12.5.16
13.4.15
BLOG NOVO
Qdo eu entrei no face abandonei meu blog. Agora eu tô a fim é de abandonar o face e retomar a minha vida de blogueira, que aquilo lá tá cada vez mais chato! E as minhas postagens de poemas sempre se perdem no buraco negro do facebook... Então tô criando um blog novo, nesse link aqui: http://www.beatrizprovasi.blogspot.com.br/ . Ainda tem muita coisa pra incluir lá, mas já dá pra conferir e comentar.
19.9.14
NÃO É SOBRE DESPEDIDAS
e então você me dá as costas
e eu te vejo caminhando
as mãos nos bolsos
os olhos acompanhando os buracos da calçada
a solidão pendurada nos seus ombros
se balançando pra lá e pra cá
te fazendo cambalear um pouco.
o dia vai clareando
e você sumindo no horizonte...
quer dizer, não, não há horizonte!
você some ao dobrar uma esquina
de repente
as luzes dos postes se apagam
o funcionário sobe a porta de ferro da padaria,
fazendo um enorme ruído rasgar o dia
e um bando de pombos revoar
para o outro lado da rua.
outro jeito de ir embora
é se distrair observando
a curvatura da cinza do cigarro que se queima longamente,
um rótulo de cerveja,
as unhas descascadas,
ou qualquer conversa desinteressante simulando um enorme interesse
enquanto tenta não pensar em nada.
é não olhar para trás,
e nem perceber a primeira cena.
ir embora é carregar silêncio nos pés e mordaças no peito,
e nós sabemos como ninguém estar sempre indo embora.
mas isso não é sobre despedidas.
é sobre encontros.
a gente se esbarra.
é que desde a primeira vez,
sempre foi o último beijo.
7.9.14
PROGRAMA DE GOVERNO PARA ALMAS DESGOVERNADAS
PROGRAMA DE GOVERNO PARA
ALMAS DESGOVERNADAS
ou PROGRAMA DESGOVERNO
para Presidente
Essa é
uma proposta da sociedade civil desorganizada,
representada
por mim que não represento ninguém.
MEDIDAS
PRELIMINARES
Tente
ficar uma semana sem olhar os relógios.
Perca
os horários, se atrase, esqueça os compromissos.
Deixe
alguém esperando, não vá.
Se a
pessoa estava lá, foi pelo relógio.
Livre-se
da culpa.
Agora
você já se preparou para o nosso programa de governo.
A vida
é sua. Governe-a.
Não
acate os meus comandos.
A
partir de agora, estou falando apenas comigo.
I. Ao
sair do apartamento, aperte todos os botões do elevador. Aproveite a viagem.
Observe como a porta abre e fecha, abre e fecha, como as luzes dos botões uma a
uma vão se apagando. Tente sentir o efeito da inércia no seu corpo quando o
elevador para em cada andar, se sobe ou se desce, se é brusco ou se é leve.
Pode ser que você sinta vontade de pular. Não se contenha. Pegue o interfone,
ligue para o porteiro e deseje-lhe bom dia. Se rolar assunto, converse. Observe
minuciosamente seu rosto no espelho, tente encontrar um cravo ou espinha;
esprema. Se não tiver, busque um fio de cabelo branco e arranque. Se não achar,
faça caretas. Quando menos se espera, no auge do divertimento, o elevador
chegará ao seu destino. Se lhe agradar, refaça a viagem. Mas é recomendável
sair para não se entediar. [Tema: Transporte]
II. Ao
alcançar a rua, libere a maconha. Seja generoso, e ofereça um tapinha a cada
transeunte que cruzar seu caminho. Alguns podem estranhar, e ter reações
adversas a você. Há sempre um tempo de adaptação quando se altera a legislação
do cotidiano. Haja o que houver, aja com
muita naturalidade, e siga caminhando. Se der vontade de entrar num parque pra
curtir a onda, aproveite para tomar um banho de chafariz. Libere-se das roupas.
Pise a grama sem sapatos. Corra entre as árvores. Se tiver um parquinho,
aproveite o balanço, a gangorra, tudo o que tem direito. Depois, convença o
pipoqueiro a lhe dar um punhado de pipocas. Vá até a carrocinha de churros e
peça um pouco de doce de leite por cima. Os trabalhadores das carrocinhas de
comidas dos parques e praças costumam ser simpáticos e generosos. Se não forem,
ofereça-lhes alguma coisa de presente, por exemplo, uma caneta, um isqueiro, um
óculos, um bloquinho de notas, ou qualquer coisa que carregue consigo e não
seja dinheiro. De todo modo, arrume algo de comer para seguir adiante. Se for
preciso, encontre uma feira e prove todas as frutas. A larica é impiedosa e
você precisa se satisfazer. [Tema: Liberação das drogas]
III. Tente
encontrar um orelhão. Um orelhão que funcione. Mas não se desespere. Aproveite
o passeio entre um orelhão e outro, contemple a paisagem. Se só tiver barulho e
fumaça, carro e gente, muito carro e muita gente, contemple ainda mais
calmamente. Tente distinguir no meio de todos os barulhos juntos cada barulho
singular que compõe essa orquestra. Observe as expressões de cada pessoa e
tente imaginar no que ela pode estar pensando. Pense nela por algum tempo,
faça-a existir para você. Para chamá-la de algum modo na sua memória, invente
um nome. Pode ser, por exemplo, algo que ela esteja usando. Aquela mulher ali
se chama Bolsa Vermelha, o homem do outro lado, Gel no Cabelo, e por aí vai.
Atravesse a rua fora da faixa, contornando em ziguezague o emaranhado de
carros, e não se esqueça de cumprimentar cada motorista com um leve aceno de
cabeça e um sorriso cordial. Quando enfim encontrar um orelhão - um orelhão que
funcione -, ligue para um número que se lembrar de cor - a sua mãe, um velho
amigo, o mecânico, o salão de beleza, a secretaria da faculdade, qualquer um.
Se não tiver cartão (ninguém mais tem cartão de orelhão), ligue a cobrar. Diga
que precisa conversar um pouco, e converse um pouco. Não importa o assunto. Mas
não minta, não invente desculpas (não há culpa). Ao deligar, dirija-se à pessoa
mais próxima e peça a sua opinião no assunto. Se for preciso, caminhe com ela
alguns passos, e ouça atentamente tudo o que ela tem a lhe dizer, mesmo que
seja só um “Vá se foder”. Considere a sua opinião. Se julgar justa, vá foder
(talvez seja preciso recorrer novamente ao orelhão, e ligar imediatamente para
alguém que possa fazer isso com você). [Tema: Comunicação]
IV. Pegue
o ônibus mais próximo. Pule a roleta (a tarifa zero já está contemplada no
debate sobre os elevadores, e consideramos válida para todos os meios de
transporte). Quando sentir vontade, dê o sinal e desça. Pegue outro ônibus
qualquer. Passeie um pouco. Dê o sinal e desça. Pegue outro. Faça perguntas aos
outros passageiros sobre os lugares por onde passam. Indague de onde vêm, para
onde vão, o que fazem. Tente conhecer o modo de vida de cada pessoa, do que
gostam, o que comem, seus hábitos e costumes, sua cultura, enfim. Peça para ela
cantarolar um trecho da sua música preferida. Quando algo da janela lhe chamar
a atenção, aponte. Fale um pouco sobre isso. Conheça a opinião do seu parceiro
de viagem. Observe cada rua, mesmo que já a conheça, como se pela primeira vez.
Estranhe o mínimo detalhe. Questione o significado daquela inscrição no muro –
você está numa antiga caverna. Aos poucos, após uns tantos ônibus e outros
tantos passageiros, você vai perceber que está conversando em outro idioma.
Você já aprendeu a língua. Desça onde estiver. Caminhe um pouco a pé. Já sente
saudades de casa? [Tema: Turismo]
V. No
local de trabalho, algumas recomendações são necessárias. Por exemplo, deixe
para amanhã o que você pode fazer hoje. É preciso se concentrar, e conter o
impulso de agir. É preciso não pensar nisso. Não pense no amanhã, e
concentre-se no aqui e agora. O que você tem pra fazer? Não faça. Se a angústia
de não fazer nada se apossar de você, faça algo que não seja da sua alçada. Se
você é secretária e deve redigir um memorando, e há uma servente encarregada da
limpeza, convença-a a escrever o memorando e varra com muito afinco o chão da
sala. Ela pode objetar que não sabe escrever um memorando. Você terá de
persuadi-la de que todo mundo é capaz de escrever um memorando, se tiver
vontade, e de mais a mais, ela já está de saco cheio de varrer, e que encare então
como um momento de descanso, não precisa levar tão a sério, etc. Certamente ela
se esforçará, bem como você. Ao final, o chão da sala estará impecável e o
memorando irretocável. Mas se fosse amanhã, estaria melhor. Pense nas infinitas
possibilidades de fazer amanhã o que você deveria fazer hoje. Então agora se
concentre, e não faça mais nada. Quem inventou essa história de que “tempo é
dinheiro” se esqueceu de dizer que o seu tempo é dinheiro no bolso de alguém.
Não gaste seu tempo sendo produtivo. A não ser que produza algo para si mesmo
ou para alguém querido, ou para a humanidade inteira. Você pode levar para o
trabalho agulha e linha de crochê a fazer uma linda blusinha para usar na
primavera. Ou então, usar o telefone do escritório e discar números aleatórios,
propagandeando nosso programa de governo a quem atender. Talvez você seja
demitido. Mas se for criativo, dará um jeito de sobreviver. A criatividade é a
alma do negócio. [Tema: Emprego e renda]
VI. A
essa altura, você já deve estar cansado. Descanse. Se alimente bem e tire uma
soneca. [Tema: Saúde]
VII. Selecione
alguns livros para ler. Estire-se na cama. Pegue o primeiro, contemple a capa,
leia o título em voz alta, dê uma folheada, leia um parágrafo, se detenha em
uma frase, observe o sumário, veja o número de páginas, dê uma última folheada
rápida de trás pra frente com o auxílio do polegar; apoie sobre a mesinha de
cabeceira. Tome nas mãos o próximo livro, contemple mais demoradamente a capa,
e repita todo o processo pulando uma etapa, como talvez o sumário ou a leitura
de um parágrafo. No terceiro, pule duas etapas. Do último, apenas olhe
rapidamente a capa, e largue-o sobre a pilha com os demais. Não pegue nenhum
livro, não se apresse em começar a ler. É o livro que deve pegar você. Perceba
o lindo bloco de livros empilhados que você formou: livros de várias cores,
formatos, texturas, dispostos uns sobre os outros de forma irregular. Você está
em um museu, diante de um objeto de arte contemporânea. Sinta-se tocado pela
obra. Agora, acomode-se na cama e contemple a brancura do teto. Aos poucos, os
pensamentos vão se soltando, você não os controla. Deixe-se levar. O teto
branco para os olhos e o silêncio para os ouvidos são o passaporte para a sua
viagem. Memória e imaginação, história e ficção, considerações filosóficas e
criação artística, fluirá tudo junto sem saltos, e sem a preocupação de fazer
distinções. Nada mais posso falar, porque você já não me ouve. Não sei quanto
tempo vai se passar, 5 minutos ou 2 horas, a marcação do tempo não dá conta de
dizer essa duração. Alguma coisa vai te chamar. Pode ser um incômodo do corpo
querendo mudar de posição. Foi bom pra você? [Tema: Educação]
VIII. Olhe
pela janela. Um casal passeia pela rua de mãos dadas e parece muito feliz. Um
olhar cúmplice, um carinho nos cabelos. O casal caminha sem pressa. Para no
ponto de ônibus, e conversa sobre coisas banais. Talvez estejam decidindo o
cardápio do jantar, a lista de compras do supermercado, ou comentando um
acontecimento do dia sem muita relevância. Um casal como outro qualquer,
falando qualquer bobagem, só para estar junto. Enquanto o ônibus demora, o
casal se namora. Falam algo amável, se olham com carinho, e se beijam.
Permanecem abraçados por algum tempo em silêncio, aguardando. O que aguardam
não é apenas um ônibus. Há sonhos deitados nos olhos. O nome de um filho,
talvez. Uma viagem no fim de semana. A cabeça no ombro se ergue subitamente com
a chegada do ônibus. O casal desperta e volta a se falar, sobe os degraus,
avança para a roleta, se protege dos trancos que o motorista dá, se acomoda no
banco e segue em frente. Você é capaz de dizer se o casal é um homem e uma
mulher, dois homens, duas mulheres, transexuais, travestis? Você se pergunta o
sexo dos passarinhos quando eles namoram na sua janela? Deixe a janela aberta. [Tema:
Combate à homofobia]
IX. Torne-se
um colecionador de chaves. Vá a um antiquário e procure por chaves remotas.
Pegue sorrateiramente todas as chaves que encontrar e faça cópias. Crie chaves
novas para fechaduras inexistentes. Acumule pequenas chaves de gavetinhas,
chaves de portas de armários, suntuosas chaves de portões de ferro antigos,
chaves de cadeados de variados tamanhos, as chaves das portas, as chaves dos
carros. Vasculhe a sua casa e encontre chaves que você já não lembra o que
abre. Colecione possibilidades de abertura. Você deve abrir as portas dos
presídios, você deve abrir as portas dos hospícios, você deve abrir as portas
das escolas, você deve abrir as portas dos quartéis, abra a porta da sua casa, abra
todas as casas, abra as porteiras, não abra uma conta no banco. Você deve abrir
a mente, você pode abrir as pernas. Abra os olhos, abra as mãos. Você deve
abrir as fronteiras dos Estados. Você deve abrir uma roda e dançar. Não abra um
negócio. Abra passagem. [Ainda não inventaram um tema para as possibilidades de
abertura]
X. Ignore
a sirene.
meu carro se encosta ao meio-fio
sempre que ouve sirenes às suas costas
desvio sem pensar
- gesto automático
de quem foi
educado.
desaprender
demanda muito esforço
conter o impulso
e não girar o volante
- lembrar-me por que -
olhar no retrovisor e ver
identificar a viatura
cantarolar distraída
uma música qualquer
permanecer
[se possível, reduzir a velocidade]
para a polícia
eu não abro passagem.
[Tema:
Desmilitarização das polícias]
XI. É
noite. Você nem se deu conta. Está sentado num banco de praça. Havia passado a
tarde inteira envenenando com milhos transgênicos os pombos da cidade. Olha em
volta procurando pombos agonizantes, mas a praça está tomada de ratos, uns com
bico, outros com um cotoco de asa. As criaturas estranhas da noite surgem de
todos os lados. A metamorfose já começou, não adianta correr para casa. Você
tenta levantar o pé, mas ele está grudado ao chão, como a um ímã. Então você
impulsiona os pés para frente e começa a deslizar do banco, até seu corpo todo
alcançar o chão. Segue rastejando seu instinto de cruzar a praça. Das portas
dos prédios, dos estabelecimentos comerciais, jorram grandes sacos pretos de
plástico, formando montanhas, primeiro nas esquinas, depois alcançando de ponta
a ponta toda a calçada. Você rasteja com dificuldade, e percebe que o cerco
está se fechando. Os sacos, muito cheios e pesados, começam a pender dos montes
e rolar para dentro da praça. Você se volta para o outro lado. Os sacos avançam
como tentáculos, de todos os cantos. O ar torna-se irrespirável. Os ratos
festejam a chegada da primavera. Escalam as montanhas com guinchos de alegria.
Você não tem a mesma agilidade. Está digerindo um boi inteiro como uma sucuri.
Rasteja pesadamente. Os sacos pretos formam um plasma que escorre e vai te
engolindo aos poucos. Você ainda tenta gritar por socorro. De repente, percebe
que você pode estar envolvido num sonho, tudo não passa de um terrível
pesadelo. Concentre-se, e você vai acordar. Concentre-se mais um pouco, tente
abrir os olhos. Talvez você seja um ser rastejante soterrado por sacos de lixo.
Durma bem. Você pode sonhar que é um ser humano. [Tema: Meio Ambiente]
XII. É
assim mesmo, a comida já nasce na prateleira do mercado, querendo te devorar. Você
está na cidade. Você planta dinheiro para colher alimentos. O dinheiro é a sua
semente. Nada brota sem dinheiro. Enterre uma nota de 100 reais em algum
canteiro; regue todos os dias. Mastigue moedas de todos os tamanhos,
estraçalhando os dentes. Se alimente bem. Não dispense uma boa salada: tempere
notas de 10 e 20 com sal, azeite e vinagre. Cozinhe as de 5 em fogo brando. As
de 2 são mais difíceis de engolir, leve ao fogo baixo na panela de pressão por
30 minutos. Você pode gratinar as de 50 levando ao forno; fica uma delícia! Não
pense que a nossa culinária é pouco variada. No Brasil, os pratos típicos são
servidos em reais. Os grandes chefes franceses nos oferecem pratos em euro. Já
os fast foods americanos são preparados com dólares. Você pode variar o paladar
frequentando uma casa de câmbio. E há ainda uma variedade enorme de cartões de
crédito. Não se esqueça de regar diariamente aquela nota de 100. Corte o
dinheiro em bifes. Quem rasga dinheiro é maluco. Coma todo o dinheiro que tiver
no prato; evite o desperdício. Quanto mais dinheiro tiver, mais você deve
comer. Engula todas as notas, as moedas, os dentes, os cartões, a conta no
banco, a conta no banco da Suíça, as grandes propinas, os pequenos subornos, o
desvio de verbas, os lucros, os rendimentos das ações, de todos os
investimentos lícitos e ilícitos. Se sobreviver, regue a nota de 100. E bon appétit! [Tema: Alimentação]
XIII. Tire
o dia para ir à praia. Sinta a brisa no rosto, os raios solares aquecendo o
corpo. Estenda uma canga e estire-se na areia. Permaneça lá deitado a tarde
inteira. Não saia antes do pôr-do-sol. Ao chegar em casa... Bom, muito se fala
hoje em energia eólica e energia solar. O que não se pergunta é de onde tiram
energia o sol e o vento? Sinta a moleza bater no seu corpo. É isso mesmo. Você
esteve a tarde inteira sem fazer nada e está sem energias, exausto. Precisa se
recarregar com um bom banho e uma dormidinha. Você forneceu muita energia para
o mundo hoje. [Tema: Energia]
XIV. More
num tênis All Star. More em qualquer tênis. Num da marca Mike da vitrine do
camelô. Nas suas Havaianas. Em qualquer chinelo. More numa sapatilha, numa
sandalinha, num coturno. More dentro das suas botas. Nos seus saltos. Nos seus
baixos. More nos seus sapatos. E vá a qualquer lugar. Você pensou que precisava
de uma casa para habitar o mundo – ah, o hábito! – e por isso tantos sapatos.
Agora experimente dançar descalço. Você é um rei no seu palácio. Você mora nos
seus pés. [Tema: Moradia]
XV. Na
queda, o mercado fraturou um osso. Na alta, saiu do hospital. O mercado tem
sempre um atendimento muito rápido e eficiente. Com a saúde financeira, não se
brinca. Para evitar doenças, tem-se uma vacina: injeta-se dinheiro aqui e ali.
Enquanto você morre a cada dia, o mercado sobrevive, com hospitais de alta
tecnologia e um psiquiatra exclusivo para tratar de suas crises. Nós não temos
nada disso, e por isso somos loucos. Rasgamos dinheiro. Mas não rasgamos apenas
o nosso dinheiro, ou haveria um déficit na balança comercial. Rasgamos também o
dinheiro alheio. Todo o dinheiro do mundo deve ser rasgado igual, para manter o
equilíbrio econômico. Na fase avançada do descapital, haverá apenas um tipo de
banco: o banco de praça, onde a gente vai se sentar, relembrar os velhos
tempos, e dar muita risada. Como éramos loucos de nos rasgar por dinheiro! [Tema:
Economia]
XVI. Arrume
tintas. Tinas de todas as cores. Pinte as paredes, os móveis, os objetos. Pinte
os muros, as calçadas. Pinte as roupas, os sapatos, os automóveis, os
eletrodomésticos. Pinte os braços, as pernas, os dedinhos, as bochechas, os
cotovelos, as orelhas. Pinte cada coisa de uma cor, vermelho, amarelo, branco,
preto, verde, azul, rosa choque. Misture as tintas, invente cores, receba as
cores dos outros e integre nas suas pinturas. Descubra cores novas e fique
maravilhado. Admire todas as cores. Deslumbre-se com a variedade de tons de que
é feito o mundo. Azul claro, escuro, turquesa, celeste, bebê, azul Yves Klein.
Seja aquela performer nua imprimindo a tinta do corpo na tela. Seu corpo é uma
obra de arte. Toda cor é bela. [Tema: Combate ao racismo]
XVII. Você
tinha medo do escuro e por isso aprendeu a dormir com as luzes acesas. Você
percebeu que dormir era uma forma de apagar as luzes, e por isso tantas
insônias. Você tinha medo de cair, mas não evitou as alturas. Já se acostumou
com as quedas e as fraturas expostas. Você tinha medo daquele palhaço de
brinquedo que ganhou de presente e lembrava uma cena de Poltergeist. Não podia
simplesmente livrar-se dele, para não perdê-lo de vista e ser surpreendida com
a sua visita, então o manteve trancado durante toda a infância dentro do
armário. Você ainda tem medo de filmes de terror, e não sabe mais do paradeiro
daquele palhaço. Tem medo de sofrer um acidente de carro, tem medo de que um
avião caia na sua cabeça sempre que ele voa baixo, e sempre tem medo de que um
caminhão tombe em cima de você com toda a sua carga. Você tem medo de raios e
trovoadas, embora goste muito da chuva. E tem muito medo de levar choque, de
chuveiros elétricos, e de tomadas, e de trocar lâmpadas. Tem um medo irracional
de baratas, e de encontrar minhoquinhas entre as folhas de alface ou dentro da
goiaba. Você sempre se assusta ao lavar verduras. Todo susto é o palhaço que
ressurge do nada. A cena do chuveiro. Um roteiro de Hitchcock. Você sempre
corre perigo. Não pode mais trancar seus medos dentro do armário. Você
colecionou muitos medos e eles já não cabem no cofre. Você tem medo do escuro e
tem medo de trocar lâmpadas. Você não pode viver só. Todo mundo precisa de colo
quando acorda de um pesadelo. Todo mundo tem seus medos. Vem cá, criança. Deixe
que lhe façam cafuné nos cabelos. A lei de todo filme de terror: só é pego quem
se separa do grupo. Se estamos juntos, o palhaço não pode nos alcançar. [Tema:
Segurança]
XVIII. Às
vezes é bom sair da cidade, sentir o cheiro de terra molhada, descobrir de onde
vem a batata. Até esbarrar nos arames farpados. No campo, nem tudo são flores.
Um dia, inventaram fronteiras e propriedades. Aí hoje alguém diz “Vá plantar
batatas!”, e você não pode. Não tem terra. É preciso cavar a terra com as
próprias mãos e arrebentar os arames farpados com os dentes. Não há flores no
campo. As gengivas sangram. Vá plantar batatas. E faça nascerem as flores do campo.
[Tema: Reforma agrária]
XIX. Eu
sou mulher.
[Tema: Combate
ao machismo]
XX. Tente
ficar uma semana sem olhar os relógios. Ao sair do apartamento, aperte todos os
botões do elevador. Ao alcançar a rua, libere a maconha. Tente encontrar um
orelhão. Pegue o ônibus mais próximo. No local de trabalho, algumas
recomendações são necessárias. A essa altura, você já deve estar cansado. Selecione
alguns livros para ler. Olhe pela janela. Torne-se um colecionador de chaves. Ignore
a sirene. É noite. É assim mesmo. Tire o dia para ir à praia. More num tênis
All Star. Na queda. Arrume tintas. Você tinha medo. Às vezes é bom sair da
cidade. Eu sou. Viver é uma arte. [Tema: Cultura e Arte]
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Você
nunca tem tempo.
É o
tempo que tem você.
Você
pensa que possui as coisas que você tem,
mas é
você a propriedade das coisas.
As
coisas são seu patrão.
A
subtração do seu corpo,
o
sequestro do seu tempo.
Você
não precisa de nada,
você
precisa de precisar,
e
precisa sempre mais de mais.
Nunca
estará satisfeito.
A menos
que faça o relógio
girar
no sentido anti-horário,
e seja
seu próprio proprietário.
Eu
arriscaria.
“A vida
é sua. Governe-a”.
LANÇAMENTO DIA 5 DE OUTUBRO:
https://www.facebook.com/events/1540565742840600/
15.8.14
DIÁRIO DE UMA EXTERMINADORA DE CÃES
hoje,
andando pela rua,
chutei um
cachorro morto.
mas foi
apenas para me certificar
de que
ele estava realmente
morto.
na
ausência de latidos,
segui
em frente
esboçando
um sorriso:
-
“menos um cão assassino no mundo!”
os cães
são realmente cruéis
quando
se trata de gatos.
um dia,
percebi
que precisava fazer
alguma
coisa boa
pelo
mundo.
abracei
a causa dos felinos.
os
gatinhos só querem ser livres,
e são
muito oprimidos.
quando
vi um gato dilacerar
uma
barata
achei justo.
e vi
também
muito
senso de justiça
em seu
implacável extermínio
aos
ratos.
são
bichos nojentos,
que
empesteiam o mundo!
mas
havia ainda um empecilho:
os
cães.
os
gatos não podem com os cães.
os
gatos precisam de mim
para
lutar contra os cães.
pobres
gatos!
me
armei de porrete
e saí
afundando os crânios
de
todos os cães
que
encontrava pelo caminho.
não
gosto dessas cabeças caninas
jorrando
sangue.
não
tenho em mim um prazer assassino.
apenas
descobri que os cães
representam
o mal.
e para
ser boa, estar do lado do bem,
é
preciso exterminá-los,
só
isso.
me
tornei uma pessoa melhor.
se ouço
um latido,
já
estou lá a postos,
de
porrete,
barra
de ferro,
pronta
para enfrentar
o
inimigo.
alguns
cães abanam os rabos
pensando
que me enganam...
eu sei
que a maldade está lá.
ser uma
exterminadora de cães
é um
bom modo de
mudar o
mundo.
estou
em paz
ouvindo
o canto de um
passarinho.
mas..
o canto
parou de repente.
o que
estou fazendo
com
esse lindo passarinho
entre
os dentes?
7.8.14
DOS PROTESTOS PARA AS PÁGINAS: O LIVRO “AS GUERRAS NOS PORTA-RETRATOS” REÚNE POEMAS E FOTOS DAS RUAS
No dia 9 de agosto, data que marca um ano da ocupação da
Câmara Municipal do Rio de Janeiro – Ocupa Câmara Rio –, será realizada a festa
de lançamento do livro “As guerras nos porta-retratos”, a partir das 20 horas,
no Estúdio Hanói.
O livro reúne poemas e fotografias realizados no contexto das
manifestações que eclodiram no Brasil a partir de junho de 2013, em que a
autora se oculta e se mascara, e revela, ao lado de seus poemas, as escrituras
anônimas das ruas nos mais variados suportes (faixas, cartazes, escudos,
adesivos, lambe-lambes, carimbos, projeções, pichações, grafite e estêncil). Os
dois primeiros capítulos trazem trabalhos das séries “Vandalismo Poético” e
“Ocupa Coração”. No último capítulo, poemas da fase anterior às manifestações
se intercalam a escrituras de outros períodos históricos, como as dos muros de
Paris em maio de 68, sob o título “Velhas fotos amareladas”.
O evento de lançamento, intitulado “Festa das Organizações
Amorosas”, também celebrará as lutas políticas que tomaram as ruas no último
ano, reunindo ativistas, artistas, advogados, socorristas e midialivristas de
diversos coletivos ou independentes; enfim, pessoas que ocuparam as ruas
criando uma rede de solidariedade e resistência que se estende até o atual
momento, com a luta contra a criminalização dos movimentos populares,
perseguições políticas e prisões de manifestantes, acusados de “formação de
quadrilha”. Como resposta poética, forma-se então uma “organização amorosa”.
Na programação, haverá apresentações de poesia, performance,
música e projeções, com palco aberto para diversas intervenções artísticas. A
autora apresentará performances em parceria com as artistas Flávia Cortez e
Aline Vargas. Haverá shows de Arnaldo Brandão e Claudia Sette, poemas de
Tavinho Paes, Dudu Pererê, Juliana Hollanda, Marcela Giannini, e muitos mais.
Entre as projeções, fotos de Marcelo Valle, vídeos de Rafucko, e a exibição de
um documentário sobre o Ocupa Câmara Rio, realizado por Ciro Oiticica.
O livro integra o projeto de pesquisa "Vandalismo Poético e outras Artes Marciais", em desenvolvimento no curso de
Doutorado em Literatura, Cultura e Contemporaneidade da PUC-Rio, em que a
autora aborda relações entre arte e política, a partir dos protestos de junho
de 2013 até as manifestações contra a Copa do Mundo no Brasil, em junho de
2014.
Não por acaso, o nome da autora não foi até agora revelado. A
estratégia de ocultamento é proposta do trabalho, com o desenvolvimento da
ideia de “mascaramento do autor”. A autora poderia dizer “Anota aí: eu sou
ninguém”, como uma militante do Movimento Passe Livre de São Paulo a um
jornalista que a interrogava sobre sua identidade no auge dos protestos de
junho; ou afirmar “Meu nome é Amarildo”, como os ocupantes da Câmara Municipal
do Rio de Janeiro a todos os repórteres, ou ainda cobrir o rosto com uma camisa
preta como os praticantes da tática Black Bloc. Como afirmou Peter Pál Pelbart,
mencionando Agamben, em artigo sobre as manifestações, “os poderes não sabem o
que fazer com a ‘singularidade qualquer’”.
Poeta e performer, mestre em Artes Visuais pela UFRJ, tendo
passado pelas graduações de Cinema-UFF e Artes Cênicas-UNIRIO, a autora integra
o grupo Madame Kaos, e tem no currículo inúmeras apresentações artísticas, e
outros três livros produzidos de forma independente. Atualmente, atende pelo
nome de Bakunin.
O
Estúdio Hanói fica na Rua Paulo Barreto, nº 16, sobrado – Botafogo. A entrada é franca e o bar não aceita cartão.
O livro custa R$20,00.
Link para evento no Facebook: https://www.facebook.com/events/752979524760710/
28.4.14
OCUPACOPA
um
grito de dor
um
grito de gol
uns
levam bala
uns
jogam bola
entre Ocupa
e a Copa
já
sabemos chutar
as
bombas de volta.
o Brasil
está de negro
está de
luto
está de
luta
estádio
é rua.
entre
futebol
e
pelada
- nua -
“é uma
casa muito engraçada
tem copa,
e não tem mais nada”
- não é
assim aquela música?
casas
marcadas
-
remoções.
caras
marcadas
-
prisões.
muito
engraçada
muito
engraçada
(toda
gargalhada é feroz.)
- vai
ter palhaçada?
- sim
senhor!
- vai
ter marmelada?
- sim
senhor!
(só não
vai ter pão.)
- vai ter
Copa?
algumas crianças moram
em seus desenhos
- casa engraçada sem teto sem chão -
em seus desenhos as casas são coloridas
têm portas janelas e chaminés
acima de tudo, o sol sorri
algumas crianças moram no sorriso do sol
- as nuvens carregadas de chuva e chumbo -
(o sol das crianças jamais deveria deixar de sorrir)
uma criança teria desenhado uma casa com pernas
cruzando o jardim
e as flores com muito espinho
e o sol muito vermelho
e a casa cansada só queria sentar numa pedra
pra descansar
mas pedra não há no caminho
algumas crianças moram nas suas pernas
dormem na chuva e chumbo
e sonham com seus desenhos
21.4.14
NÃO É UM POEMA
tal
Buñuel
deslizar
a navalha no globo ocular
você já
fechou os olhos
para
alguma cena de cinema?
o
desejo da cegueira
a
navalha no globo ocular
você já
fechou os olhos
para
alguma cena?
muitas
imagens são duras
de
enxergar
espetar
os olhos
e
mergulhar na escuridão
não foi
autopunição
- o
alívio de não ver -
Édipo
soube a verdade
cegar-se
foi seu presente
- de
grego -
presente
trágico de alívio rápido
você já
fechou os olhos?
em
Laranja Mecânica
Kubrick
projetou garras de ferro
para
manter os olhos sempre abertos
e os
olhos se debatem
em
desespero
tente
fechá-los agora? ele ri.
você já
se fechou?
- o
alívio de olhar o umbigo -
a cor
da cegueira é negra
como a
escuridão
que
embala nosso sono?
ou será
a cegueira branca,
luz fria,
refletor no olho,
incômodo?
Saramago
cegou
a
humanidade inteira
para
dar a ver
o
desumano no humano
há
alívio em não ver?
desesperos
táteis
ainda
são
desesperos
o som
do carro derrapando
no
atropelamento
a
viscosidade do sangue
na
calçada
não era
cinema.
16.2.14
APRESENTAÇÃO ABERTA AO PÚBLICO
A minha Dissertação de Mestrado, "Meu corpo como livro", resultado de pesquisa artística que venho realizando desde 2009 em performances e na composição de livros, e que a partir de 2012 passou a ser desenvolvida na Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRJ, será defendida nesta terça, com apresentação de performance artística aberta ao público. Segue o flyer:
12.2.14
SOBRE O ROJÃO NOSSO DE CADA DIA
a Rede Globo explodiu um rojão na minha cabeça
há muitos anos, a Globo tem causado mortes cerebrais
por atrofia de pensamento
eu me apalpo e percebo que ainda não morri
olho muito abismada para as coisas do mundo
eu penso.
quem acendeu aquele rojão?
quem atirou um artefato explosivo a esmo
no meio da multidão?
quem REALMENTE causou a morte do cinegrafista
e de tantos outros cujas vidas tinham menos valor
para a cobertura da Rede Globo?
o Estado acendeu o rojão;
Cabral, Eduardo Paes e suas polícias.
a Globo, junto a outras mídias,
deu cobertura.
há imagens que mostram claramente
a Globo passando o rojão
para as mãos de Sérgio Cabral.
não se enganem,
estão todos com as mãos sujas de sangue!
há mesmo quem diga que aquilo foi bomba de efeito moral
(a explosão é igual)
já não importa para onde vai levar a investigação:
a Globo já condenou,
não dois moleques inconsequentes,
não o Black Bloc,
condenou toda e qualquer forma de
MANIFESTAÇÃO.
taí o rojão, segura!
agora lança no deputado da oposição!
agora lança na Sininho, no Peter Pan,
e em todos os meninos perdidos da Terra do Nunca,
que cometeram o terrível crime de não crescer!
aproveita e lança também no Batman!
mas deixa o Coringa, o Pinguim e o Capitão Gancho
resguardados.
como cantava Elis: “Eles venceram,
e o sinal está fechado pra nós, que somos jovens”
a Globo explodiu um rojão na minha cabeça
e eu ainda estou catando os pedaços do meu cérebro
espalhados pelo chão; ainda estou viva.
um dia conseguiremos pensar
sobre tudo isso
se o pensamento, enfim,
não for também proibido.
#vandalismopoético
1.2.14
#ocupacoração
Às vezes, o meu coração desocupado fica ali prostrado, estourando
plástico bolha durante o dia inteiro. O coração desocupado, às vezes, se enche
de pensamentos impróprios. Se pergunta, por exemplo, por onde andará aquele
ocupante que saiu vandalizando tudo? E se lembra com certa saudade de cada cena
de vandalismo, o fogo todo, as explosões, tudo lindo! E se esquece de lembrar
que aquilo tudo devia doer. Talvez tenha doído um bocado. Mas um coração
desocupado já não sente nada. Apenas fica ali, estourando plástico bolha, sem
mais nem porquê. Sequer se dá ao trabalho de pensar que o plástico bolha não
nasceu pra gente estourar. O plástico bolha foi feito para proteger objetos frágeis
do contato com superfícies duras, para impedir quebras ou rachaduras. O coração
devia se envolver inteiro em plástico bolha, quilômetros e quilômetros de
plástico bolha para cada coração. E então, um coração desocupado só seria
penetrado por outro coração desocupado, que viesse assim de mansinho,
distraído, quem sem querer, estourando as bolinhas uma a uma com delicadeza nas
mãos. É tudo muito delicado no contato de um coração com outro coração, são
objetos frágeis. Há coisas que não podem ser vandalizadas. Ploct, ploct, me diz
o plástico bolha. Devo considerar isso. É sempre bom ouvir um conselho de amigo.
22.12.13
I'M
GOING BA
dizia o visor do rádio
quando a gente entrava
no litoral sul da Bahia
era Nina Simone - I'm going back home
numa alegria
que Nina Simone
só teria na Bahia
e eu lembrava do meu pai criando galinhas
e eu sentia o cheiro dos coqueiros
e eu já sentia calor na estrada na chuva
e eu estava voltando pra casa
depois de muitas tempestades
o Espírito Santo não colaborou
como nada que vem da igreja católica
e o Natal era apenas pretexto
(e eu sempre me pergunto, por que, afinal,
criaram um Estado para separar a Bahia do Rio?!)
i'm going back home
i'm going BA
i'm going para o colo do meu pai
porque talvez ele precise de colo
porque a gente sempre se precisa
quando a vida - imprecisa -
se veste de morte
e eu me lembro dos filas brasileiros
que ele criava
e eu me lembro das casas boas
e das casas ruins
em que ele morava
e eu me lembro - o tempo todo e sempre -
da minha madrasta
ela teria reclamado daquela carne do sol
que não era carne do sol
e teria fumado cigarros comigo
ao longo de toda a estrada
i'm going BA, Milú
que você escolheu como casa
i'm going meu pai
que você escolheu como casa
i'm going você, amada
de onde eu nunca saí
porque você me habitava
essa chuvinha boba
da qual você também reclamava
- você estaria sentindo muito frio aqui -
essa chuvinha veio
pra disfarçar
as nossas lágrimas
no meio de todos os rostos
molhados
i'm going BA
com uma canção de Nina Simone
pra você
ela sabia ser triste
mas também conhecia
a alegria
de voltar pra casa.
dizia o visor do rádio
quando a gente entrava
no litoral sul da Bahia
era Nina Simone - I'm going back home
numa alegria
que Nina Simone
só teria na Bahia
e eu lembrava do meu pai criando galinhas
e eu sentia o cheiro dos coqueiros
e eu já sentia calor na estrada na chuva
e eu estava voltando pra casa
depois de muitas tempestades
o Espírito Santo não colaborou
como nada que vem da igreja católica
e o Natal era apenas pretexto
(e eu sempre me pergunto, por que, afinal,
criaram um Estado para separar a Bahia do Rio?!)
i'm going back home
i'm going BA
i'm going para o colo do meu pai
porque talvez ele precise de colo
porque a gente sempre se precisa
quando a vida - imprecisa -
se veste de morte
e eu me lembro dos filas brasileiros
que ele criava
e eu me lembro das casas boas
e das casas ruins
em que ele morava
e eu me lembro - o tempo todo e sempre -
da minha madrasta
ela teria reclamado daquela carne do sol
que não era carne do sol
e teria fumado cigarros comigo
ao longo de toda a estrada
i'm going BA, Milú
que você escolheu como casa
i'm going meu pai
que você escolheu como casa
i'm going você, amada
de onde eu nunca saí
porque você me habitava
essa chuvinha boba
da qual você também reclamava
- você estaria sentindo muito frio aqui -
essa chuvinha veio
pra disfarçar
as nossas lágrimas
no meio de todos os rostos
molhados
i'm going BA
com uma canção de Nina Simone
pra você
ela sabia ser triste
mas também conhecia
a alegria
de voltar pra casa.
16.12.13
um índio
um único índio
resistindo no topo de uma árvore
agarrado a folhas e galhos e desejos de liberdade
agarrado a toda a força da sua ancestralidade
basta um único índio
numa aldeia despedaçada
em pleno século XXI
de concreto e choque
cercado
um índio-pássaro
fazendo ninho
alimentando com o bico os outros pássaros
que ainda não sabem que podem voar
não se sabem passarinhos...
- “eles passarão!”, diria Quintana
o índio não precisa dizer nada
o índio sabe que a terra é a sua casa
se planta no chão
e renasce
a cada século de escuridão
um índio
no topo de uma árvore
resistindo
espírito guerreiro
arco e flecha contra canhão
um índio batendo firme o pé no chão
enquanto o pelotão bate continência
o índio dança
dançar
é a mais bela forma
de resistência.
4.12.13
CONDENADO MORADOR DE RUA PRESO COM PRODUTOS DE LIMPEZA: 5 ANOS DE
RECLUSÃO
atenção:
recolham todas as garrafas de pinho sol
das prateleiras do mercado
é questão de segurança nacional!
recolham também água sanitária, detergente,
todas as marcas de sabão em pó
omo cores e omo multiação
removam as vassouras, os paninhos,
sabão em barra e sabão em pasta
tudo o que é produto de limpeza
tem um sabonete nas suas mãos?
- tá preso!
- por quê?!
- posse de material explosivo.
é que tem um povo por aí
querendo limpar o país
de toda a sujeira varrida pra debaixo do tapete
- mas isso é um perigo!
então a polícia não pode deixar ninguém andando por aí
com material de limpeza
tem muita sujeira nas UPPs e no palácio do governo
muita sujeira no congresso nacional,
nas câmaras e assembleias legislativas
muita sujeira na justiça, na mídia
muita sujeira nas mãos de todos
quem têm nas mãos o poder
higienização, pra eles, é tirar de circulação
pobre, preto, favelado e morador de rua
tudo dentro de um camburão
a segurança da nação depende
de deixar decantados no fundo do rio
toda a sua sujeira, os resíduos,
e todos os excluídos
- não se pode revirar o lixo –
atenção: produto de limpeza tá proibido!
bora agora comprar os explosivos...
#vandalismopoético
Assinar:
Postagens (Atom)