23.11.08

A incrível saga de São Luiz Gonzaga

Numa noite qualquer, depois de assistir “Que as saídas sejam múltiplas”, espetáculo de dança do nosso amigo Fernando, fomos eu, ele, Bel e Taianã rumo à casa de Daniel, onde também nos aguardavam Gunnar e Marília, nossos parceiros de boemia. Sem nada conhecer de São Cristóvão, procurávamos desesperadamente a Rua São Luiz Gonzaga. Após darmos várias voltas em torno da Quinta da Boa Vista, paramos, enfim, num bar na esquina da Barão de Mesquita com a São Francisco Xavier pra tomar uma cerveja e relaxar do estresse de estarmos perdidos. Aí saiu esse poema coletivo:

A incrível saga de São Luiz Gonzaga


para Marília Nunes, Gunnar Borges e Daniel Galvão

A inviável noite se anuncia
Sutilmente mentirosa com medo da triste apatia entediada
E Luiz Gonzaga
que não era santo nem nada
se escondia atrás do parque
Ai que Boa Vista esta
que não paro de perceber
sempre em círculos.
E quanto mais quadrados e retas procuro,
sempre me indicam:
Contorna! A vista é bela.
Sim, as saídas foram múltiplas.
Mas Luiz Gonzaga não compreendia
em sua busca existencial
qual era afinal,
afinal, qual era, meu deus?!
A ENTRADA!
Escondido atrás do parque, agachado, mãos na testa, como estava, meditava...
Meditava, outros dizem:
- Mendigava o Gonzaga... sempre em busca de migalhas do pão.
Na eterna fuga de sua imensa tristeza. Um sorriso, um consolo, uma desculpa. Um olhar.
Mas não, a Baronesa só tinha lágrimas, do outro lado o cão só ladra.
E Francisco Xavier, esse sim santo
enviou num cavalo branco
um fidalgo salvador
que trazia na cabeça a espada da concórdia
e nas mãos uma taça cheia de presentes dourados .
Assistência móvel para panes elétricas 24 horas.
Este era o cartão que Luiz, o Gonzaga, carregava no pescoço para o caso de um enfarto ou enfisema pulmonar.
Nunca se sabe quando as encruzilhadas viram rotatórias, os mendigos ricos, ou os escarros vêm do gozo.
Aí veio o Barão, um velho nobre podre de pobre que escarrava no chão e vivia a dizer indecências.
Chegou sem pedir licença, puxou uma cadeira e sentou perguntando (sem nem dizer bom dia): Rio?!
E riu...
Mas o sorriso é singelo, carismático, alegre. O Barão tem sua mesquita com um símbolo da suástica, uma virgem de burca transparente, um olhar translúcido em um dos olhos. Só num.
No outro... ninguém sabe como definir.
O outro é tão, tão...
Lacrimoso, eu diria. Mas era uma lágrima que nunca caía. Estava sempre lá, parada, na iminência de despencar. Mas não podia.
Ela sabia que caindo solitária levaria o corpo todo do Barão a desabar, e com ele o céu, o mar, toda a vida, tudo que no mundo há. Uma tristeza quase doce era o anúncio desse olho.
Então ele andava, andava, andava, por aí, a procurar rir pra não chorar.
Passo. Eu não vou conseguir.
É só emoção.
Eu não tenho o dom da palavra.
Não quero mais procurar. Não quero mais chorar...
Não quero sequer rir!
Quero sim é encontrar a concórdia, de mim... Desculpem, do Barão.
Do meu – entendam sempre dele, por favor. Do meu sim e do meu não. Do meu Santo ou nada. Do meu bi, tri, quadri... Multi qualquer coisa que seja farsa ou não.
Em um ano da minha vida, tenho tudo daquele ano, e nem consigo entender.
Como jogo fora, pra ninguém ver.
Nunca queimei, joguei fora mesmo.
Pra ninguém que eu perceba alguém ler.
Mas que besteira a minha!
Que ingenuidade besta meu deus?!
Se já me lêem nos olhos a alma, se já me lêem no corpo inteiro, nos dedos rasgando das toalhas das mesas de bar o molhado do suor dos copos...
Não, não, não são todos que sabem ler.
Há os analfabetos fundamentais, que nunca vêem uma letra de emoção. Um “a” de abelhinha zunindo no ouvido de uma criança que descobre o mundo.
Paro por aqui, porque quanto mais profundo se chega no Japão,
mas no Luiz Gonzaga a gente não chega não!

Beatriz Provasi, Bel Flaksman, Fernando Klipel e Taianã Mello (que após algumas garrafas seguiram um táxi e conseguiram enfim chegar na Rua São Luiz Gonzaga!!!)

21.11.08

O MENINO E A CORUJA FALANTE

para João Luiz de Souza

uma fala amaciada
desliza pela madrugada...
e eu vejo um menino brincando
um sorriso de criança encantada
sabe aquela criança que inventa a brincadeira
personagens, histórias, mundos incríveis,
paisagens, perigos, heróis, grandes conquistas
coisas que os outros dizem: não é verdade, isso não existe.
mas ela insiste na fantasia
pois no fundo ela sabe
(e se fortalece nesse saber profundo)
que tudo existe quando a gente cria!
eu acredito na sua história,
entro no jogo, participo da brincadeira,
e comigo vejo outros,
e vejo uma cidade inteira!
e eu vejo o olhar deslumbrado da criança
quando percebe que os outros acreditam no que ela já sabia
mas lhe diziam os incrédulos: isso é pura fantasia!
qual o quê!
criança sempre vê além
por isso vê o que ninguém vê
esse menino viu além
e foi além do que podia imaginar
outros vieram lhe somar histórias
e era tanta imaginação, tanta imagem, tanta ação,
tantos mundos se somando, tanta criação, tão divertido!
que o menino nunca mais se viu perdido
e mesmo na madrugada mais sozinha, mais fria, mais vazia,
ele conversa com uma coruja de estimação
um coruja que fala!
não como um papagaio besta que vive repetindo frase feita
ele tem uma coruja que no pé do seu ouvido
pousa palavras com asas
uma coruja que fala poesia!...
o menino nunca pára de brincar
a brincadeira, tão somada, tão sadia,
que pela cidade inteira se irradia,
nunca, nunca, nunca vai terminar!
mas tem hora que o menino precisa
- porque toda a mãe dizia e nela a gente sempre acredita -
deixar o jogo só um pouquinho,
escovar os dentes, fazer xixi, e ir pra cama dormir.
e nessas horas a coruja se empoleira na sua cabeceira,
e faz dos versos uma linda canção de ninar.
no dia seguinte o menino acorda homem feito
com tantos feitos no caminho
mas ainda vejo no seu olhar, no seu sorriso, de mansinho,
o despertar daquele menino,
que inventou as brincadeiras
com as quais continua a brincar.
ele acredita, e se encanta, e se deslumbra,
e ainda conversa poesia com a coruja,
que leva no ombro pra todo lugar!
mas sabe, não é todo mundo que vê
a coruja no seu ombro e o menino em seu olhar
são só as crianças e os poetas
- o que dá na mesma.
só mesmo que sabe brincar!

14.11.08

FLIPORTO 2008

Ainda não tive tempo nem de desfazer a mala direito... Queria muito escrever e escrever e escrever sobre o que foi a FLIPORTO, mas agora não dá. Seguem então umas fotos e um poema coletivo, pra quem quiser degustar...






Galos, galinhas, pavões
pintos, preás, patos
peixes comendo ração
cavalos-marinhos expostos em vidrinhos
Sol nascendo ao sono do povo
Poesia no porto sonhando acordada
A arte convida...
Antes os grilhões pesados dos escravos no porto,
hoje a poesia que liberta os pulsos
e pulsa na garganta

Beatriz Provasi, Betina Kopp (psicografada), Lucas Castelo Branco, Marcelo Asth e Paulo Beto Meirelles, na última noite em Porto de Galinhas