra. Foi lá que comprei o livro dela. Mas só agora li. Tenho uma certa compulsão por comprar livros. Mas nunca tempo suficiente para ler todos. Então ele ficou na estante, aguardando o momento exato para ser lido. Lido, não. Devorado. E já virei fã de carteirinha. Ela tem também um blogue, que eu vou linkar aqui do lado:
http://www.doidivana.zip.net/ . Tá lindo, lindo. Vale muito a pena conferir!

6.8.06

Avenida Dropsie e outras deste Bronx


É no Bronx que se passa o espetáculo que vi ontem. Mais precisamente na Avenida Dropsie, que dá título à peça encenada pela Sutil Companhia de Teatro, em cartaz no Teatro Nelson Rodrigues. A Avenida Dropsie dos quadrinhos de Will Eisner, que Felipe Hirsch levou ao palco. O movimento corporal dos atores reproduzia com precisão o movimento congelado pelos traços dos quadrinhos. Era possível ver a ação quadro a quadro tal como num quadrinho. Só o trabalho dos atores poderia bastar para levar aquele universo ao palco, mas Hirsch ousou mais, muito mais. Ousou erguer um prédio de três andares, em cujas janelas víamos uma profusão de histórias individuais se chocarem naquele espaço coletivo, incomunicáveis. Ousou levantar uma quarta parede real, constituída por um telão transparente em que se projetavam os traços do próprio Will Eisner, suas falas, também ouvidas em off na voz de Gianfracesco Guarnieri, e até mesmo os pensamentos dos personagens enfileirados lado a lado dentro de um trem. Hirsch derramou sobre os atores um temporal e inundou o teatro daquele efeito de chuva próprio aos quadrinhos de Eisner. Essa plasticidade ousada e precisa do espetáculo bastaria para reproduzir aquele universo. Mas Hirsch foi muito além. Ultrapassou a superfície das relações entre as pessoas das grandes cidades. Mais do que a solidão individual em meio ao caos urbano, a peça comunicou a incomunicabilidade. E eu ali, incomunicável em meio ao teatro lotado, eu me vi ali, naquele palco, em diversas situações do dia-a-dia. Eu não me transportei para aquele universo, porque aquele universo é o meu universo. Aquele barulho, aquela agitação, aquela pressa, aquela falta de diálogo, aquela violência, aquilo tudo invade os meus sentidos a todo o momento pelas avenidas do Rio de Janeiro, pelas paulistas, pelas vidas vividas nas avenidas das grandes cidades. Eu ontem estive no Bronx. Não apenas no Bronx de Will Eisner e Felipe Hirsch. Estive no Bronx do Rio de Janeiro. Desfilando sozinha a minha invisibilidade a caminho do teatro para comprar o ingresso. Desfiando a minha incomunicabilidade a caminho do Odeon, para ver Zuzu Angel enquanto aguardava o horário da peça. Desafiando a minha solidão na saída do espetáculo para tomar umas na Lapa com um amigo que lá encontrei. Dissolvendo-me na violência que me assaltou a caminho do 100. Enfim, levei um papo com os assaltantes, pois só tinha o dinheiro pra voltar pra casa, e eles me deixaram partir em paz com meus 10 reais. Ainda lhes desejei boa sorte antes de lhes dar as costas e caminhei mais uns tantos metros sombrios mergulhada na minha solidão. Refletido na janela do ônibus, meu olhar ainda refletia todo esse universo. Das avenidas Dropsie, Rio Branco, Paulista, Amaral Peixoto, Roberto Silveira... De todas as avenidas ensolaradas e tempestuosas da minha vida.
Acabo de voltar do Bronx.
Amanhã eu explico.

2.8.06

Está dada a largada!

A maratona é a montagem do meu filme. A linha de chegada, o CEP do dia 29/08, comemorativo dos 16 anos. Comecei hoje a decupagem das fitas. Tenho cerca de 10 fitas pra decupar, contando com o material de arquivo que eu ainda tenho que gravar. Depois mapa de edição e montagem. Sendo que no meio ainda tem o meu trabalho e cinco dias de FLIP. Ufa! Vamos ver agora como está o meu preparo físico... (e mental) O que vou apresentar dia 29 será apenas a primeira versão, porque o produto final dependerá da filmagem dessa exibição. E dependendo da reação do público, eu ainda posso mudar mais alguma coisa pra versão final. Como é um centro de experimentação poética, vou experimentar o meu filme por lá! O título, resolvi tomar de empréstimo ao Chacal: "CEP - só indo, só vendo, ouvindo, vivendo". Acho ótimo porque desautoriza o próprio documentário como reprodução fiel da realidade. "Ce n'est pas une image juste; c'est juste une image", já dizia o velho Godard. Se não tivesse a frase do Chacal, acho que incluiria essa citação do Godard no filme. Talvez inclua assim mesmo, só pra dar esse ar blasé de quem cita Godard em francês...

1.8.06

FLIP 2005-2006

Ano passado foi assim. Resolvi ir com um mês de antecedência. Chamei vários amigos. Ninguém podia. Fui sozinha. Vi que tinha um evento de poesia da OFF FLIP, um concurso com um nome interessante: Cabaré Literário. Me inscrevi. Foi minha primeira aparição pública como poeta. No concurso e com a publicação de um fanzine. Quase morri de vergonha, mas saí do armário. E teve quem gostasse... Depois disso que criei o blogue, publiquei um outro fanzine, comecei a participar dos eventos de poesia no Rio. Ainda morro de vergonha. Pra falar poesia em público, é um custo. Prefiro me esconder atrás da tela. E pra falar a verdade, não me considero poeta. Só arrisco uns versos vez em quando, pra não sufocar. É terapêutico. Curioso é que depois disso comecei a ter uma preocupação maior com a forma. Antes era enxurrada, torrente de palavras. Agora, é uma coisa mais contida. Meu estilo, se é que posso dizer que tenho um estilo, mudou. Não sei se pra melhor ou pior. As enxurradas me são mais terapêuticas, e ainda as tenho. Mas elas saem mais em forma de prosa, que em verso, uma coisa sem quebra e quase sem pontuação. Gosto das tempestades, da água batendo na cara, do cheiro de terra molhada. Gosto mais de escrever assim. Acho que vou parar com o blogue e com essa preocupação chata de escritor com a recepção do leitor. A verdade é que escrevo pra mim, e não pra você que me lê. Já até me deixei levar no embalo da tempestade e mudei o rumo da prosa. Falava da FLIP, que fui sozinha e foi uma experiência marcante na minha vida. Fiquei no albergue e conheci pessoas maravilhosas, que se tornaram a minha turma lá, me apaixonei perdidamente por um jovem poeta que hoje é um amigo muito querido e de cujo trabalho admiro muito, vi tudo o que quis e deixei de ver o que todos queriam, porque Jô e Jabor tão na TV todo dia e eu nem gosto... Enfim, foi du caralho! Este ano, não estava tão empolgada. Mas ontem, uma amiga me botou uma pilha e eu embarquei. Agora, ela nem sabe se vai ou não vai. Mas eu vou. Viajar acompanhada é bom para compartilhar as coisas, mas sozinha também é muito bom, porque vc fica mais livre, leve e solta. Tem gente que vive na dependência do outro. Eu gosto de sair sozinha. Então, tá decidido. A programação da FLIP tá em www.flip.org.br e dá pra ver a da OFF FLIP em www.paraty.com.br . Vou lá ver Maria Bethânia, Ferreira Gullar, mas vou ver também Marcelino Freire e Fabiana Cozza!...