19.12.07

Provasi

É isso mesmo, caros leitores. Meu nome mudou. A partir de hoje assino Beatriz Provasi. Adotei, enfim, meu nome artístico. Trata-se do sobrenome da minha avó Doda, que morreu antes mesmo d'eu nascer. Homenagem à matriarca italiana da família que infelizmente eu não pude conhecer, mas que de algum lugar me sorri!... Os familiares que a conheceram dizem que eu me pareço com ela (sem dúvida, o protuberante nariz italiano é marcante nas duas - já vi fotos dela...). Não sei se é apenas necessidade de ver Doda em algum lugar... Mas ela está aqui. E agora vai comigo a todo lugar. No meu nome. Provasi.

11.12.07

guia de viagem

brota um querer
tomado de êxtase e fúria
certo como 2 e 2 e 2...
cresce o querer
na extensão do corpo

toma forma
e poros afora
vaza
e evapora
vai dar na imensidão dos ares
sigo o vôo de cada partícula
vou longas asas
abraçar o infindável
e mesmo lá do alto
pisar a terra
os pés no chão
no seu pulsar
ritmo das passadas
caminhar
um querer, um guia
excursão, a vida
mudem as rotas
alterem-se os mapas
vigore toda uma nova geografia!...
conheço a terra que piso
abro a facadas minha trilha
invento novas vias
atalhos, alguns
mas me encanta
a sinuosidade
das voltas
a languidez
dos zigue-zagues
a obliqüidade
dos retornos
nunca ao mesmo lugar
o lugar nunca é o mesmo
não sou eu a mesma ao voltar
o querer é a linha de chegada
mas não desprezo o prazer
de uma boa caminhada
fotografo com o olhar
cada paisagem
a bagagem carregada de desejos
largo alguns pelo caminho
quando o que levo pesa
e me quero leve
sempre guardo espaço
pra levar lembranças
e em cada canto
tudo mais que ecoar
o querer que hoje me guia
me leva muito a viajar
são viagens a outros estados
sólidas, líquidas, gasosas
são viagens ao exterior
ou incursões

dentro de mim.

7.12.07

Canudos - ainda e sempre

Um pesquisador argentino que faz trabalho sobre Canudos encontrou meu blogue não sei como e me pediu que lhe enviasse as minhas impressões da cidade. Me pus a escrever, escrever, escrever, reviver tudo e mais e segue abaixo o texto que lhe enviei:

Vou então relatar as minhas impressões sobre a cidade. Como estava lá durante um evento cultural de grande porte (a apresentação do espetáculo "Os Sertões", que se desenrola em 5 dias, com mais de 27 horas no total, mais de 40 atores, mais a equipe técnica e espectadores de fora que povoaram a cidade, shows na praça e tal), não vivi o dia-a-dia normal da cidade. Mas conversei com alguns canudenses. Posso te passar, por isso, algumas informações equivocadas ou imprecisas.
A minha primeira impressão, ao chegar, foi surpresa. A cidade é bem maior do que eu imaginava. E apesar do clima seco, tinha água abundante. O Açude Cocorobó também é bem maior do que eu imaginava. E há dois pontos para banho: a prainha e o jorrinho. Eu não saí da cidade. E podia ter ficado com uma impressão de abundância. Mas conversando com canudenses, soube que a seca assola mesmo as regiões rurais, algumas distantes 3 horas do centro, onde não chegam as águas do açude. Não há um sistema de irrigação.
A paisagem é árida. Fauna e flora típicas da caatinga. O povo ria quando nós, turistas da cidade grande, tirávamos fotos de cabras, burros e porcos passeando livremente pelas ruas. Come-se muito carne de bode e de carneiro (que eu provei e gostei).
As estradas de acesso à cidade são de terra e muito mal conservadas. Há poucos ônibus para Canudos. Há um direto de Salvador. Mas de Aracaju (de onde fui), tem que se pegar um ônibus pra Jeremoabo, e de lá, pega-se outro para Canudos. Enfim, o acesso não é muito fácil. A viagem é longa e cansativa (levei 9 horas de Aracaju pra lá). O ônibus, bem cacarecado, vai parando para pegar e deixar passageiros pelo caminho. A poeira que sobre da estrada, aliada ao sol forte, torna a viagem ainda mais penosa. Sente-se a garganta seca e áspera. A água que carrego na bolsa não ameniza, de tão quente que está, causa enjôo. Mas ao chegar, encontro um pôr do sol recompensador e cerveja gelada. Há muitos bares. E alguns cachaceiros.
Não há opções de cultura e lazer. No último dia lá, conversei com uma senhora que se queixava disso. Que após a saída da peça, restaria um vazio na cidade. O único divertimento que tem é ver televisão. O povo é muito conservador. No primeiro dia da peça, a cada aparição de um ator nu em cena, era um rebuliço na platéia. As pessoas comentavam escandalizadas e quase não se ouvia o que os atores falavam. Alguns até se retiravam. Como o tempo, o público foi sendo conquistado, foi se acostumando, foi se soltando e até participando das cenas em que os atores puxam pessoas do público para o palco. Achei lindo, realmente emocionante, esse movimento de conquista. Porque as pessoas lá não estão acostumadas com teatro, especialmente esse tipo de teatro, que mexe tanto com a libido. Mas a força da encenação, além das cenas de nudez e sexo, é tão grande, que conseguiu trazer o público para junto de si, que lotou o teatro todos os dias. Muitos inclusive ficaram de fora, infelizmente, por não conseguirem ingresso. Mas os shows com os músicos do grupo após a peça eram abertos, em praça pública, uma grande confraternização, coroada com a enorme ciranda no último dia formada por artistas, turistas e canudenses, abraçando a praça, um abraço em Canudos e em cada um de nós.
Foi um grande acontecimento na cidade. Mas como me disse aquela senhora, agora deve restar um vazio. E espero, sinceramente, que o povo de Canudos o preencha, gerando atividades culturais na cidade, sem ficar na dependência apenas do que vem de fora. Claro que pra isso é necessário também que haja investimento. A seca na cidade não é só geográfica, é também cultural. E também aí deve haver irrigação. E também aí as sementes plantadas devem ser regadas para não secarem.
Outra impressão ruim que tive foi o lixo espalhado pela cidade. Na peça, Zé Celso incluiu uma cena para conscientizar as pessoas sobre o recolhimento do lixo plástico. Mas aí eu fiquei pensando, não basta a consciência das pessoas, se não se tem uma política pública de recolhimento do lixo. E ao que parece, não há. Então o lixo fica espalhado pela terra seca do sertão sem se degradar, agravando a aridez da paisagem.
A cidade tem algumas lan houses, onde se acessa a internet. Mas não há sinal para telefone celular. O transporte, na cidade, se faz muito de moto táxi. A música que mais se ouve é o "arrocha". O CD de um grupo chamado Bonde do Maluco é o que mais toca nos bares. Até decoramos trecho de uma música, que virou quase que música tema da nossa viagem ("Não vale mais chorar por ele, ele jamais te amou - jamais te amou").
Por fim, o povo que se escandalizava no primeiro dia da peça já nem mais ligou no último dia, ao amanhecer, quando um grupo tomava banho nu nas águas do açude. E foi um belo amanhecer, o último, com os raios de sol esparramados por todo o açude. Enfim, viemos embora. Canudos lá ficou, com seu vazio a ser preenchido. E nós, que lá estivemos, como eles, que lá estão, e todo o povo brasileiro, que faz parte dessa história, devemos à cidade a sua reconstrução, o seu "desmassacre", para usar o termo zécelsiano. É o que acho mais importante da montagem de "Os Sertões". Não é uma peça para se assistir. É uma peça para se atuar. Tanto dentro, como fora de cena. Atuar no sentido de agir, promover uma ação transformadora. "Atuar pra poder voar" (trecho de música da peça).

"Meu cavalo tá pesado
Meu cavalo quer voar
Meu cavalo tá pesado
Meu cavalo quer voar
Atuar, atuar, atuar pra poder voar
Atuar, atuar, atuar pra poder voar"

Canudos

Canudos foi uma experiência tão arrebatadora, tão intensa, tão fortemente presente ainda em mim, tão cravada na minha carne, tão profunda na minha alma, tão tão, que não consigo escrever. Não encontro palavras. Elas fogem. Restam as imagens. Tão fortes. Os sons, os cheiros, o ar seco, as nuvens de terra no vento, os corpos nus nas águas do açude, o gigantesco abraço da ciranda na praça, meu pé pisado, meu pé cortado, meu pé descalço, os pés no chão, a alma nas alturas, planando na imensidão do céu do sertão... Quando vi “Os sertões” no Rio, eu achava que a tinha vivido, mas apenas tinha visto a peça. “Os sertões”, em Canudos, eu vivi. Lá, “Os sertões” estavam em tudo, e não só na cena. Não havia esse limiar. Quando eu saía da platéia e levava rajadas de vento e terra no rosto pra comprar uma Caribé (cachaça), eu estava ainda n“Os sertões”. Quando eu aguardava no estádio o início da peça contemplando o pôr do sol, “Os sertões” já estavam lá. Havia “Os sertões” em todo o lugar. Era um continuum. Sem início e fim. Um eterno desenrolar... E se me virem por aí, não se enganem, eu ainda estou lá!