29.12.12
frigideiras de piche e concreto
almas abalroadas
num acidente quilométrico
que se estende por toda a estrada
as tevês ligadas em todas as casas
nenhum noticiário revela as causas
sorrisos colgate entre as chamadas
nas ruas, os refugiados dos comerciais de margarina
famílias derretidas em frigideiras de piche e concreto
desintegrando os dedos de pontas enegrecidas
carcomidas de vício ou ofício, tanto faz
é tudo o mesmo malabarismo no meio-fio
por um fio, navalha, alta tensão,
todos os malditos fios!
vejo as mãos estendidas em súplicas inauditas
os carros passam zunindo
reduzindo-os a reflexos cada vez mais longínquos no retrovisor
corpos bambeiam ziguezagueiam
solicitam do asfalto sua dose diária de atropelamentos
e cá estou eu, no mesmo movimento
sempre recolho meus pedaços da pista
e me recomponho
eu, o eterno atropelado
e também o motorista
que some na poeira da estrada
apagando sombras do retrovisor
eu, o sorriso colgate
e o alicate que me arranca um a um
todos os dentes
uma vaga noção das causas
e das minhas calças curtas muito muito curtas
e de todas as roupas apertadas demais
para movimentos humanos
e de todo esse excesso de pano
se enfiando nos olhos
dando nó nas entranhas
costureiros do absurdo, onde se costuram coisas tão desmedidas?
todo mundo quer a saída
mas ninguém dá um passo em direção
a qualquer entrada
ademais,
todas estão fechadas.
ainda não inventaram nada
como o bom e velho
pé na porta.
(e a gente ainda com essa coisa
de atravessar paredes)
16.12.12
uma estrela risca o breu da noite
para Laura Cravo
ela invade a minha noite
com o sol entre os dentes
seus olhos de girassol
e delicados pés de nuvem
dançando no meu coração
até esqueço de atear fogo
no posto de gasolina
dos meus planos de fuga
das bombas caseiras que fiz
pra vender como doces
nas portas dos bares
então eu a levo para passear
na minha tempestade
então ela me ensina a abocanhar o sol
pra fazer dele sorriso
então nos sentamos no meio-fio
para admirar a velocidade dos carros
fatiando horizontes
entre um carro e outro
meus doces explosivos
pipocam no asfalto
como fogos de artifício
ela me ensinou a explodir coisas
sem raiva e sem medo
só porque é bonito
em agradecimento,
eu lhe dei um punhado de pólvora
a noite pretende amanhecer na nossa esquina
uma lágrima risca a madrugada
o posto de gasolina está vazio
e não será incendiado
ela vai embora cantando summertime
don't you cry don't you cry
há sempre uma canção bonita
para as despedidas.
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